terça-feira, 23 de março de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)
skip to main |
skip to sidebar
1 º Atividade da Professora Xênia
CURSO: Pedagogia – 1º Sem. Mat/Not.
DISCIPLINA: História da Educação
PROFESSORA: Xênia Honório
DATA: __/__/2010
ALUNOS(AS): _____________________________________________________________________
ATIVIDADE Nº 1
Estudo dirigido sobre o texto: Introdução a História e História da Educação
Comente a afirmativa: “somos feitos de tempo”. _____________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Comente a frase: “a educação não é [...] um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos do jogo do poder [...]”. __________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Quais fatores influenciaram os estudos sobre a história da educação brasileira? _____________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Por que não há um conceito de “Ser Humano Universal”? _____________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
De acordo com o texto, quais são as duas funções precípuas da história da educação? Explique-as.__________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
FILOSOFIA GERAL (Professor Itamar)
É costume dizer que quando refletimos sobre a vida a partir de fundamentos filosóficos, quando debatemos filosoficamente o mundo, sempre iniciamos com questionamentos nem sempre fáceis de resolver. Os questionamentos filosóficos não são gerados em vista de uma solução racional e inteligível. Eles são formulados para exigir da consciência humana o ato de pensar. Por esta razão, não cabe neles direcionamento para um pensar único, perfeito e feito. O pensamento não deve estar preso entre as paredes da crença e do fundamentalismo, ou mesmo em categorias científicas que limitem o espaço em que a consciência é capaz de explorar sua busca fantástica pela verdade.A finalidade da filosofia pode ser dita como o fundamento e o sentido últimos de todos os fins, ou seja a apreensão do ser. Mas há dificuldade de se encontrar com a identidade no próprio seio das diferenças. O ser contra o nada, a ausência contra a aparência, o bem contra o mal, o inteligível contra o sensível, o permanente contra o mutável, o verdadeiro contra o falso, o racional contra o animal, o necessário contra o contingente, o uno contra o múltiplo, a sincronia contra a diacronia. Onde podemos apreender de fato o ser? E quando finalmente o apreendemos, é essa apreensão verdadeira ou falsa na aparência forçosa da verdade?Na dúvida sistemática perpassa a certeza de que não haverá a imposição de nenhuma verdade que não seja problematizada e pensada em todos os seus aspectos por cada um de nós. Por isso, essa dúvida nos abre sem possibilidade de fechamento à questão do sentido de nossas vidas. A verdade e a não-verdade, a certeza e a ilusão são como um bufão em permanente riso debochado de nossa consciência, como a dizer: vocês desconhecem o paradoxo da revolução do pensamento. Assim, para fazer filosofia, urge perder algo da fé nas aparências, nas rotinas, nos dogmas e crenças. Pensar é acordar o não-pensado. O revelar autêntico do ser se dá na forma do pensar. Ele surgiu quando o trágico travou a luz pensante do racional e do irracional, do físico e do político, do mito e do culto, do desespero e da salvação.Trágico é perceber o nosso abandono desesperado às forças da natureza, ao império fundado em vontades e punições de deuses, à fatalidade do destino que aponta para um determinismo que gera total impotência no ser humano. A tragédia é o palco sagrado da desolação e da condenação. A tragédia é o ser da realidade fundado numa identidade misteriosa. Incapazes de de-cifrar do conteúdo trágico a identidade verdadeira do ser, tornamo-nos impotentes para reabilitar a noção tão desgastada do ser – humano. Recorremos à ciência para chegarmos à via da historicidade, mas nos deparamos com um outro problema gerado pelas ciências fundadas na primazia do fenômeno sobre o universal: o presente haverá de ser compreendido se recuperarmos adequadamente articulações do passado, esquecidas pela própria dinâmica da vida. Por isso, devemos pensar nas razões que geraram uma ciência desesperada que, não tolerando esperar, se atropela na impotência de seu poder em alcançar o mistério do pensamento. É necessário pois despojarmo-nos de tudo quanto julgamos já saber sobre o pensamento dos primeiros pensadores, e resgatarmos todo o pensamento ao longo da história, aprendendo a dialogar com a tradição, gerando novos pensamentos. Um pensamento originário é a coragem de descer às raízes das próprias possibilidades de pensar. Um pensamento originário é um pensamento radical. Procura interpretar os modos de ser da realidade, restituindo as estruturas de suas diferenças à identidade do mistério. O modo de ser que nos apresenta como presente, não é originalmente um determinado presente.Essa apostila foi organizada para uso universitário nas aulas de Filosofia, é uma síntese do pensamento filosófico. Espero que tenha um bom fruto dela, o fruto do conhecimento que possa advir dos questionamentos e curiosidades.Itamar Rodrigues PaulinoFilosofia Geral – Filosofia da Educação
Sumário do conteúdo
Cap. I: MITOS 4AS GRANDES QUESTÕES MITOLÓGICAS 4AFIRMAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DE DEUS 6Cap. II: FILOSOFIA ORIENTAL 6UPANISHADS – TECENDO ALGUNS FUNDAMENTOS 10Cap. III: AS TRAGÉDIAS 11INGRESSÕES À TRAGÉDIA COMO CATARSE 11O HERÓI TRÁGICO 12HOMERO E A TRAGÉDIA 12OS POSTULADOS DO TRÁGICO 12ESTOICISMO E TRAGÉDIA 12CRISTIANISMO E TRAGÉDIA 13ORIGINALIDADE DO TEATRO 13OS CONCURSOS TRÁGICOS 13A TRAGÉDIA GREGA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O MUNDO GREGO 14Cap. IV: COSMOLOGIA [FILOSOFIA NATURALISTA] 15OS CINCO ELEMENTOS 15Cap. V: ANTROPOLOGIA [FILOSOFIA DO SER] 16O PENSAMENTO DE SÓCRATES 16O PENSAMENTO DE PLATÃO 18O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES 19CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA ANTIGA 20Cap. VI: FILOSOFIA MEDIEVAL 21SANTO AGOSTINHO E A PATRÍSTICA 21SÃO TOMÁS DE AQUINO E A ESCOLÁSTICA 22FILÓSOFOS ÁRABES: AVICENA E AL-GAZZALI 22CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA CRISTÃ - MEDIEVAL 23Cap. VII: FILOSOFIA MODERNA 23VISÃO PANORÂMICA DO MODO DE PENSAR MODERNO 23INTERPRETAÇÃO MECANICISTA DA REALIDADE NATURAL E SOCIAL 24A RAZÃO NA IDADE MODERNA 26A IDÉIA DE MÉTODO OU DE MATHESIS UNIVERSALIS 26O FILOSOFAR EM DESCARTES 28O PENSAR FILOSÓFICO SEGUNDO LOCKE 29A ILUSTRAÇÃO (ILUMINISMO) E A ATIVIDADE RACIONAL 29A ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO KANT 30A REVOLUÇÃO COPÉRNICA EM METAFÍSICA 32O PENSAMENTO DE HEGEL E O “FIM” DO FILOSOFAR 32CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO MODERNO 33Cap. VIII: FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA 34DE KARL MARX A HEGEL 34ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO NIETZSCHE 35A FILOSOFIA EXISTENCIAL: NOVO PARADIGMA DE CONCEBER E FAZER FILOSOFIA 35FILOSOFIAS EXISTENCIAIS 35CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO 37CONSIDERAÇÕES FINAIS 38BIBLIOGRAFIA PESQUISADA 39
CAP. I: MITOS
AS GRANDES QUESTÕES MITOLÓGICAS
No universo inteiro repousa a combinação de uma centena de átomos, pois as ciências nos ensinam que a vida emerge porque há átomos. Há 3 milhões de anos surgia o homo faber, que fabricava utensílios para a sua sobrevivência. A arqueologia também nos ensina que túmulos antigos remontam a 200 mil anos, época em que o Homem de Neandertal começa a enterrar seus mortos. Há cerca de 100 mil anos atrás surge o homo sapiens, chamado assim porque ele toma consciência de si e alarga sua visão do universo. Nesta época, surge a agricultura e a necessidade do enterro dos mortos a fim de se evitar a voracidade de animais carniceiros, confiar à terra a integridade física do morto por via da afeição. Começa aqui o destino do homem ligado ao “além morte”. A visão religiosa do ser humano se inicia com o culto aos mortos, os funerais. Ela ocorria com o cingimento do corpo do morto com o pó de ocre (argila colorida de amarelo com óxido de ferro), símbolo do recebimento de vida e sangue. Há o sepultamento na posição fetal (para o próximo nascimento), junto com comida para que o morto não morresse de fome em sua viagem (crescimento humano psíquico e biológico). Entretanto, na impossibilidade de canalização do problema biológico e instintivo da morte, o ser humano desvia-se para uma mixórdia de superstições, crenças, ritos e sacrifícios a fim de exorcizar o medo visceral e a angústia psíquica. Logo, o senso religioso se cristaliza primeiro no totem pré-religioso, que encarna a alma da tribo e a torna visível a todos. O Totem encarna a força da tribo, torna-se autoridade e mantém a coesão e unidade da tribo. Do totem surgem deuses.A História de Deus começa com a História das Deusas. Assim, a história nos ensina que há uma memória antiga e inicial: VÊNUS (deusa romana do amor e do sexo), estatuetas dedicadas à fecundidade feminina (evidenciando seios, ventre e vagina), uma deusa-mãe, suprema divindade do mundo celeste. Sua função era a de ser fonte universal da vida, benfeitora natural, protetora do clã e da aldeia, deusa que enviava a chuva fecunda, que fazia as plantas crescerem, as frutas amadurecerem e os animais e homens se multiplicarem. Ela é a origem do mundo invisível dos deuses.Os primitivos valorizavam profundamente a vida, que somente podia ser dada pela mulher, logo, a vida cósmica somente podia sair de uma mulher cósmica, uma deusa-mãe. Entretanto, a sedentarização e a agricultura remodela o espírito matriarcal e implanta o patriarcalismo. A consciência desperta. Para conjurar o medo e o fascínio, o ser humano coloca em forças divinas a fonte dos fenômenos naturais. A grande questão filosófica que temos desta época é se a percepção do mundo leva ao reconhecimento de deus? Ora, Deus precisava ser dominado, domesticado, controlado, A “FORÇA SELVAGEM” precisava ser conhecida por um nome: um deus dominado é um deus conhecido, um deus conhecido é um deus domesticado, um deus domesticado é um deus manipulado por meio de orações e sacrifícios. Logo, todas as forças celestiais e telúricas passaram a ser sinônimas de um deus. Desde então, a crença instalou-se no ser humano, divindades invisíveis se encarnaram em estátuas, máscaras, pinturas, tomaram formas estranhas (Shiva: quatro braços, Hathor: cabeça de vaca, Thor: cabeça de íbis)Surgiram santuários: zigurates da Babilônia (Torre de Babel), Catedrais cristãs, Templos dedicados a Vixnu, Mesquitas, Sinagogas. Esses santuários são reflexos das sociedades humanas, projeções das organizações, das paixões, dos caprichos, dos ciúmes e das ambições dos homens. Logo depois, esses deuses passam a governar a Terra, determinar sua ordem. Surge o Fatalismo, evidenciado no pensamento oriental acerca do senso religioso. Busca-se então resolver o problema do mal: a separação do ser humano de sua origem divina e sua vontade profunda de voltar ao seio de deuses e deusas.Desde então, o ser humano passa a lidar com os fenômenos da natureza e das próprias estruturas humanas a partir do mito. Mas, o que vem a ser um mito? Temos até hoje grandes questões que ainda não conseguimos responder para que nossa existência ganhe de fato significado profundo: quem somos? como foi que chegamos aqui? Para onde vamos? Uma das mais brilhantes formas simbólicas de buscarmos senão a resposta ao menos o alento são os mitos.Quanto ao termo, ele vem da língua grega mythos = palavra, enredo, fala, expressão. Diferentemente de lendas que são histórias populares fantásticas e imaginosas contadas para exaltar certas qualidades ou defeitos humanos, o mito é expressão da percepção que o homem tem das coisas, ou seja, a imposição de estruturas dramáticas ao fluxo e ao caos da natureza. O mito cria ponte entre o desconhecido e o conhecedor. Por isso, possui estrutura simbólica (syn + ballein = projetar em direção do mesmo, união de partes), e estrutura metafórica (meta + pherein = transportar além, através de). Em geral, diz respeito a uma história sagrada; relata acontecimento ocorrido no tempo primordial (in illo tempore), tempo fabuloso do princípio. Narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, a realidade passou a existir. Narra a criação que desvenda a sacralidade ou o sobrenatural manifestado no mundo (Mircea Eliade); é cosmogonia.O mito narra tanto a origem do homem e do mundo como acontecimentos que fizeram o ser humano tornar-se o que ele é hoje: ser mortal, sexuado, organizado em sociedade, obrigado a trabalhar para viver (Mircea Eliade). As sociedades modernas tomam a história como argumento irreversível dos acontecimentos. Diferentemente, as sociedades arcaicas tomam o mito (re-atualizado nos ritos) como história dos acontecimentos. Conhecer mitos é aprender como as coisas vieram a existir. (Mircea Eliade).O mito nos leva até o fundo das reservas psíquicas; enquanto símbolo e imagem tem a função mediadora (James Hollis). Ele ecoa em nós porque apresenta em nosso íntimo aquilo que já contemos em nossa natureza, embora só vagamente possamos identificá-lo pela cognição. Para quem tenta arrumar um deus que funcione sempre a fim de apaziguar o tormento psíquico, lembremos que não só os Imortais são mortais, como também as imagos de deus vêm e vão como as fases da lua, exceto que seus ciclos são milenares. O Mito é a dramatização de valores conscientes e inconscientes de um grupo ou indivíduos. Importa aqui como a pessoa está ligada ou desligada daquilo que introduz significado, movimento e profundidade à vida. Ora, Se um viajante passar por uma de nossas cidades daqui a mil anos, o que pensará de nossos valores, rituais e caráter social?O mito aborda questões teleológicas, o plano da gênese e da escatologia, o alfa e o ômega. Diz respeito a se a pessoa entende como caos, ou um absurdo, o desenrolar de uma lei natural, ou percebe a presença de uma inteligência orientadora e a existência de um plano compreensível por trás do universo. As ilações inserem o indivíduo num contexto de significado. Se a pessoa acha que o universo é absurdo e desprovido de sentido, o fardo do significado recai diretamente sobre os ombros dela. Se o significado não está implícito nas estruturas da natureza e na evolução da história, então é uma incumbência das pessoas tornar suas existências prenhes de significado, através da qualidade de suas escolhas. Jung, no livro Resposta a Jó, sugere que os seres humanos têm papel vital no desenvolvimento moral e na evolução espiritual de Deus.Os elementos simbólicos que encontramos no mito procuravam, e procuram, nos ajudar a estabelecer uma ponte entre a sensibilidade humana e aquelas experiências que se encontram mais além de nossos poderes cognitivos. Nossa modernidade, com suas parafernálias científicas, nos levaram a ter um contato estéril com o mistério. Há também no problema mitológica questões de cunho psicológico. O processo de virmos a nos entender como os seres que somos é a tarefa psicológica do mito. As culturas com imagens míticas vitais dão apoio ao indivíduo para que venha a constituir sua noção de si mesmo, facilitam e orientam a interação social. A cultura que houver perdido seu cerne mítico, ou cujas mitologias sejam muito fragmentadas e diversas, cria pessoas perdidas e assustadas que pulam de culto para culto, de ideologia para ideologia. Podemos afirmar que não há um único mito, que aborde essas quatro questões desafiadoras. Ainda assim, a função do mito é iniciar a pessoa e/ou a cultura nos mistérios dos deuses, da sociedade e de si mesma pois representa a cristalização das experiências básicas da vida, constituídas através de imagens. Arrasta-nos para mais perto das profundezas abissais do amor/ódio, da vida/morte, recinto dos deuses e do mistério, onde fraquejam as categorias do pensamento. É uma maneira de se falar do inefável e encarna a linguagem da alma. Ler mito é uma forma psicoterápica (do grego psyche = alma + therapeuein = ouvir ou atentar a), é ouvir a alma. Diante da remoção das coordenadas míticas, a alma fica à deriva forçando-a a retornar à ferraria da alma ou ao centro afetivo para reconstruções do coração. Diz Matthew Arnold que o mundo moderno está “perambulando entre dois mundos, um morto e outro impotente para nascer”. Martin Heidegger é ainda mais profundo. Para ele, vivemos no tempo “entre os deuses que partiram, e os deuses que ainda não estão”. Nossos antepassados viviam num mundo animista em que a alma estava em todas as coisas. Mas nós assumimos que nossa racionalidade vale mais do que os mitos para apaziguar nossas angústias acerca de questões existenciais profundas. Talvez não haja testemunho mais declarado do colapso da ligação com os mitos do que a morte de Deus, proposta por Nietzsche: “ou Deus está enfermo ou está morto”. Nossa sociedade perdeu o eixo mítico de tal forma que se inventamos mitos, esses são apenas historietas inaceitáveis pela nossa racionalidade. Diferentemente de nós, a mentalidade primitiva não inventa mitos, ela os vivenciava, afirmara o psicólogo Carl Jung. Mais ainda, para ele, se velhos poderes metafísicos estão mortos, se carregamos escuridão como luz, somos obrigados a nos posicionar diante do universo. Ou seja, cada um de nós tornou-se responsável pro sua própria individuação.Ora, não podemos alegar ser possuidores dos poderes que um dia pertenceram aos deuses, sem com isso nos incumbir de seus deveres. Somos o vazio escancarado a ser preenchido de coragem e escolhas, e o frágil fio sobre o qual realizar a travessia por sobre terrores abissais, conclui Nietzsche.
AFIRMAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DE DEUS
FILO: Deus é uma unidade subjacente a todas as coisasPLATÃO: Deus é uma mente universalPLOTINO: Deus é uma unidade transcendenteESPINOZA: Deus é todas as coisas (Deus e natureza somos nós)BERKELEY: As coisas existem nas mãos de Deus. Deus percebe tudo que existeVOLTAIRE: Deus fez o mundo, deu corda, e agora simplesmente deixa o mecanismo funcionar por si mesmoFEUERBACH: Deus é todas as coisas: não pode fazer nada que a natureza não possa fazerNIETZSCHE: Ou Deus está enfermo ou está morto
CAP. II: FILOSOFIA ORIENTAL
O final do século XX e início do século XXI caracterizam-se por uma volta radical ao misticismo. O retorno popular às idéias místicas soa aos acadêmicos e pensadores contemporâneos como um aviso premente de que nossos paradigmas fundados em um pensar não metafísico estão cada vez mais fragmentados e, assim, mais distantes das respostas às questões fundamentais de nossa existência. Certamente, o avanço científico trouxe-nos uma revolução cultural e tecnológica fantástica. Ele obrigou-nos a remodelar nossos pensamentos acerca da origem do universo, resignificar conceitos seculares de Deus, da natureza, do ser, da verdade, da liberdade e do determinismo. O avanço científico também nos lançou a uma realidade única e sem retorno, a de que nosso universo é tão imenso aos nossos olhos que nossa existência parece ser apenas uma fagulha arrancada de um grão de areia que repousa numa praia à costa de um mar sem fim. Incapazes de resignificar nosso papel no mundo devido à descoberta de que não somos o “centro” do universo, estamos mergulhados em uma crise que insiste em reter-nos próximo a um abismo que separa nossa visão científica do universo de nossa visão mística deste mesmo universo. Estaríamos pois aptos a desvendar os mistérios do universo infinito sem recorrer ao mundo místico, ou sem considerar com seriedade fundamentos das religiões telúricas que absorvem a energia do espaço-terra e deificam diversos tipos de animais ou vegetais como representantes autênticos do mistério inatingível do universo? De posse de nossas parafernálias com milhares de gigabytes e o objetivo egóico de conquistar, dominar e explorar, estamos capacitados a desvelar o jogo hilariante da physis sem a necessidade de apreciar a acepção dada pelas religiões celestes aos fenômenos decorrentes do firmamento, que, de posse de um respeitado pensamento filosófico acerca da existência, procuram conduzir a humanidade a uma proximidade e presença harmoniosas cada vez mais latentes junto ao fascinorum universalis? A resposta parece estar sendo dada por um caminho inesperado, a própria ciência. A física mecânica, impotente em responder a questões que despontam para além do universo visionário humano, deixa as rédeas do pensamento sobre o universo físico e passa a condução da charrete à teoria quântica. O princípio da incerteza de Heisemberg gerou dúvidas na visão estática do mundo, onde o universo era visto como um gigantesco sistema mecânico comandado por leis imutáveis. Tal dúvida provocou um repensar sobre o determinismo ôntico . Ora, o desenvolvimento da física quântica levou o nosso século a servir de marco a uma mudança epocal. A “Nova Era” traduz-se como um momento histórico em que culturas e religiões começam a se aproximar na desesperada tentativa humana de superar a fragmentação e a direção náufraga a que a ciência tem conduzido a humanidade. Nossa Era caracteriza-se por uma razão que clama desesperadamente por unidade de sentido para tornar a experiência humana um todo, uma unidade entre mundo, ser humano, e mistério universal. Por causa da busca quase sempre sem respostas, várias pessoas voltaram suas mentes para o mundo oriental, onde a harmonia espiritual com a natureza oferece respostas mais convincentes a essa crise existencial longe de ser superada pelo pensamento científico pós-moderno. Nossa percepção da relação filosófica entre o Ocidente e o Extremo Oriente baseia-se no pensamento de Fritjof Capra que faz uso do misticismo taoista, budista e hinduísta para explicar que todos estamos ligados à realidade física de maneira mística. Esse encontro do mundo ocidental com o pensamento oriental é o objeto de nossa reflexão. Inicialmente, é necessário posicionar na história do pensamento humano a cultura oriental. Com um pensar profundamente filosófico, o Oriente buscou respostas mais profundas às questões fundamentais da vida humana. Entre as várias culturas do Oriente, a que mais desenvolveu o pensamento filosófico foi a indiana, uma das maiores tradições filosóficas da humanidade. A história indiana tem seu marco de efervescência quando o povo ariano invadiu a Índia, a 3.500 anos atrás, escravizou os drávidas e impusera-lhes a cultura brahmácharya, de cunho patriarcal, anti-sensorial e repressor. O povo ariano se caracterizava como guerreiro, místico e patriarcal. A sociedade ariana dividia-se em castas: Brahmanis, os sacerdotes; ksatriyas, os guerreiros e governantes; vaisyas, os camponeses e criadores de gado; os sudras, os escravos ou marginais. Cerca de mil e duzentos anos após a invasão, toda a região da Índia assume a religião védica, cultuada pelos árias. Alberto Brum, entretanto, aponta que o aparecimento das Vedas é um marco na civilização indiana, quando a tradição oral dos sábios da montanha – os rishis – passa a ser escrita. Uma outra curiosidade importante é o significado de Vedas. Derivada da raiz vid, significa conhecer, compreender, visão sábia. No entanto, grande parte dos ensinamentos hindus foram feitos através de um número incontável de contos populares. Dentre esses vários contos, podemos destacar o poema espiritual Bhagãvãd Gitã. Gitã é um diálogo ocorrido entre o deus Krishna e o guerreiro Arjuna, desesperado por se ver obrigado a combater seus próprios parentes numa guerra familiar. Disfarçado de cocheiro de Arjuna, Krishna conduz o carro de guerra pelo meio dos dois exércitos e, durante a batalha, revela a Arjuna as verdades do Hinduísmo. Enquanto Krishna vai tecendo seu pensar, o cenário da guerra vai ganhando novo floreio, transformando a batalha de Arjuna numa batalha espiritual da natureza humana. Para entender a filosofia indiana, é necessário considerar que o centro do pensamento indiano não está na adoração do Divino, mas no sacrifício como superação do sofrimento humano. A partir dos Vedas, os hinduístas desenvolveram a idéia do mocsa, ou libertação do sofrimento, chamado pelos budistas de nirvana. Entre os princípios do pensar da Índia estão a existência do “Um” ou Brahman, entendida como a realidade última; o Atman, manifestação real de Brahman; o Dharma, ou a lei universal; o karman, a ação que implicará na reação; o maya, o véu que encobre a natureza divina; a rta, denominada de ordem cósmica. Entretanto, o pensamento indiano não era a priori caracterizado pelo sacrifício, mas antes de tudo, era um pensar otimista e humanista, pois a prática de sacrifícios visava justamente a superação do drama do sofrimento. Essa filosofia perdurou até meados do século VI a.C. Nesse período, surge a filosofia Yôga e os Upanishads, que expandem suas doutrinas na Índia e desenvolvem uma visão pessimista da vida. Os Yogi, para solucionar o problema da vida, assumem uma visão ascética e metempsicótica da vida. Os Upanishads assumem o conhecer como superação ao drama do sofrimento humano.A metempsicose indiana traz para o cenário oriental dois conceitos fundamentais, o de samsâra, onde a realidade é vista como um evoluir fenomênico; e o karman , onde o devir fenomênico é tido como uma lei de causa e efeito. Ela é uma lei mecânica, e não propriamente espiritual ou moral. Não possui vínculo reencarnacionista ou teísta. Karman é na verdade um mecanismo da própria natureza. É uma energia potencial que conecta nossas ações às possibilidades do destino futuro. Ora, na nova visão indiana nascida com a influência yôga, o sofrimento passa a desempenhar uma função fundamental. A existência humana é vista como algo repleto de dramas provocados pelo sofrimento, que pode ser superado e transcendido pelo ser humano, chegando a um estado absoluto de paz e de felicidade. Entretanto, para superar esse sofrimento e as preocupações inerentes ao mundo experiencial, o pensamento indiano assume a filosofia de que conhecimento, meditação e yôga são meios fundamentais. O pensamento indiano é comumente classificado em três períodos filosóficos, o bramânico, o heterodoxo e o ortodoxo. Devido ao ataque intelectual e espiritual à tradição védica pelos sofistas, materialistas e yogis, o pensamento indiano vê-se obrigado a desenvolver novas formas de ação. Essas novas formas são assumidas pelos Aranyakas e pelos Upanishads. Neste último, o esoterismo passa a ser fundamento essencial. Upanishads significa doutrina sagrada. Eles pregam a gnose como meio basilar de libertação e não os ritos. A doutrina Upanishad une ao Brahman – a essência do mundo, o princípio supremo e absoluto – um novo conceito, o Atman – a essência do ser humano e das coisas, a alma ou o espírito das coisas e dos homens. O atman se completa em Brahman. Neste sentido, a manifestação corpórea de Brahman se dá no atman que torna a essência do mundo uma realidade sensorial e imperfeita. Logo, viver passa a ser um drama da experiência humana porque imperfeita. O medo da morte é superado pelo medo da vida, o medo de continuar a viver numa outra vida. Nos Upanishads, o karman passa ser visto não como um ato benéfico, mas como uma atividade que gera existência e, por isso, maléfica; visto que toda ação concorre contra a felicidade do ser humano. Esse pensar sobre a vida provoca uma busca desenfreada por sistemas espirituais que ajudam o ser humano a se tornar inato pela via da renúncia e ascese; e, mais especialmente nos Upanishads, pela via do conhecimento. A inação seria pois a via única capaz de levar o ser humano a libertar-se da vida cheia de sofrimento. A libertação da ignorância acontece quando Brahman e Atman transformam em uma coisa só, em essência. O Atman é, na verdade, o espírito revelado no ser humano e nas coisas que, ao atingir o absoluto, o nirvana, torna-se novamente Uno. Esse pensar dos Upanishads parece-nos oferecer uma resposta metafísica ao problema da realidade una. Neste ínterim, surgem os sistemas heterodoxos, aqueles que não compartilham da tradição védica e, por isso, não reconhecem o livro dos Vedas como sagrado. Os sistemas heterodoxos mais conhecidos são o Jainismo e o Budismo. É importante considerar que Jainismo e Budismo são ambos ateus. Jaina Vardhamâna e Sidharta Galtama não são deuses, mas guias. Iremos tecer um rápido comentário sobre o Budismo. O Budismo se inicia com Buda. A palavra Buda pode ser traduzida como o que está acordado (para a realidade). Assim, o Buda-Dharma é o nome mais apropriado ao sistema que preservou os ensinamentos de seu fundador. Este título foi dado a Siddharta Gautama, nascido em Lumbini, aos pés do Himalaia, no que hoje chamamos de Nepal (antiga Índia). Historiadores datam o nascimento de Buda, no ano de 563 antes da Era atual. Filho de uma família nobre da casta ksatrya, Siddharta teve uma infância cheia de prazeres. Sua infância foi severamente mudada quando entendeu fatos básicos da vida: enfermidade, velhice e morte. Logo decidiu deixar sua vida comum para seguir o caminho do Homem Santo, seguido por homens e mulheres desiludidos com a vida e, em busca de respostas à existência. Teve vários mestres e praticou severa austeridade que quase o levou à morte. Depois de um longo tempo decidiu deixá-la, ao perceber que por meio dela não chegaria à meta que buscava: a Iluminação. Mais tarde, direcionou seus esforços ao coração de sua própria experiência e sob uma árvore, conhecida como bodhi, fez o voto de não deter-se: ainda que a carne se acabe, ainda que o sangue seque, eu não me levantarei deste lugar até conseguir a Perfeita Iluminação. Após 40 dias e noites, Siddharta alcançou, ao compreender e superar a existência, suas causas e as condições que a formam, a Iluminação. Os budistas vêem nesse estado que ele alcançou uma experiência que vai além de qualquer condicionamento psicológico, perceptual, ou baseado em enfoques humanos. Um estado no qual vê-se a causa e o desenvolvimento da insatisfação da vida, em que se pode ver como os padrões da vida e das coisas se formam. Este estado de Iluminação é um estado de perfeita sabedoria e profunda compaixão.Nos 45 anos seguintes de sua vida, Buda ensinou a outros a forma de se chegar a esta transcendência das coisas. Ele passou a viajar pelas aldeias, comunicando e ajudando outros a chegar a esse mesmo objetivo. Ao longo deste tempo, várias outras pessoas alcançaram a Iluminação, estes ensinaram a outras pessoas o caminho para a Iluminação, constituindo-se uma cadeia ininterrupta de ensinamentos e métodos que levam ao desenvolvimento espiritual. Buda sintetiza sua doutrina nas quatro santas verdades: a vida é um sofrimento, a causa do sofrimento é o desejo, é fundamental suprimir o desejo para libertar-se do sofrimento, para suprimir o desejo é preciso praticar a óctupla via da libertação. Realizar essas santas verdades significa atingir a libertação final, a felicidade plena, o nirvana. O caminho óctuplo é composto, como o próprio termo revela, por oito etapas, a saber: a reta compreensão, o reto pensamento, o reto falar, a reta ação, o reto meio de vida, a reta energia (entusiasmo), a reta atenção e a reta contemplação. Nos sistemas hortodoxos, seis correntes filosóficas são fundamentais: o Mimâmsa, Vedânta, Yôga, Sâmkhya, Vaiceshika, Nyâya. Desses sistemas que assumem pensamento védico-bramânico, destacaremos o Yôga. O que vem a ser Yôga? Uma ginástica? Uma religião? Ora, para iniciarmos nossa reflexão sobre o Yôga vamos recorrer a um pequeno mito. Conta a lenda que um famoso bailarino improvisou alguns movimentos instintivos bastante sofisticados, inspiradas em uma dança. De uma beleza singular e técnica fantástica, a dança empolgava e emocionava as pessoas que assistiam a performance. Tais pessoas então pediram que o bailarino lhes ensinasse sua arte, o que ele prontamente aceitou. No início, a dança era algo espontâneo, interior e profundamente sensível. Após a morte do bailarino, sua dança se espalhou pelo mudo afora. Os discípulos mais leais preservaram-na e assumiram a missão de retransmiti-la. Em um determinado momento na História, a dança ganhou o nome de integridade, integração, união, esforço: em sânscrito, Yôga! Seu fundador entrou para a mitologia com o nome de Shiva e com o título de Natarája, Rei dos Bailarinos.Esses fatos ocorreram há mais de 5.000 anos a Noroeste da Índia, no Vale do Indo, que era habitado pelo povo drávida. Desde então a Yôga se expandiu pela Índia e pelo Ocidente. Alberto Brum nos lembra que a grande meta do Yoga é obter estabilidade interior, cessar o constante movimento das oscilações do pensamento – as inquietações – o pensar sem parar, o excesso de racionalismo. A Yoga visa transmudar esse processo, chegando a uma serenidade, tranqüilidade. Ora, o pensamento indiano tem contribuído decisivamente para a revolução pensamento físico ocidental, e para a restruturação espiritual do ser humano pós-moderno. A visão de um mundo nascida das tradições orientais são componentes inseparáveis da teoria quântica, resignificando conceitos científicos, fazendo-o elevar-se até uma linguagem de cunho transcendente e metafísico. Por esta razão, estamos de volta com um problema que data dos pré-socráticos, em especial Parmênides: o ser. O pensamento pós-moderno está configurando um novo conceito, para incluir nas categorias filosóficas o pensamento oriental interconectado ao pensamento físico quântico. Estamos na Era do Ser Quântico. Neste novo pensar, a natureza humana e a consciência quântica surgem como uma revolução capaz de dar nova visão relacional entre corpo e mente, mas não uma novidade para a filosofia oriental que nunca pensaram o homem de maneira dualista. Alertados pela tradição oriental, assumimos ser co-autores do universo. Não há mais espaço para uma concepção isolacionista do ser humano. Urge uma visão integracional de todos os seres. Estamos inseridos numa enorme teia de relações entre partes diversas de um todo unificado. Não há partes isoladas no universo, mas um todo dividido em partes necessariamente relacional. Essa visão remonta a relação Brahman-Atman, e o processo de superação do karma via busca do nirvana. Neste caso, a felicidade absoluta exige uma relação integral, metafísica e profundamente harmoniosa entre as manifestações ônticas do ser. Finalmente, o pensamento oriental abriu-nos as portas para uma visão mística da realidade, pois a partir do universo quântico a probabilidade de experimentar nossa inter-relação junto à realidade, fazendo fluir a energia em nós em contato harmonioso com a energia fluente na própria natureza, passou a ser não mais uma busca do conhecimento, senão uma necessidade da própria existência humana.
UPANISHADS – TECENDO ALGUNS FUNDAMENTOS Devido a diversos acontecimentos agressivos e geradores de desvios disciplinares, o Brahmanismo se viu obrigado a recorrer aos Aranyakas e aos Upanishads. No século VI a.C., sofistas, materialistas e Yogins despontaram no horizonte bramânico como uma pedra encravada no “calcanhar de Aquiles”. Esses indisciplinados travaram com os Brâmanes ataques sistemáticos de cunho cético, relativista e imoral, demolindo a tradição e o conhecimento do Brahmanismo. A recorrência dos pensadores bramânicos aos textos antigos Aranyakas e Upanishads constituiu-se numa busca de superação desses ataques demolidores. Ora, os textos Aranyakas serviram como instrução espiritual e meditação dos Brâmanes, em especial, dos eremitas que refugiavam-se nas selvas em busca da radicalização ascética. Nos Upanishads, tal radicalização fica ainda mais acentuada devido ao caráter de sacralização da ascese, tal como o próprio nome revela em sua terminologia: Upanishad, ou revelação sagrada. A característica ascética nos Upanishads, entretanto, não está centrada nos ritos mas na gnose, ou seja, no conhecimento. A gnose Upanishad tem alguns princípios a partir dos quais é tecida a visão universal. Ora, o ser humano é consciente de si mesmo, é se percebe como um ser incompleto. A incompletude humana é rejeitada pelo ser humano que faz uso incondicional de seus desejos ilusórios e sensoriais na desesperada tentativa de tornar-se um ser à vontade em relação ao universo, ou seja, um ser feliz. Tal desejo não é algo adquiro. Nós nascemos sob o signo do desejo de felicidade. Queremos de qualquer maneira ser felizes eternamente, e apenas temporariamente. Mas, a condição fundamental para alcançarmos felicidade plena não é a via da satisfação ilusória e concreta de nossos desejos. Mas, muitas vezes somos enganados por nossos sentidos e por nossa limitada maneira de apreender a realidade. Daí, não conseguimos transcender tal realidade e buscar melhores soluções para os dramas de nossas vidas. Os objetos de nossos desejos são tão frágeis, surgem do nada e morrem no nada sem preencher nossa vontade de satisfação eterna. Não há, por isso, outro caminho exceto aquele de um pensamento claro e maduro para perceber nas entrelinhas da realidade a verdade eterna. Escritos ao final de cada um dos quatro Vedas, antigos livros hindus de conhecimento, os Upanishads contêm essa busca gnosiológica de felicidade eterna. Ora, buscar a felicidade eterna significa conhecer um caminho para a verdade, conhecer o ser. O conhecimento do ser e da verdade é na essência a promoção da identidade entre indivíduo e o ser ilimitado. Não se trata de dizer você se tornará Aquilo (mais tarde), pois o ser humano já é identidade com o permanente. Entretanto, devido à corrupção dos sentidos, que nos faz encantados com nossas ilusões, não conseguimos ver essa identidade, sendo necessário reconstruir racionalmente nossa identidade a partir da frase você é Aquilo. Isto implica em dizer que não precisamos de ação mas de conhecimento. O conhecimento é o instrumento principal para a salvação eterna, para a libertação do ser humano de sua estrutura empírica. Ele nos faz romper com a ilusão do mundo e nos faz atingir com segurança e retidão a permanente realidade do Brahman.Assim, podemos afirmar que um dos pontos basilares da doutrina Upanishad está na apreensão gnosiológica da relação Brahman-Atman. Conforme a mitologia indiana, Brahman surgiu de um lótus, saído do umbigo de Vishnu e com ele também a criação. A consorte de Brahman, Sarasvati, é o Conhecimento, que surge somente a partir dele. Essa união entre Brahman e Sarasvati gera toda a toda a criação. Ora, Brahman é o princípio supremo, o ilimitado, o infinito, o inacessível ao pensamento, o metafísico, a fonte unificadora, o absoluto, a presença eterna, a verdadeira natureza da criação, a origem e substância de tudo, o todo unificado que se expande na forma física do universo. Logo, o universo é a clarividente e fantástica expansão de Brahman. Nas entranhas do Universo encontra-se Atman, a manifestação de Brahman na alma humana, permeando o corpo físico individual. Entretanto, tal presença eterna, porque é o Brahman em si manifestado, não é capaz de agir. Entretanto, toda ação real, concreta, física só ocorre porque existe Atman, o próprio agir em si do corpo. A essência humana e das coisas e existentes no universo é o Atman. Atman é a parte mínima do universo, ou o universo em nós, o Espírito Universal presente no coração do homem. Entretanto, a visão Upanishad da natureza não é dualista, mas monista: o ser humano e as coisas existentes se fazem um só em Brahman. Essa concepção da natureza, do universo e do Espírito Supremo é a chave fundamental para entendermos a filosofia bramânica a partir dos Upanishads. A visão do todo no Uno pode ser dita como isto tu és, tu és intimamente o Brahman; o teu Atman é o Brahman, porque o Brahman é o Atman. A identidade entre a essência humana e o Uno é a característica central da filosofia dos Upanishads. A percepção do mundo nascida dessa filosofia aponta que ele é o espaço decadente da realidade Brahman-Atman; o espaço que demole a unidade Universal em Brahman pois é apenas ilusão personalizada em realidades essencialmente empíricas. Superar pois essas realidades deve ser uma meta necessária do ser humano. O instrumento a ser usado é o conhecimento. Em sua busca pela realização plena e superação do sofrimento, o ser humano usa o conhecimento que o faz perceber a vanidade do mundo escravizando-o em sua visão individualista e dualista, e prendendo-o em seu karman. Essa prisão sem fim ao ciclo da vida, morte e renascimento é denominado de Samsara – do radical sânscrito samsr, circular, passar por diversos estados. Nos textos Upanishads, Samsara como sendo uma prisão cíclica do ser humano a seus gostos, fazendo-o agir de maneira ignorante de sua verdadeira natureza. O ser que não se libertar de Samsara, acabará acumulando em cada ciclo vital uma série de karman, exigindo dele mais nascimentos a fim de que ele alcance os meios para sua libertação definitiva. Tal alcance é caracterizado como um conhecer a natureza universal e humana. Essa percepção gnosiológica transforma-se em espada flamejante que corta abrasivamente a raiz do conhecimento errôneo e leva-o a um estágio elevado de unidade com Brahman, atingindo assim o nirvana, a quietude absoluta.
CAP. III: AS TRAGÉDIAS
INGRESSÕES À TRAGÉDIA GREGA
Comumente, entre nós, modernos, a palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redunda num horrível assassinato. Para os gregos, porém, tragikós era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que ocorria apenas entre os grandes. Em Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria "uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos."
A TRAGÉDIA COMO CATARSE
Aristóteles não preocupou-se em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem concentrou-se nos aspectos técnicos do espetáculo mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.
O HERÓI TRÁGICO
O centro do espetáculo teatral gira em torno do destino infeliz do herói, tema comum a maior parte das narrativas e das sagas antigas. Nelas ele é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. Um acontecimento sensacional, terrível, sufoca as suas alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras. Assim é que Édipo é rei de Tebas, onde casou com a rainha viúva e com a qual teve quatro belos filhos (dois varões e duas moças), quando tudo deu para desabar ao seu redor. Em outra peça, Agamemnon, o rei de Micenas, ao retornar para casa vitorioso depois de ter pilhado Tróia, sucumbe pelo golpe assassino de Cliptemnestra, sua mulher, e do amante dela. Prometeu, o titã que trouxe do Olimpo o fogo dos céus para os homens, banido, termina preso e encadeado no alto das montanhas do Cáucaso.
HOMERO E A TRAGÉDIA
Os poemas de Homero, tanto a Ilíada (do grego Illion, que é a cidade de Tróia) como a Odisséia (do grego Odisseus, nome grego de Ulisses) oferecem vários desses momentos de infelicidade pelos quais os grandes passam: o desespero de Aquiles quando perde o seu amigo Pátroclo num combate; o encontro de Ulisses com Aquiles na morada dos mortos; a desgraça de Heitor, o bravo guerreiro morto num duelo pela defesa da sua cidade; a humilhação de Príamo, o velho rei de Tróia, que é obrigado a suplicar a Aquiles pela devolução do corpo do filho. O objetivo do poeta porém não é exatamente o mesmo do autor dramático. Esses episódios da "Ilíada" e "Odisséia" fazem parte da narrativa geral cuja intenção é enaltecer a bravura e os feitos dos combatentes e não provocar a compaixão ou qualquer outro sentimento piedoso nos leitores ou ouvintes. Segundo Albin Lesky "a epopéia homérica é para a objetivação do trágico na obra de arte somente um prelúdio." Objetivar o trágico significa colocar humanidade em ações que antes eram pensadas apenas como ação dos deuses.
OS POSTULADOS DO TRÁGICO
Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiro lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. É pois, um estóico. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda, transmitindo a idéia da caída de um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, um marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói.
ESTOICISMO E TRAGÉDIA
A tragédia também tornou-se uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O sábio estóico Sêneca (4 A.C.- 65) serviu-se de peças com urdidura trágica como uma admoestação e advertência para mostrar o desespero que acomete aqueles que se deixam guiar por elas ao não saberem impor limites aos ardores do coração, submetendo-o aos poderes da lógica (esta, comumente, foi a interpretação da tragédia que chegou a nós no Ocidente com força bem maior do que aqueles que os grandes autores dramáticos da Ática lhe davam).
CRISTIANISMO E TRAGÉDIA
Para alguns autores cristãos a tragédia é um gênero que pertence exclusivamente ao mundo pagão. O cristianismo teria banido a tragédia por que ela simplesmente não se enquadra na idéia da alma pecadora que atinge sua redenção por uma graça de Deus, pois não há salvação nem perdão para o herói trágico. Ela, a tragédia, só seria possível na cultura pré-cristã que desconhecia os princípios do arrependimento e da absolvição, ou o gesto inesperado e miraculoso da graça divina (o artifício do Theos ex machiné, largamente utilizado por Eurípides, foi interpretado por muitos como um recurso teatral, não pertinente à essência da concepção grega da tragédia). Pode-se até conjeturar ter sido a própria vida de Cristo uma tragédia definitiva, uma catástrofe moral de tamanha dimensão que superou todos os possíveis dramas, não deixando espaço emocional para que nada mais pudesse emparelhar-se ao sofrimento do Salvador. A representação popular da paixão e do martírio de Jesus, que até hoje é encenada nos autos religiosos, inibiu para sempre a dramaturgia cristã.
ORIGINALIDADE DO TEATRO
Sabemos que os poetas da Grécia Antiga exploraram outros gêneros, tais como o drama satírico e a comédia, mas nenhum deles teve a transcendência alcançada pela tragédia, fazendo com que o espetáculo trágico fosse o que mais profundamente se enraizou na tradição cultural moderna. Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pela mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.
OS CONCURSOS TRÁGICOS
As encenações trágicas, tais como as conhecemos, tiveram início com a institucionalização da chamada Dyonissia, os "Concursos Trágicos", no governo do tirano ateniense Pisístrato (cerca 536-534 a.C.). Famoso por ter sido "hábil e bonacheirão", o autocrata rapidamente compreendeu a potencialidade política do Teatro, dele lançando mão para popularizar o seu regime. Sólon (668-559 a.C.), o mais famoso legislador ateniense, ao dar-se conta disso, certa vez abandonou em pleno andamento, uma representação que assistia em protesto contra a manipulação política das artes. O velho sábio, desiludido, retirou-se do teatro sentindo-se vencido. Naquela época a encenação teatral ainda dava seus primeiros passos e seu apogeu só se deu no século seguinte, no século V a.C., ao surgir a trindade dos soberbos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. O ciclo da tragédia só encerrou-se quando, à época de Aristóteles, no século IV a.C., o jovem teatrólogo Agaton compôs peças cujos elementos não se inspiram mais na tradição, e sim resultam da sua própria criação. O período abarca mais ou menos uns cento e cinqüenta anos, mas o seu apogeu concentrou-se do início das guerras persas (490-480 a.C.) até encerrar-se com a morte de Eurípedes em 406 a.C. (dois anos antes da capitulação de Atenas perante Esparta), isto é uns 70 ou 80 anos. Literariamente seus marcos seriam a primeira apresentação de "Os Persas" de Ésquilo, que se supõe tenham ocorrido em 472 a.C., e as "As Troianas" de Eurípedes em 415 a.C.
A organização das dionisíacasMês Denominação da festaDezembro A Pequena DionisíacaJaneiro A LaneaFevereiro AnthesteriaMarço A Grande Dionisíaca, celebrada após a procissão das Panatenéias, que duravam seis dias
Em cada uma delas, concorriam apenas três poetas, escolhidos pelo Honorável Arconte, o patriarca da cidade. A inscrição era voluntária, cabendo ao autor apresentar três tragédias e um drama satírico, - uma tetralogia. Cabia ao Estado a premiação dos poetas e a manutenção, durante a temporada, do sustento dos hypocrites (os atores). Os integrantes do coro por sua vez eram mantidos por patrocinadores privados, em geral atenienses ricos que procuravam ganhar o respeito da sociedade e o reconhecimento público com a prática do mecenato. Feita a escolha dos três autores, o nome deles era submetido a uma votação por uma comissão de 500 juízes (50 de cada um dos demos da cidade) que colocavam o nome do seu preferido escrito numa pequena esfera que, depois, era depositada numa das dez urnas existentes no Pártenon. A obra daquele que foi indicado começa a ser representada a partir do horário matutino, sendo que as dos outros preencherão os dias restantes até que o festival se encerrasse. O poeta escolhido tinha o seu nome anunciado pelo heraldo e, em seguida, ele era coroado pelo Honorável Arconte com uma coroa de hera, a planta sagrada de Dionísio.
A TRAGÉDIA GREGA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O MUNDO GREGO
A tragédia grega nasceu do culto ao deus Dionísio. Diz o mito que de Zeus e Perséfone nasceu Zagreu, o primeiro Dionísio. Este era o preferido do pai dos deuses e dos homens, estava destinado a sucedê-lo no governo do mundo. Zeus tentou protege-lo dos ciúmes de sua esposa Hera, confiando seus cuidados a Apolo e aos Curetes que o criaram nas florestas do monte Parnaso. Após descobrir o paradeiro do jovem deus, Hera mandou os Titãs darem um fim em Dionísio. O jovem deus tentou várias metamorfoses para escapar dos Titãs, mas seus esforços foram em vão. Os Titãs o encontraram na forma de um touro e o devoraram. Palas Atená conseguiu salvar o coração ainda palpitante de Dionísio. Zeus mais uma vez se apaixonou por uma mortal, a princesa tebana Sêmele (daí o termo sêmen). Esta engoliu o coração do primeiro Dionísio, ficando grávida do segundo Dionísio. Há uma outra versão do mito que diz que foi Zeus que engoliu o coração do filho antes de fecundar Sêmele.O segundo Dionísio não teve um nascimento normal. Ao saber dos amores de Zeus e Sêmele, Hera resolveu eliminá-la se disfarçado de ama da princesa tebana e aconselhando-a a pedir ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor. Zeus advertiu Sêmele que tal pedido poderia ser fatal, mas como havia jurado satisfazer todos os seus desejos, se apresentou com todo o seu esplendor, com seus raios e trovões. O palácio da princesa se incendiou e esta morreu carbonizada. Zeus recolheu do ventre da amante o fruto inacabado de sua paixão, e colocou-o em sua coxa até que completasse a gestação normal. Ao nascer, Zeus confiou os cuidados do segundo Dionísio às Ninfas e Sátiros do monte Nisa. Lá ele viveu em uma gruta cercada de uma frondosa vegetação, onde nas paredes cresciam belas parreira recheadas de uvas. Certa vez, Dionísio recolheu alguns cachos destas uvas e os espremeu em taças de ouro, bebendo seu suco acompanhado por sua corte. O vinho acabava de nascer. Todos beberam repetidas vezes o novo néctar, Sátiros, Ninfas e o próprio Dionísio, começaram a dançar vertiginosamente ao som dos Címbalos. Embriagados com o delírio báquico, todos caíram ao chão semidesfalecidos. Em homenagem a Dionísio e a criação do vinho, todo ano em Atenas e por toda a Ática se realizava a festa do vinho novo. Nesta festa, os participantes faziam como os companheiros de Baco (outro conhecido nome de Dionísio), se embriagavam e começavam a dançar e cantar freneticamente até cair desfalecidos. Os adeptos do deus do vinho se disfarçavam de Sátiros, figuras conhecidas pelo imaginário popular como "homens-bodes". Teria nascido assim o vocábulo tragédia (trágos = bode + óide = canto, que no latim resultava em tragoedia e em nossa língua acabou se tornando tragédia). Uma outra versão diz que a palavra tragédia surgiu porque durante o início das festividades se sacrificava um bode a Dionísio, o bode sagrado que era o próprio deus. Diz o mito que em uma das suas últimas metamorfoses para fugir dos Titãs, Baco teria se transformado em um bode. Devorado pelos Titãs, o deus ressuscitava na figura de "trágos theios", ou seja, de um bode divino que deveria ser sacrificado para a purificação da polis (algo parecido com a história de Jesus Cristo, o cordeiro imolado para a purificação dos humanos).Na Grécia, os devotos de Dionísio, após a já falada dança vertiginosa, caíam desfalecidos. Neste estado acreditavam sair de si pelo processo do "ékstasis", êxtase. Este sair de si era considerado uma superação da condição humana, era o mergulho em Dionísio e o mergulho de Dionísio em seu adorador através do processo de "enthusiasmós", entusiasmo (em + theos, tornar-se deus). O homem, simples mortal em êxtase e entusiasmo, unido ao divino e à imortalidade, tornava-se um "anér", ou seja, um herói. Este ultrapassava o "métron" (os limites, a medida), sendo um "hypocrités", isto é, aquele que responde em êxtase e entusiasmo, este é o ator cuja a finalidade estando fora de si é representar um outro. Esta vontade de contemplação da imortalidade e do triunfo divino representado por mitos que morrem e ressuscitam, como no caso de Dionísio era uma necessidade popular, mas chocava-se violentamente com a religião oficial e aristocrática da pólis. Nesta religião, os deuses estavam sempre atentos para esmagar qualquer "démesure" (desmedida) dos pobres mortais que aspirassem a imortalidade. Tanto os deuses quanto o Estado se sentiam ameaçados, pois os processos de êxtase e entusiasmo liberavam certas atitudes contrárias a ordem ética, política e social. Por este motivo era muito comum encontrar na Grécia antiga tantos avisos de moderação, como por exemplo: "gnôthi sautón" (conhece-te a ti mesmo), "medèn ágan" (nada em excesso). Sendo esta ultrapassagem do métron pelo hypocrités uma "démesure", ou seja, uma violência feita a si próprio e aos deuses imortais que provoca o "némesis", o ciúme divino; o ator, o herói é punido pelos deuses com a "até", cegueira da razão. Tudo o que o hypocrités fizer estará fazendo contra si próprio (como o que acontece a Édipo, por exemplo). O Estado Grego se apoderou da tragédia e a tornou uma parte da religião e política da pólis justamente para desmitificar estes rituais ao deus Baco. O Estado colocou a tragédia dentro dele, fazendo com que ela se tornasse uma parte dele, automaticamente a neutralizando. A tragédia deixou de ser uma démesure e se tornou um instrumento de manutenção da memória grega incorporada ao Estado e à religião aristocrática.A memória para os gregos era uma coisa muito importante que deveria ser preservada a qualquer custo, ela representava não só o passado, mas o presente e o futuro. Na Grécia antiga, era a tradição que decidia sobre o destino de tudo e de todos, ela era a totalidade, e todos os assuntos se resumiam a ela. A poesia recheada de deuses, semi-deuses e heróis era a verdade, era a tradição que deveria ser mantida. A memória, para os gregos, é a lembrança da verdade velada, o poeta é aquele que faz aparecer tudo aquilo que estava escondido, ele é o "dono da verdade". A arte controlava a sociedade, pois ela era a responsável pela preservação da memória.
CAP. IV: COSMOLOGIA [FILOSOFIA NATURALISTA]
OS CINCO ELEMENTOS
Muita gente ainda não percebeu a importância da natureza na vida das pessoas. Então vejamos um fato importante. O ano meteorológico divide-se em quatro estações muito bem definidas, a saber: o verão, o outono, o inverno e a primavera. Você deve estar se perguntando: que tem a ver as quatro estações com aulas de filosofia ? Então, continuemos. Cada uma das quatro estações revela a força de um dos quatro elementos filosóficos fundamentais da vida, que são a água, a terra, o fogo e o ar. Há dois mil e quinhentos anos atrás as reflexões dos filósofos gregos chamados de naturalistas resultaram em princípios e leis que hoje são fundamentais para o desenvolvimento das ciências, tais como a Física, a Biologia, e até a Matemática. Tudo começou com Tales (624-546 a.C.), em Mileto. Em sua época, a preocupação maior era entender a realidade, o mundo (o cosmos) em sua totalidade, pois para os filósofos da época, o mundo todo existia a partir de uma substância única e ativa. Costuma-se chamar esta fase do pensamento grego de cosmológica. Tales era astrônomo e geômetra, além de filósofo. Através de seus conhecimentos ele procurou a arque [ARCHÉ], palavra que significa ao mesmo tempo a origem, a direção e o princípio organizador que permanece por trás de tudo na natureza. Para ele, a arqué é a água. Ele dizia que a Terra era apenas um disco boiando sobre as águas, no oceano. Ora, a água é a base fundamental de uma das estações do ano de nome Inverno. Sua predominância e força de seu movimento são realmente vistas no inverno. Nesta estação, a ocorrência de chuvas constantes e diárias demonstra a importância da água para a vida humana. As chuvas são importantes para a lavoura, para os animais e para os seres humanos. A água pura não tem cor, cheiro ou sabor. Dela produzimos energia. Entretanto, um outro filósofo também de Mileto, de nome Anaxímenes, e que viveu de 610 a 547 a.C., pensou em uma outra arqué (ou substância única) que origina o mundo. Ele disse que o Ar seria a base fundamental da natureza. Para ele, o ar era ilimitado e permanecia num movimento incessante. Anaxímenes imagina a Terra como um disco suspenso no ar. De fato, o ar é importante para nós, especialmente quando estamos numa estação do ano chamada de Outono. No outono, o ar se mostra com maior intensidade através dos ventos que derrubam folhas ao chão e ressecam as plantas, além da pele humana. O ar, que em seu estado puro também não tem cor, cheiro ou sabor. Dele extraímos o oxigênio, o gás carbônico e o nitrogênio. Dele também produzimos energia. No entanto, um outro filósofo da cidade de Éfeso chamado de Heráclito, e que viveu de 601 a 510 a.C., pensou que o elemento primordial estaria num contínuo vir-a-ser, ou seja, seria um elemento em contínua transformação. Para ele, o elemento da natureza com tais características é o Fogo. De fato, o fogo é importante para nós. Ele é a base fundamental de uma das estações do ano, chamada de Verão. No verão, percebemos o quanto as coisas podem ser destruídas pelo fogo, esse eterno movimento. O fogo é a queima de calor térmico. Sua importância pode ser vista diariamente no sol que nos ilumina, na energia que chega até nós e nos alimentos que necessitam de cozimento. Mas, nossa reflexão ainda não pára por aí. O filósofo Empédocles, da cidade grega de Agigrenta, e que viveu entre 492 e 432 a.C., afirma que a existência do cosmos depende da água, do fogo e do ar. No entanto, acrescenta um quarto elemento chamado Terra, realidade suspensa no ar. A Terra é sinônimo de fertilidade e vida. Ela mostra sua força no período da Primavera, quando vemos o renascer da natureza. Desde alimentos até nossas moradias, a Terra é vida para nós. Quando pensavam que haviam chegado aos elementos primordiais da natureza, surge o grande filósofo Demócrito, natural de Abdera da Trácia (460-370 a.C.), que seguindo o pensamento dos quatro elementos, afirmava que o universo era uma infinidade de corpúsculos simples e homogêneos (os átomos), iguais pela qualidade, desiguais por grandeza, forma e posição. Estes átomos estão no espaço vazio, onde se movem por causa do diverso tamanho e, por conseguinte, por causa da diversa gravidade do átomo. Os átomos mais pesados caem, movem-se eternamente no espaço infinito mais rapidamente do que os menos pesados. Estes, portanto, entrando em choque com aqueles são arrastados em movimentos e, desse movimento e choque, origina-se a variedade de coisas. Agora, você percebeu como os filósofos nos ajudaram a perceber a importância da natureza: terra, água, fogo e ar, pela combinação entre elementos esféricos iguais, também chamados de Átomos. Então cuide para que o nosso planeta tenha sempre uma perfeita harmonia desses elementos.
CAP. V: ANTROPOLOGIA [FILOSOFIA DO SER]
O PENSAMENTO DE SÓCRATES
Sócrates é uma personalidade fundamental para a filosofia. Uma maneira de percebermos sua importância talvez esteja num episódio ao final de sua vida. No momento em que Sócrates estava prestes a morrer, e ele sabia da hora chegada, aquela em que sua alma entraria para a eternidade e com isto para o contato com a verdade absoluta, ele admite que a vida é um erro e convida os seus amigos a o seguirem em seu envenenamento. Ele percebera os limites que o corpo infligia contra o acesso à verdade e à imortalidade da alma. Finalmente a proximidade da morte parece lhe colocar cara-a-cara com a possibilidade da verdade. Assim, seu corpo, um obstáculo à essa busca já não faz sentido algum. Sócrates, na fronteira da morte, via-se ansioso por encontrar-se no Hades, na morada dos mortos, com ilustres pensadores ou com deuses que finalmente poderiam decifrar os códigos da verdade. A morte não tem sentido enquanto fim do ser. Ela é, antes de mais nada, a libertação da alma que, ao afastar-se do invólucro corpóreo, das ilusões e dos erros produzidos por ele, pode agora chegar a instância da verdade absoluta.Nascido por volta do ano 470 a.C., Sócrates não deixou nada escrito. Entretanto, seu discípulo mais famoso, Platão, registrou os passos da vida desse grande filósofo. Na verdade, Sócrates é lembrado muito mais por causa de sua maneira de ensinar. Ele desenvolvera um método que consistia em diálogo mediante perguntas. Esse diálogo visava chegar à descoberta do conceito, meio imprescindível de se chegar à verdade. Para compreendermos o método de Sócrates devemos em primeiro lugar considerar o diálogo como artifício metodológico de procura da verdade. Ali é o lugar da gestação e do nascimento da verdade. No diálogo, a pessoa caminhava reflexivamente de um lado para outro, através de diferentes posicionamentos e conceitos, questionando e redefinindo conceitos a fim de solidificar idéias e, por esse caminho, chegar à verdade. Sócrates era um polemizador de marca maior. Polemizava suas idéias na praça do mercado, em Atenas. Estava tão preocupado em descobrir o que era bom, justo e verdadeiro que acabara por afirmar que a maior causa do mal era a ignorância, e, por esta razão, o homem pecava por falta de conhecimento. Ele tinha como objetivo de vida viver na justiça e formar cidadãos sábios, honestos e temperados. Esse objetivo visava uma formação oposta a dos sofistas que agiam com intenções direcionadas ao próprio proveito. Os sofistas formavam grandes egoístas, que lutavam uns contra os outros e escravizavam o próximo, além de sua metodologia negar a existência da verdade. Sócrates não aceitava aquela maneira de ajudar os homens a viverem suas vidas. O sentido da vida toma novo rumo com o pensamento de Sócrates. Para ele, a vida não analisada não merece ser vivida. Para que haja vida verdadeira, a pessoa tem que ir em busca da verdade, mas esta busca se faz via conhecimento fundado na virtude. O saber em Sócrates é conhecimento sólido, não deteriorável, irrefutável. Ora, mesmo que não saibamos a verdade, é necessário sabermos que nada sabemos, mas sem jamais desistir de buscar a verdade, ter presente a idéia da verdade, um lançar-se à procura do verdadeiro saber. O diálogo provocador do pensar tinha, para Sócrates, a função de ajudar a pessoa questionada a tomar consciência da própria ignorância. O exercício da descoberta do próprio ser ignorante é uma espécie de busca do próprio conhecimento. Em suas palavras, um conheça-te a ti mesmo. O ápice da sabedoria é atingido através da virtude que aponta para uma realidade franca: a verdade nasce quando a pessoa se dá conta de que todo saber que pensava possuir não tem na verdade qualquer verdade. O ser humano a esta altura encontra-se consigo na consciência racional de si mesmo. Esse encontrar consigo na consciência racional quer afirmar que a verdade das coisas não poderá ser captada pelo seu aspecto sensível, mas pelo próprio pensamento das coisas, ou seja, pelo universal que o pensamento apreende em todo o sensível e que, na medida em que é apreendido pelo pensamento, transforma-se em conceito. O ato de pensar as coisas a partir de seu aspecto racional é, em outras palavras, um partir em busca da verdade com o objetivo de estabelecer um sistema, um organismo lógico de conceitos. Ora, esse estabelecimento quer nos levar a um patamar onde somos capazes de olhar as coisas a partir de seu conceito universal. Caso haja um fracasso nessa nossa busca, então a pregação dos sofistas tornar-se-á certamente insuperável: o conhecimento – como conhecimento das particularidades é sem dúvidas relativo e contraditório, sendo assim, a comunicação e as relações de respeito entre os homens tornam-se também impraticáveis. Entretanto, não buscamos a verdade com perspectivas de fracasso. Se tomamos como nossa a busca de Sócrates, então para nós procurar a verdade deve significar ir ao encontro da própria força suprema que pode orientar nossa vida, visto que ao agirmos mal acabamos por gerar dor e infelicidade. Com isto, alcançar a verdade significa alcançar a salvação da vida, relação essencial existente entre a verdade e a vida. Por isso, a reflexão socrática direciona nossas vidas para o mundo da ética. O ensino dialógico de Sócrates tinha o objetivo de reconstruir o conhecimento através da extração de idéias. Sua forma de ajudar os outros a pensar seguia os seguintes passos: Ironia: Maiêutica: Introspecção: Ignorância: Indução: Definição. O primeiro passo chama-se Ironia. Ela visa desembaraçar o espírito de conhecimentos errados, preconceitos e opiniões. Na ironia ridiculariza-se a linguagem sofística das pessoas, levando-as a perceber que nada sabem acerca da verdade. Uma vez chegada a conclusão da ignorância. Sócrates aponta o segundo passo, a maiêutica. A maiêutica realiza o conhecimento verdadeiro pela razão, extraindo-o através do próprio aprendiz. Na percepção de Sócrates, a verdade não nos pode ser transmitida por outros ou vir ao nosso encontro de algum modo a partir do exterior. O ansiar por descobrir a verdade é, para Sócrates, um sinal de que a verdade está no ser de quem anseia. A verdade reside numa dimensão diferente da exterior. Esta dimensão somos nós mesmos, enquanto consciência. A maiêutica tem o objetivo de desmascarar a falsa sabedoria e chegar a um conhecimento da natureza do homem, limitado em sua busca. Ao buscar a verdade que se esconde para além das aparências, o ser humano passa por um processo de introspecção, voltando-se para si mesmo, dirimindo questões até esvaziar-se de seu conhecimento aparente. Há então o reconhecimento de que o conhecimento está para além do senso comum. Há logo em seguida um novo passo. Pela via dialógica, o ser humano volta ao mundo universal a partir do particular a fim de atingir os limites da verdade através de conceitos.
O PENSAMENTO DE PLATÃO
Aristocrata, discípulo de Sócrates, Platão foi o primeiro a refletir e colocar em um sistema coerente questões fundamentais tais como o ser, o conhecer e o agir. Nascido por volta de 428 a.C., Platão baseia toda a sua filosofia na questão do ser. Por esta razão, via o filósofo como amante da verdade e de todo ser verdadeiro, devendo por isso, aspirar desde a sua juventude à verdade sobre todas as coisas. Platão Fundou a ACADEMIA, uma espécie de maquete de todas as universidades. Nesta Academia, os estudos básicos estavam direcionados para a aritmética, a geometria, a astronomia e a harmonia do som. Nela, Platão intencionava treinar a mente dos homens para capacitá-los a pensar por si mesmos à luz da razão. A educação exigia esforça conjunto da parte do professor e do aluno em processo verdadeiramente dialético. Nesta Academia estudou um dos maiores filósofos de que se tem notícia: Aristóteles. No pensamento de Platão sobre o papel do verdadeiro filósofo, ele tece algumas importantes colocações. Em primeiro lugar, Platão aponta que o verdadeiro amante do saber é aquele que deseja encontrar a verdade desde sua juventude. Transfigurados pelas virtudes que fazem o ser humano tornar-se justo, o filósofo vai em busca de superar os limites do conhecimento fornecido pelo corpo. Ora, quando os outros opinam dizendo que os filósofos são pessoas inúteis, que vivem “no mundo da lua”, que pouco se interessam por questões práticas, na verdade eles estão desqualificando quem pode mudar o mundo, governando-o. Platão vê naquele que busca sinceramente a verdade das coisas, e a medida justa de tudo, um ser único capaz de mudar o mundo. Talvez por estar pleno de justeza, ele seja o mais capacitado a promover a transformação no mundo, a governar a sociedade. Para Platão, o homem harmoniosamente constituído, despojado da avareza e da mesquinhez, da vaidade, e da covardia, jamais poderá mostrar-se duro ou injusto em suas relações com os outros. Esta é uma das maiores qualidades do filósofo. Mas, por que o filósofo é tão importante para Platão? Uma resposta é o fato do filósofo ir em busca da verdade pura. Neste sentido, o próprio Platão faz o papel nato do filósofo que busca incessantemente a verdade. Para ele, a filosofia, tal como Sócrates, é a ciência capaz de resolver o problema da vida. E o maior de todos os problemas é o conhecimento pleno, ou o des-velamento da verdade; visto que o conhecimento prático, a gnose nascida do senso comum é limitada e pura aparência. Para enveredarmos no pensamento de Platão, iniciemos com uma de suas mais famosas estórias: a Alegoria da Caverna, uma maneira de Platão demonstrar como ocorre a sua Teoria das Idéias. Imaginemos uma Caverna onde há pessoas. Todo mundo acorrentado numa caverna desde a infância. Com as cabeças presas, os prisioneiros só podem olhar em uma direção, a direção da parede da caverna. Um fogo aceso atrás deles, e por entre eles e o fogo, pessoas circulam carregando objetos. Virados para a parede, não conseguem ver o fogo ou as pessoas que circulam ou mesmo os objetos que elas carregam. Os prisioneiros vêem somente as sombras projetadas e julgam que elas são a realidade. De repente, um homem foge, sai da caverna e vê o mundo real. Ele volta mas, ofuscado pela luz, parece mais idiota do que antes. Convida os outros para sair e ver a nova realidade. Os outros não aceitam, preferem viver na crença da própria aparência. Esta alegoria é uma demonstração de que o conhecimento aparente se apresenta a nós como se fosse pura verdade. Ora, a Alegoria da Caverna quer demonstrar que o sensível é, na teoria platônica, insuficiente para identificar o conhecimento. Em outras palavras, a idéia, que não possuímos plenamente, é real e o real, que nossa percepção sensível capta naturalmente, é apenas aparência. O corpo, fonte de acesso ao conhecimento primeiro, é um obstáculo ao conhecimento da verdade visto que ele revela apenas a aparência das coisas. No entanto, Platão postula que devemos considerar a percepção – e isso exige o sensorial – como condição necessária para fazer a razão chegar ao ápice das idéias. Esse subir racionalmente do sensorial ao mundo das idéias é um processo dialético ascendente enquanto que o processo inverso pode ser chamado de dialético descendente. Na verdade, esse sair de nossas próprias percepções sombrias, é um passo fundamental caso queiramos ver sair da caverna e ver o mundo real. Ora, o sensível é insuficiente ao conhecimento porque está manifestado de erros. Por esta razão é necessário que pela anamnesis sejamos capazes de transitar da subjetividade às idéias pois o verdadeiro conhecimento só se produz a partir da relação com as idéias, que está além das aparências. Podemos ainda afirmar que uma vez longe do mundo das idéias, a verdade desaparece de nossas mentes. Platão refuta tal premissa revelando que mesmo que esqueçamos a realidade ideal, nossa lembrança do que conhecíamos antes de conhecer em realidade – anamnesis – faz-nos saber aquilo que nunca experienciamos. Assumir a anamnesis significa aceitar o fato de que podermos conhecer a verdade não significa que a conhecemos. A nossa busca pela verdade deve estar fundada em princípios da racionalidade enquanto instância que permite aproximação com o eterno, o imutável, as essências, as idéias. Apesar desta concepção platônica supor uma divisão no âmbito do ser, uma separação entre idéia e alma, a psyché deverá determinar o nexo estrutural, ou seja, o princípio unificador da idéia e das almas. É uma questão de devir e de idéia, a dissolução do mundo do devir no mundo das idéias. Ora, as idéias são o fundamento que permite diálogo e, por conseguinte, a realização da utopia como projeto de humanidade em todos os níveis. Essa sistema de pensamento revela a percepção metafísica de Platão em relação ao ser feito mundo divino das idéias. O evoluir do pensamento para além das aparências, para o ápice das idéias permanentes exige um processo dialético e dialógico. O diálogo e a dialética são possíveis graças ao Eros, aquele que busca a metade que nos falta, aquele que nos faz desejar o que nos torna felizes. Eros nos ajuda na mudança do diálogo para a dialética, que se faz pelo processo de unificação desde uma interioridade em travessia à exterioridade e vice-versa. O aprender consigo mesmo no responder e no perguntar nos faz crescer em nossa percepção e conhecimento da verdade e inclusive de nós próprios. O conhecer-me a mim mesmo diz respeito ao apreender o ser que se revela em nós. Neste aspecto, Platão indica que a atividade filosófica implica uma postura ético-metodológica do sujeito, sendo simultaneamente, abertura ao outro e abertura ao ser. É a ética e a razão do filosofar juntas. O método dialético ético realizado no diálogo com o outro nos ajuda a, através da argumentação racional, encontrar o caminho que ascende da opinião à verdade justa. Por isso, há de fato uma necessidade imanente do outro, o que nos leva a formular uma concepção ética, cujo fundamento se encontra na subjetividade, mas que exige de nós a racionalidade a fim de que a humanidade seja realizada. E realizar a humanidade significa libertar inteiramente da sensibilidade para o permanente mundo das idéias.
O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES
O estagirinta Aristóteles, discípulo incondicional de Platão na Academia, nasceu em 384. Sua maior atividade social e política talvez tenha sido a de educar Alexandre, o grande. Aristóteles fundou também uma espécie de faculdade, o LICEU, tido como superior à Academia. Sua maneira de ensinar tinha como metodologia o caminhar. Por esta razão, seus alunos eram chamados de peripatéticos. A organização lógica do nosso pensamento em silogismos, ou seja, em premissas e conclusões, é feita por Aristóteles. Ao refletir questões do pensamento ele define como meio fundamental de acesso ao conhecimento a filosofia. Filosofia é teorética e, por isso, busca pensar os problemas mais profundos do universo. Ora, a filosofia enquanto ciência das causas primeiras, é fatuamente teórica, e eleva o ser do estado de ignorância para o estado de sabedoria. Para Aristóteles, o conhecimento de todas as coisas encontra-se necessariamente naquele que, em maior grau, possui a ciência universal, porque ele conhece, de certa maneira, todos os sujeitos, ou casos particulares do universal. Mas ao ser humano, por seus limites que não vão além do sensorial, torna-se difícil chegar ao conhecimento universal. Há necessidade de filosofar. Mas há que diferenciar entre aquele que apreende o pensamento dos filósofos e aquele que debate com eles seus pensamentos. Aristóteles afirma que filosofar é uma questão de atitude. E tal atitude se inicia pelo “admirar” como fonte de aprendizado filosófico. Se cabe ao filósofo o belo papel de admirar o ser, logo, é tarefa da filosofia captar e tematizar o permanente, o imutável em todas as coisas, ou seja, a physis: totalidade do real, o necessário e permanente. Ao apontar um conceito mais elaborado para physis, Aristóteles revela sua visão metafísica das coisas e do próprio ser humano. Para ele, todo o homem deseja naturalmente saber. Mas esse conhecer exclui o comportamento prático e utilitarista. Há que se ter na verdade um comportamento admirativo. Ora a admiração é o elemento fundamental da gênese do filosofar. Devemos, no entanto, chegar através da admiração filosófica à consciência da ignorância por meio da percepção de uma dificuldade. O admirar remonta à tese básica da identidade fundamental, aquela em que Parmênides nos apresenta: pensar e ser, onde o Ontos é o todo e o Logos é a reunião prévia de todos os entes cada um em seu lugar. O pensamento aristotélico não nega, contudo o movimento que é uma característica real do ser enquanto realidade. No entanto, sem negar o movimento, o verdadeiro sentido da realidade no pensar aristotélico é a imutabilidade. Essa é a maior diferença entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles. Enquanto Platão separa o mundo das idéias do mundo das aparências, o estagirinta afirma que a idéia existe na matéria, ou a essência existe na substância. Assim, o conhecimento do ser deve se iniciar no conhecimento do real. Com isto, Aristóteles coloca no centro da reflexão filosófica o conceito fundamental de essência. A essência é interna possibilitas, ou seja, é a possibilitação interna de uma coisa, sua necessidade, aquilo que faz com que ela seja necessariamente o que ela é. Cabe aqui afirmar a essência como princípio de identidade da substância, onde a substância é a junção de matéria e forma. Logo, os dois principais aspectos da realidade física para Aristóteles são a substância, ou tudo o que se constitui; e a essência, ou o que tudo realmente é. Neste aspecto, Aristóteles avança em sua reflexão sobre o permanente, ou a essência, e o mutável, a substância. As coisas mudam porque à medida em que há o andamento natural das coisas, tais coisas vão realizando o seu potencial. Entendamos por potência como o não-ser atual e a capacidade de ser, e como ato o ser efetivo. O pensamento aristotélico caracteriza-se então como um pensar analítico, que fundamenta uma forma de acesso ao real, e uma visão de mundo articulada em contraposição à forma de saber da tradição grega até então, que era dialética. Mas a analítica aristotélica tem uma preocupação fundamental, a de salvar a racionalidade humana do arbítrio em virtude do emprego do jogo de opostos feito por sofistas. Aristóteles não tolerava os sofistas. Contra o pensamento falacioso destes pensadores, ele dividiu em categorias os diferentes tipos de coisas que podemos dizer algo. As categorias são substância, qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação, propriedade. Ora, ao categorizar as coisas, Aristóteles revela sua visão cosmológica do mundo. Nesta visão, sua organização metodológica leva a termo uma descrição precisa dos fenômenos. Tal organização é assim desenhada: em primeiro temos a causa material que constitui as coisas e permite que haja mudança; a causa eficiente, o evento em processo levando a um resultado; causa formal, a realidade que leva á mudança; causa final, razão externa da mudança. A causa final é um princípio básico de sua filosofia que indica haver finalidade em tudo. O ser humano nasceu para a finalidade de pensar. Essa visão finalista da natureza das coisas é chamada de teleologia, uma maneira de explicar o desenvolvimento dos seres vivos e das pessoas.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA ANTIGA
Uma nova caminhada da filosofia se dá com a mudança de ótica do pensamento grego. O cerne dos questionamentos não está mais na realidade a ser apreendida, mas no ser que gera a realidade e a transforma a medida que o tempo passa. Não há somente a mudança de ótica do pensar grego, mas em Sócrates se inicia uma nova maneira de pensar. Seu método de fazer parir as idéias é uma singular maneira de construir o conhecimento sobre a verdade, sobre o ser, e sobre o universo. Em Platão, o diálogo transforma-se em Dialética. O pensamento evolui para além das aparências, para o nível mais elevado das idéias permanentes, que exige um processo dialético e dialógico. Mas, em Aristóteles o debate ganha novos ares. A dialética platônica dá lugar à analítica. Não é mais o diálogo que fornece as informações e o conhecimento. Aristóteles constrói os argumentos, tece um método para se conhecer sem que haja necessariamente o diálogo. Para ele, o ser humano veio ao mundo para a finalidade de pensar. Por isso há que se considerar fundamentos argumentativos para chegarmos ao conhecimento da verdade. Aristóteles será o grande pensador, o mais influente até nossa época pois sua filosofia dá novos rumos à ciência e sua finalidade.
CAP. VI: FILOSOFIA MEDIEVAL
A divisão mais profunda da História da Filosofia é marcada pelo Cristianismo. Mas, ao pensarmos essa divisão temos que considerar que não há, no sentido próprio do termo, uma filosofia cristã, visto que o pensamento cristão é de cunho religioso. Mas, por pressupor uma concepção bastante específica do mundo e da vida, sua doutrina faz uso de fundamentos filosóficos. Sua primeira fase se dá entre o segundo e o oitavo século. Esta fase é chamada de Patrística, pois representa o pensamento dos Padres da Igreja. Nela, há uma busca especulativa profunda para resolver o problema do mal. Do nono ao décimo quinto século ocorre a segunda fase, chamada de Escolástica, pois representa a filosofia ensinada nas escolas da época por mestres chamados escolásticos. Nela, o pensamento cristão cria a filosofia cristã verdadeira e própria.A partir desses dados fundamentais, tomaremos nossa postura reflexiva sobre os filósofos que fizeram escola no período em que o Cristianismo se expande e passa a indicar os rumos do pensamento no mundo. Mas, atentamos à verdade de que há uma ruptura ordenada com o pensamento grego clássico. No mundo grego, a percepção das coisas se dava a partir da idéia de movimento. As coisas se moviam, tornavam algo e deixavam de ser algo, demonstrando um constante e perpétuo vir-a-ser. Por esta razão não havia problemas com relação à não-existência. Para o Cristianismo, no entanto, as coisas poderiam não ser pois sua existência requer uma justificação. A não justificação resulta em que a coisa em si deixe de existir. Esse tipo de filosofia promove o niilismo.Logo, no mundo grego as coisas são variáveis, enquanto no pensamento cristão, o “nada” é um pretendente a ser. O que está aí, o ser da visão grega é redefinido pelos filósofos cristãos como o não ser nada. Neste sentido, podemos perceber que há no novo pensar filosófico a partir do Cristianismo um acréscimo argumentativo que diz respeito ao ser criador e ao ser criado. Ora, os séculos que se seguiram após o Cristianismo tornar-se a religião oficial de Roma tiveram uma profunda mudança no eixo de reflexão filosófica ao ponto de a História do Pensamento Filosófico chegar ao final do século XIII dominado quase por completo pela Teologia Cristã. Mas para chegar a este ponto, a Igreja conseguiu um feito único no mundo, uniu com a magia de uma crença invariável a maior parte do continente europeu. Ora, a unidade exigia a existência de uma fé comum e infalível a fim de estar acima das mudanças temporais e do pensamento humano constantemente atacado pelas mais variadas correntes filosóficas. Assim, dogmas foram proclamados contra os quais não havia contestação. Dentro dessa redoma, a filosofia cristã tentava promover o diálogo fé-razão, gerando argumentos que não podiam ser contestados pois seus fundamentos se encontravam na revelação divina, fonte única da verdade. Mas durante esse período de desenvolvimento da filosofia cristã, alguns filósofos arriscaram envolver-se em debates delineadores do pensar, quebrando a redoma da teologia para ex-trair dela a filosofia e dar-lhe de volta a liberdade de pensar com seus próprios argumentos a razão e, também, a própria fé.
SANTO AGOSTINHO E A PATRÍSTICA
Nascido em 354, Santo Aurélio Agostinho é considerado um filósofo neoplatonista, com uma experiência de fé profunda. É também considerado por muitos um dos fundadores do movimento patrístico que tinha o objetivo de propagar a fé cristã. Por esta razão, Santo Agostinho deixa-se conduzir pela fé quando exerce uma atividade filosófica. Para ele, a filosofia é muito importante para a fé enquanto lhe mostra a racionalidade, dando compreensão e coerência. Fazendo uso da filosofia como solucionadora da vida, Santo Agostinho acredita poder chegar a uma solução integral. No entanto, ele defende a posição de que a última palavra deveria estar na revelação, fonte da verdade definitiva porque provinda de Deus. Essa posição era tão importante para Agostinho que ele chegou a afirmar em seu livro As Confissões que a vida feliz é a alegria que provem da verdade. Tal é a que brota em vós, ó meu Deus . Ou uma outra assertiva mais adiante, revela magistralmente sua postura filosófica, onde encontrei a verdade, aí encontrei a meu Deus, a mesma verdade . Ora, ele aponta que somos demasiados fracos para descobrir a verdade apenas pelo raciocínio. Logo, podemos perceber que a atividade filosófica está em pleno vapor nesta época. Uma amostra da importância da filosofia na vida de Santo Agostinho, e uma prova de sua atividade racional, está em sua definição de tempo. O tempo é enquanto possibilidade futura provada na expectação ou memória viva e real do presente no qual perpassamos, com nossos atos e atitudes. Mas, quanto a Deus? Como se pode falar de tempo em relação a Deus? Santo Agostinho sustentava que Deus é eterno e, por isso, está fora do tempo. Então, o tempo para Deus é um eterno presente. Isso levou Agostinho a tomar a postura de que somente o presente realmente existe.
SÃO TOMÁS DE AQUINO E A ESCOLÁSTICA O italiano Santo Tomás de Aquino nasceu em 1225. Seus estudos eram fundamentados pela filosofia aristotélica. Partindo desta filosofia, tenta organizar os ramos do conhecimento em um sistema completo. É da época de Tomás de Aquino a fundação do movimento escolástico que começa a implantar os fundamentos de uma escola e do que chamamos hoje de universidade.O objeto de sua filosofia volta-se para o divino, sem o qual não há sentido debater sobre o mundo e o homem. O pensar filosófico faz sentido somente enquanto sustentáculo do pensamento teológico, pois a verdade além de estar revelada, seu sentido é definitivamente garantido a partir da fé. Ora, a sabedoria, conforme Santo Tomás de Aquino, é apenas um fio condutor de seres humanos ao reino da imortalidade e da verdade. Esse é o centro de seu pensamento, a distinção da teologia natural da teologia revelada. A primeira, segundo ele, provem a atividade da razão e das experiências sensíveis. A segunda, da fé, da graça e das escrituras. O objeto das duas, porém, é a apreensão de Deus. Santo Tomás era um sacerdote com visão expansionista da fé cristã. Neste sentido, ele reconhece a dificuldade em debater a verdade revelada com pessoas que não reconhecem as sagradas escrituras como autoridade máxima da verdade. Desse reconhecimento surge a necessidade de se recorrer à razão natural para argumentar assuntos teológicos. Porém, há que se precaver de um limite lógico, a razão natural pode enganar-se quando da argumentação sobre as coisas de Deus, em especial sobre a verdade revelada. Então, a filosofia e a teologia tinham por objeto de especulação o divino, Deus. Em contestação a Santo Anselmo, Tomás de Aquino apresenta cinco provas da existência de Deus. A primeira é o argumento do movimento. O movimento está em toda parte. Alguém o causa, logo deve haver um Deus como o Motor Imóvel de Aristóteles. A segunda prova é o argumento das causas. Quem causa as causas? Existirá uma causa primeira e inacabada? Conforme Tomás de Aquino, sim. A terceira prova é o argumento da contingência. Como explicamos a contingência na natureza? Somente pela existência de um Ser Necessário que esteja além da contingência. A quarta prova é o argumento dos Graus de Perfeição. Há graus de perfeição na natureza. Isso implica a noção de perfeição, que por sua vez, implica o que podemos chamar de Um Ser Perfeito. Finalmente a Quinta prova, que é argumento da Ordem Universal. Em tudo o que vemos há adaptação ou acordo. Considera-se isso um desígnio que manifesta uma Inteligência que organiza as coisas. A profundidade de tais argumentos sugerem uma profunda organização da atividade racional em defesa da fé cristã.
FILÓSOFOS ÁRABES: AVICENA E AL-GAZZALI Um pouco antes de Santo Anselmo, alguns pensadores árabes se destacaram no mundo da filosofia. Avicena, nascido em 980, tentou uma síntese entre o Islamismo, Platão e Aristóteles. Sua concepção filosófica é a de que esta é uma ciência com o fim de informar acerca da verdade de todas as coisas na medida em que for possível ao homem. A possibilidade do conhecimento da verdade deve ser objeto do homem que deseja a nobreza e a perfeição para a sua alma. Há assim dois tipos de filosofia, a prática que visa a busca do bem, e a teórica que visa a busca da verdade. No esforço de buscar a verdade, um outro filósofo, de nome Al-Gazzali aponta para a necessidade de se certificar das bases da certeza. A certeza é o mais claro e completo conhecimento das coisas, desde que não haja nos espaços dos argumentos margem para a dúvida e o erro. Neste sentido escreveu o tomo Destructio Philosopharum onde afirma que a filosofia fazia mal, pois mesmo que ela fosse capaz de gerar argumentos racionais válidos, a verdade eterna estaria centrada em Deus.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA CRISTÃ - MEDIEVAL O período gerador da Filosofia Cristã é de grande valor para a História do Pensamento Humano. Ao olhar com mais profundidade aspectos históricos, especulativos, fundamentações críticas, oposições e complementações entre os filósofos da Era Medieval, podemos perceber o aprofundamento intelectual das reflexões filosóficas, mesmo que elas estivessem atreladas à teologia. O serviço à teologia, promovendo a relação fé-razão, no formato diversificado e, não poucas vezes, divergente demonstra a força com a qual filosofia pode ser usada. Infelizmente, a busca da verdade tão almejada pela filosofia através da atividade racional, teve seu fim com a apropriação da verdade pela teologia. Ora, depositar no misterioso universo da epifania divina os fundamentos absolutos sobre a verdade não seria dizer-se a si mesmo da impossibilidade de se conhecer a verdade? Sabemos, e isso não é novidade para qualquer que seja a ciência do pensamento, que a verdade escondida, aquela que não vem à luz, que não faz o seu processo de aletheia pela via da razão, continuará escondida sem data certa para se revelar. Mas sabemos também que não buscá-la seria bater o martelo da condenação de nossa existência e encarcerá-la em razões niilistas, ou em razões que as razões humanas não conseguem assimilar. Ora, se a Teologia quer realmente que estejamos inaptos a buscar a verdade porque Deus já a revelou, mesmo que tal revelação seja completamente incompreensível à lógica humana, então a própria teologia enforca as razões filosóficas para fundamentar sua estrutura religiosa; visto que a filosofia em sentido lato refere-se à busca incessante da sabedoria enquanto apreensão da permanente verdade nos limites dos rasgos lançados à realidade por um tal Ser, divino ou não. A teologia, em seu papel justo de estar ao lado da verdade, deve considerar que buscá-la não é prejuízo mas certeza de que isso é o que o ser humano sempre desejou em toda a sua existência. Temer princípios filosóficos, especulações racionais acerca da verdade pode ser um sinal indicativo da fragilidade de argumentos teológicos que confirmam em Deus a única possibilidade válida da verdade. Pode significar também o temor de descobrir ao final da busca que o ser humano é um órfão sem qualquer vestígio de paternidade ou maternidade divinos. Ou mesmo ao contrário, pode também significar o temor em descobrir um Ser tão Onipotente e Onisciente que apreendê-lo seria um ato suicida. Ou ainda quem sabe um temor em descobrir tal como Frederico Nietzsche que o Deus da nossa fé não é outro senão nós mesmos num futuro pós travessia do abismo. A verdade é permanente e eterna. Buscá-la via fé, mas temê-la via razão é um ato errôneo visto que esconder-se dela não é possível. O pensamento medieval, bem fundamentado em suas razões e em sua fé inabalável sustentou a verdade revelada por vários séculos. Alguns filósofos tentaram de dentro do ciclo patrístico e escolástico tornar mais sólido e lógico o pensamento racional, sem que para isso fosse necessário recorrer à fé. Mas as tentativas esbarraram em dogmas com pressupostos de infalibilidade. Finalmente, nos tempos hodiernos, a atividade filosófica volta a pensar a vida a partir de categorias metafísicas, mas desta vez a liberdade diante da teologia é imensamente maior. Com isto, ganha a teologia por estar aberta ao confronto especulativo acerca da verdade. E o que mais interessa a ela, fundamentalmente a emergência da verdade, seja finalmente solidificada com fundamentações racionais.
CAP. VII: FILOSOFIA MODERNA
VISÃO PANORÂMICA DO MODO DE PENSAR MODERNO
A História do Pensamento Moderno iniciada por volta do século XIV é um exemplo evidente de que nossa maneira de “olhar” o mundo ainda está em um processo de construção. Nessa época, a mudança na rota da história do pensamento provocou uma reviravolta nas questões relacionadas à percepção do Cosmos. Tal mudança leva a concepção greco-romana cristã, que promovia a idéia de uma ordem fixa segundo hierarquias de perfeição, dotada de centro e de limites conhecíveis, cíclico no tempo e limitado no espaço, a uma nova fase, com o reordenamento de idéias e de questões filosóficas da época. No lugar da concepção de uma ordem fixa surge a idéia do Universo Infinito, para além dos limites humanos, aberto no tempo e no espaço. Blaise Pascal retrata a nova mudança na seguinte frase: esfera cuja circunferência está em toda parte e o centro em nenhuma. No século XIV e seguintes, as crenças das pessoas passavam por uma drástica mudança. Em vários campos sociais e científicos a humanidade passava por câmbios os mais diversos. O comércio florescia, a quantidade de bens produzidos era cada vez maior, resultando em excedentes e desenvolvendo cada vez mais as relações de mercado através da troca via espécie monetária. As cruzadas haviam deixado aberto o caminho para o Oriente, a imprensa dera um passo importante na propagação do conhecimento a partir de Gutenberg. A invenção da bússola motivou navegantes a avançarem cada vez mais em suas descobertas marítimas, derrubando crenças nunca antes questionadas. Uma Nova Era estava sendo construída. A essa época de grandes mudanças universais denominamos de Renascença. A Renascença é o resultado da explosão do pensamento humano em vias de libertação das crenças cristãs. Ora, essa nova postura que então se desenhava estava sob a bandeira de um movimento filosófico chamado de Humanismo Imanentista. Ele procurava destruir a harmonia do Pensamento Clássico baseado na transcendência cristã. Ele privilegiava os interesses e ideais materiais e terrenos, colocando de lado valores espirituais e religiosos. Para o Humanismo Imanentista, era necessário conquistar, dominar, gozar o mundo com meios humanos. Com ênfase em tal tipo de postulado, o homem passa a ser potencializado, celebrado, exaltado até à divindade, livre de si. Ocorre de fato um endeusamento do homem demonstrando a existência de uma redescoberta da Filosofia Antiga, mas desta vez exaltando o Humanismo. O novo pensar no início da Era Moderna indica que o sentimento vigente na época era o de que as pessoas não pareciam ser tão incapazes de conhecer a verdade, como a filosofia cristã deixara transparecer. Na busca de auto-afirmação diante de um mundo em reordenação surge a idéia da mecânica do universo. Esta nova postura do pensar refere-se em primeiro lugar à geometrização do espaço. Na física aristotélico-tomista, o espaço fora caracterizado como topográfico ou topológico, ou seja, rico em acidentes. A nova concepção espacial o vê como neutro, homogêneo, mensurável, calculável, sem hierarquia e sem valores, portanto, sem qualidades. A geometrização do espaço diz respeito à idéia de que o universo, feito de figuras geométricas circulares e triangulares, parece escrito em linguagem matemática. Essa nova postura diante do universo requer também uma nova concepção da ciência da natureza enquanto pensamento acerca do cosmos baseado na mecânica. O princípio da mecânica que fundamenta a ciência da natureza da Idade Moderna postula que todos os fenômenos naturais são corpos constituídos de partículas dotadas de grandeza, figura e movimento determinados. Ora, para conhecer a natureza é preciso estabelecer as leis necessárias do movimento e do repouso que conservam ou alteram a grandeza e a figura das partículas. Ou seja, é necessário que se aceite a concepção física da Causa e do Efeito. Por esta razão, devemos repensar nossas idéias de Substância e de Causalidade. Ora, o mundo greco-romano pensava a existência de uma pluralidade infinita de substâncias. Essas substâncias podem ser um gênero, ou uma espécie ou mesmo um indivíduo, cada qual com seus modos ou acidentes e suas próprias causalidades. Os modernos simplificam tal conceito, afirmando que a substância é toda realidade capaz de existir ou de subsistir em si e por si mesma. Neste caso, há três substâncias: a extensão - matéria dos corpos regida pelo movimento e pelo repouso. O pensamento - a essência das idéias, e constitui as almas. Por fim, o infinito, ou seja, a substância divina. A partir dessas três substâncias ocorre o processo de conhecimento, que se fará pelo princípio da causalidade. Logo, conhecer é conhecer a causa da essência, da existência e das ações de um ser. Por isso, um conhecimento será verdadeiro, apenas e somente, ao oferecer essas causas. No desejo de decifrar um conceito mais preciso do conhecimento, Baruch Spinoza (1632-1677) afirma que o conhecimento verdadeiro revela como uma realidade foi produzida, isto é, o conhecimento verdadeiro é o que alcança a gênese necessária de uma realidade. Guilherme Leibniz (1646-1716) amplia a noção de conhecimento estabelecendo o princípio Nihil sine ratione, onde nada é sem causa racional.
INTERPRETAÇÃO MECANICISTA DA REALIDADE NATURAL E SOCIAL
A ciência moderna é a maior evidência de que houve uma ruptura da filosofia realizada nos séculos XV em diante em relação a feita nos séculos anteriores. A ciência moderna se apresenta como saber apto a isolar uma dimensão particular da realidade, mas deixa para outros a compreensão da origem e do objetivo da vida humana. A partir dessa época surgem vários pensadores com a ambição grandiloqüente de desvendar os mistérios da natureza. Leonardo da Vinci (1452-1519), João Kepler (1571-1630), Nicolau Copérnico (1473-1543), Gilbert (1544-1603) eram os novos filósofos experimentais, ou cientistas. Além destes, vários outros se destacaram no cenário mundial pela coragem em fornecer, mesmo que dedutivamente a priori, novas leis que explicassem o funcionamento do mundo. Surge pois a grande novidade da ciência nessa época para explicar o mecanismo do mundo, a Terra não era o centro do universo. Há, consequentemente, um confronto do modelo físico do mundo pensado por Copérnico com o modelo cristão ptolomaico. Os luminares existiam, segundo Ptolomeu, para iluminar a Terra, durante o dia, e o outro durante a noite. Ora, nesse modelo, a Terra era concebida como uma esfera imóvel no centro do mundo, estando os outros corpos celestes girando ao redor dela, segundo uma hierarquia. Mas como explicar que um objeto tão grande, que era o Sol, ficava girando ao redor da Terra sem sequer mudar sua rota? O exemplo de Marc Sautet é bastante ilustrativo: o modelo ptolomaico explicava admiravelmente a maioria dos fenômenos observados, mas tinha dois grandes inconvenientes. O primeiro era que o tamanho do sol era gigantesco e sua distância da terra era colossal, de modo que, para explicar seu reaparecimento a cada manhã, era preciso supor que ele teria uma velocidade vertiginosa: se amarrarmos uma pedra na ponta de uma corda e a fizermos girar, quanto maior for a corda, mais depressa será preciso fazer girar a pedra para fazê-la descrever uma rotação num tempo invariável. O mesmo se dava com o sol; enquanto se pôde crer que ele era pequeno, sua distância da Terra pôde ser modesta e sua rotação não implicava uma velocidade prodigiosa; mas, quando se veio a avaliar seu tamanho real e se alongou igualmente sua distância da Terra, foi necessário, levando em conta as 24 horas atribuídas a sua rotação, atribuir-lhe uma velocidade tão grande que beirava o inacreditável. O segundo grande defeito do sistema é que não permitia prever as posições exatas dos planetas. /.../ Eles escapavam a todas as previsões. Enquanto a imensa maioria dos astros mantinha posições fixas no céu e, por isso, guardava as mesmas distâncias entre si /.../ pois todos se moviam ao mesmo tempo num movimento único de rotação, os planetas não paravam de vagar. Dentro desse contexto, surge um dos mais famosos pensadores, Galileu Galilei (1564-1642). Em sua época, o debate com a Igreja sobre o verdadeiro conhecimento acerca da ordem universal era ainda bastante complexo. Mas suas idéias já direcionavam o mundo para um novo pensar. O seu Diálogo a Respeito dos dois Maiores Sistemas: Ptolomaico e Copernicano provocou ira na cúpula da Igreja, levando Galileu a se submeter a um processo inquisitorial. Apesar de seu receio em relação às punições, Galileu chegara a afirmar que quando se demonstra de modo indubitável algo que parece estar em desacordo com as Escrituras, é sempre possível mostrar que esse desacordo é apenas aparente, e que o significado autêntico da Revelação não se encontra em desacordo com a razão. Com sua mais nobre invenção, o telescópio, Galileu confirma a teoria copérnica. Além disso, fundamentou três princípios essenciais para se pensar a nova ordem física do universo. Em primeiro, um corpo, ao contrário do que se pensava, podia ter dois movimentos de natureza diferente. Em segundo, há o princípio da inércia, ou seja, na ausência de qualquer intervenção externa, um corpo em repouso se mantém em repouso e um corpo em movimento se mantém em movimento. A idéia de Galileu era geometricamente fantástica, mas como explicar que os planetas não perdiam sua rota apesar de sua vida vagante? Esse passo ele deixara para outro. Isaac Newton (1643-1727) leva adiante o problema ao usar o cálculo matemático, da mecânica galileana, das leis planetárias de Kepler e da teoria da atração de Gilbert, e chega à Lei da Gravitação Universal. Ora, a nova ciência prescinde do mundo humano e de toda a explicação metafísica e teológica do devir do mundo. Esse devir aparece aos olhos da ciência como um mecanismo, no qual o movimento de cada parte é determinado pelo movimento de uma outra parte. A ciência não procura a origem e o objetivo do movimento, mas acompanha constantemente a produção de novos fatos que são objetos de investigação a partir dos fatos observáveis. A percepção de uma ciência ainda dependente de explicação metafísica e a concepção mecanicista da realidade dependente de fundamentos causais do ser são resultados do isolamento do todo. Logo, uma ciência feita nesses moldes terá a tendência de tornar-se uma concepção metafísica tal como o atomismo grego. Do interior de tais entraves científicos, brota a atitude filosófica moderna, que se dá com base na concepção mecanicista do mundo. Essa atitude acaba por dar uma nova concepção às ciências que, no pensamento de Tomás Hobbes (1588-1679), pode ser definida de estudo das causas e dos efeitos mecânicos dos corpos em movimento. Para além desta lei encontra-se Deus pois não há uma ciência do infinito, do eterno e da origem primeira, como também não há uma ciência da totalidade do mundo. E Deus está para além de toda a nossa imaginação sensível. Com base neste raciocínio, a ciência passa a cuidar dos pháinesthai, ou seja, do aparecer dos fenômenos, pois a partir do seu aparecer, ela acredita poder encontrar suas causas. Isto não quer dizer que o ser humano aceite os limites da Física Mecânica. Sua vontade de sobreviver provoca seu desejo de ir além de seus limites naturais, enveredando inclusive caminhos de desavença com seus semelhantes. Mas para evitar a luta recíproca, o ser humano deve impor a si mesmo limites à sua própria vontade de domínio. A obsessão humana não controlada tende a extrapolar os limites de sua possibilidade, avançando a qualquer preço dentro dos mistérios universais, provocando inexoravelmente a destruição do cosmos.
A RAZÃO NA IDADE MODERNA
Iniciemos a reflexão com a idéia de Hegel sobre a filosofia. Para ele, a filosofia é independente e não se submete a nenhuma autoridade, exceto a própria razão como faculdade plena de conhecimento. O conhecer talvez seja melhor entendido com a palavra francesa connaïre, traduzida como um nascer de novo. Conhecer seria um nascer para a consciência. É necessário que haja a consciência da consciência, ou seja, a consciência do ato de ser consciente. Ora, a consciência é para si mesma o primeiro objeto do conhecimento. Hegel ainda nos mostra que sendo todos os seres humanos conscientes e racionais, todos têm igualmente o direito ao pensamento e à verdade. Não deve haver censura sobre o pensamento e a palavra. Neste caso, a razão, o pensamento, a capacidade da consciência para conhecer por si mesma a realidade natural e espiritual, o visível e o invisível, os seres humanos, a ação moral e política, chama-se Luz Natural. A Luz Natural significa a capacidade de auto-iluminação do pensamento, uma faculdade inteiramente natural de conhecimento que alcança a verdade sem necessidade da Revelação ou da Luz Sobrenatural. É importante, no entanto, assinalar que o conhecimento construído a partir da ciência moderna é um processo gradual passível de dubitalidade. O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) considera a dúvida um juízo necessário. Logo, precisamos inicialmente evitar afirmar coisas que não estamos certos serem verdades. Assim, se um homem começar com certezas, terminará com dúvidas, mas se ele se contentar em começar com dúvidas, pode terminar com certezas.
A IDÉIA DE MÉTODO OU DE MATHESIS UNIVERSALIS
Os filósofos modernos enfrentam três grandes problemas no tocante ao conhecimento verdadeiro. Um primeiro problema aponta que ao superar a idéia do Cosmos com sua ordem, hierarquia e sua centralidade, o ser humano pensante não encontra imediatamente nas coisas percebidas a verdade, a origem e o sentido do real, pois as coisas são percebidas em suas qualidades sensoriais, além do mundo parece ser finito e ordenado por valores e perfeições que a nova ciência da Natureza revelou serem ilusórios. Francis Bacon afirmara certa ocasião que a ciência, por si só, não é o suficiente. /.../ O que a ciência precisa é de filosofia – a análise do método científico e a coordenação dos propósitos e métodos científicos; sem isso qualquer ciência será superficial. Um segundo problema aponta que as relações causais só se estabelecem entre coisas de mesma substância (extensão, ou a matéria, ou os corpos, por exemplo). Por esta razão, conhecer é uma atividade da substância pensante e do ser pensante, mas o conhecido pode tanto ser um aspecto do pensante quanto os corpos, ou coisas ou os modos extensos. Neste sentido, a causalidade não pode operar, pois o que se passa na extensão não pode causar efeitos no pensamento e vice-versa. Para superar esse problema, os filósofos assumiram que o conhecimento era uma representação, ou seja, a inteligência não afeta nem é afetada pelos corpos, mas pelas idéias deles, havendo assim, a homogeneidade exigida pela causalidade. Finalmente, há um novo problema: como saber se as idéias representadas correspondem verdadeiramente às coisas representadas? Este é o momento do nascimento do método. A palavra método é originada do grego meta: através de, por meio de; e hodos: via, caminho. Usar um método é seguir regular e ordenadamente um caminho através do qual uma certa finalidade ou um certo objetivo é alcançado. O método é um instrumento racional para adquirir, demonstrar ou verificar o conhecimento. Ora, a busca de uma relação lógica entre a idéia e a representação se faz através do método. A noção de representação se dá quando aquele que conhece – o sujeito do conhecimento – está sozinho, mas rodeado por coisas cuja verdade ele não pode encontrar imediatamente, pois percebe somente as coisas reais. Isto exige um novo passo. Ele deve conhecer o conhecimento dos objetos, isto é, as idéias verdadeiras ou os conceitos dessas coisas percebidas. Por esta razão, o método precisa de um instrumento que permita o desenvolvimento do conhecimento. Há então três atividades fundamentais para a apreensão do conhecimento verdadeiro. A primeira atividade diz respeito à representação correta das coisas, isto é, alcançar suas causas sem risco de erro. A segunda atividade refere-se ao controle de cada um dos passos efetuados, pois a perda de controle de uma das operações intelectuais pode provocar o erro no final do percurso. A terceira atividade é permitir que se possa deduzir ou inferir de algo já conhecido com certeza o conhecimento de algo ainda desconhecido, isto é, o instrumento deve permitir o progresso dos conhecimentos verdadeiros oferecendo recursos seguros para que se possa transpor do conhecimento conhecido ao conhecimento desconhecido. A função do método é a de preencher esses três requisitos. No Século XVII, a palavra método, ou caminho certo e seguro, tinha ainda um sentido vago. Mas se pudéssemos resumir seu significado final, diríamos que o bom método é aquele que permite conhecer verdadeiramente o maior número de coisas com o menor número de regras; ao menos esse era o pensamento de Leibniz. Quanto maiores a generalidade e a simplicidade do método, quanto mais puder ser aplicado aos mais diferentes setores do conhecimento, melhor será. O método acima referido será sempre considerado matemático, apesar de que nem sempre faremos uso da aritmética, álgebra e geometria para o conhecimento de todas as realidades. O método procura o ideal matemático, ou seja, ser uma mathesis universalis. Isto significa duas questões: que a matemática é tomada no sentido grego da expressão ta mathema, isto é conhecimento completo, perfeito, e inteiramente dominado pela inteligência - aritmética, geometria, álgebra são matemáticas – pois dominam completa e intelectualmente seus objetos. E em segundo, que o método do conhecimento completo possui dois elementos fundamentais de todo conhecimento matemático: a ordem e a medida. No Renascimento, o conhecimento era pensado a partir da noção de semelhança e diferença. Tinha caráter descritivo e interpretativo. Afirmar pois que se conhece pela causa significava afirmar que a inteligência era capaz de discernir a identidade e a diferença no nível da essência invisível das coisas. A ordem e a medida teriam assim a função de produzir esse discernimento; por isso, eram aceitos como o núcleo do método e da mathesis. Logo, conhecer é relacionar. Relacionar é estabelecer um nexo causal. Estabelecer um nexo causal é determinar quais as identidades e quais as diferenças entre os seres. A medida oferece o critério para essa identidade e essa diferença. A ordem é o conhecimento do encadeamento interno necessário entre os termos que foram medidos, isto é, estabelece qual o termo que se relaciona com outro e em qual seqüência necessária, o que permite a passagem do conhecido ao desconhecido. A ordem é essencial ao método por três motivos: porque a primeira verdade de uma série é conhecida por uma intuição evidente, a partir da qual será colocada a medida e esta depende da seriação dos termos feita pela ordem. O segundo motivo aponta que os conhecimentos das totalidades complexas são conhecimentos de séries diferentes, cujas relações só podem ser estabelecidas se cada série estiver corretamente ordenada. O terceiro motivo revela que a ordem permite a relação entre um primeiro termo e um último cuja medida pode não ser a mesma, mas a relação pode ser feita porque a ordenação foi fazendo aparecer entre um termo e outro uma medida nova que encadeia o segundo ao terceiro e sucessivamente. Percebemos aqui um interesse especial sobre a categoria da quantidade. A quantidade não é o centro de interesse do pensamento filosófico escolástico; assim, a medida não é uma obsessão daquele pensamento, o que justifica os fundamentos metafísicos na análise ontológica. A metafísica, por ser a ciência do ser, não pode ser concebida sob medida. A Filosofia Moderna rompe com tal postulado. A medida é tão significativa quanto a ordem, mas ela deve ser vista a partir do dito “a dose certa na hora certa”. Nada de excesso ou de escassez. O método universal da ordem e da medida pode ser analítico ou sintético. No analítico, vai-se das partes ao todo ou do particular ao universal, preferido por John Locke. No sintético, vai-se do todo às partes ou do universal ao particular, preferido por Baruch Spinoza. Ou uma combinação de ambos, conforme as necessidades próprias do objeto de estudo, preferido por Leibniz. O método pode também ser definido como dedutivo pelos racionalistas intelectuais, que partem das idéias para as sensações. Neste caso, ele é próprio para objetos que já existem idealmente e que são construídos inteiramente pelo nosso pensamento. É o processo de descobrir o que é verdadeiro com base no que já se sabe que é verdadeiro. Esse método é próprio da matemática. Na inversalidade está o método indutivo desenvolvido pelos racionalistas empiristas, que partem das sensações para as idéias. Ele visa a tirar conclusões gerais a partir de indícios particulares. Ora, se certas coisas são verdadeiras no particular, podemos induzir que outras da mesma espécie serão verdadeiras em geral. Esse método é próprio das ciências naturais que observam seus objetos e realizam experimentos. Essa diferença repercute no conceito de intuição, considerado por todos como o ponto de partida da cadeia dedutiva ou da cadeia indutiva: no primeiro caso, a intuição é uma visão puramente intelectual de uma idéia verdadeira; no segundo caso, a intuição é sensível, isto é, visão ou sensação evidente de alguma coisa que levará à sua idéia. Apesar dessas diferenças, o que se deseja com o método é conhecer antes de tudo a causa da essência, é conhecer como se dá a representação de um determinado objeto, ou ser. Conhecer pois significa corresponder o conceito à coisa representada.
O FILOSOFAR EM DESCARTES
René Descartes, francês da Bretanha (1596-1650), é considerado o pai da Filosofia Moderna. Seu início de atividade foi marcado por um ceticismo evidente, talvez devido a seu apego à idéia de que não tinha certeza de nada e, ao mesmo tempo, ansiava conhecer a partir de suas faculdades racionais. Descartes procurou sistematizar seu pensamento através de um método eficaz a partir do qual seria possível conhecer. Para ele, o conhecimento se deduz das primeiras causas. Por isso há a necessidade de se começar a pensar o conhecimento obedecendo a duas condições fundamentais: a primeira é ter um princípio tão claro e evidente que não haja qualquer possibilidade de dúvida de sua verdade, e uma outra que o conhecimento das coisas deve depender do princípio anterior para deduzir esse conhecimento das coisas. Partindo dessa percepção racional, Descartes inicia sua organização do Discurso do Método, esboçando quatro regras básicas: aceitar somente idéias claras e definidas; dividir cada problema em tantas partes quantas forem necessárias para a sua solução; ordenar o pensamento do simples ao complexo, e verificar exaustivamente se há algum lapso. Ele afirma o seguinte: por desejar ocupar-me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida... Enquanto eu queria pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa, e, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava. O cogito ergo sum cartesiano leva à suposição de que a essência do ser era o pensamento, e que a mente era algo separado do corpo. Mas, como algo separado do corpo e, por conseguinte, do mundo externo, podia conhecer os objetos? Não estaria Descartes adotando uma postura dualista platônica? De fato, para ele, a alma é uma substância distinta do corpo, mas os dois trabalhavam como dois relógios sincronizados. A filosofia primeira cartesiana não é uma ciência que prioriza o conhecimento de objetos específicos. Se ela demonstra a existência de certos objetos é porque somente por meio deste conhecimento é possível fundamentar as outras ciências. Esta sua filosofia partia da certeza de que ele existia e se ele existia, Deus também existia, pois se a existência de Deus era possível, mais ainda o conhecimento. Sua solução para a questão epistemológica sobre o que podemos conhecer tornou-se uma corrente filosófica chamada de Racionalismo, ou a crença de que a mente é capaz de conhecer coisas mesmo sem experiência. Assim, o pensar cartesiano se direciona para a metafísica. A metafísica visa fundamentar o saber. O saber porém não é o fundamento da verdade. A verdade, na verdade, é uma relação entre pensamento e objetos. A idéia de saber envolve relação entre a verdade e a certeza de que algo é verdadeiro. A certeza é apenas um estado do sujeito. Logo, fundamentar o saber significa evidenciar dois aspectos, a verdade e a certeza. Evidenciar a verdade e a certeza é o objetivo do método cartesiano que tem sua gênese na fundamentação dos primeiros princípios por si evidentes. Eles não se apoiam em qualquer outro princípio, e enquanto evidentes dispensam qualquer outra demonstração. Assim, o método cartesiano passa a duvidar de todos os gêneros de conhecimento para encontrar um princípio que, se colocado ainda em questão, acarretaria uma contradição. Se no entanto um princípio é indubitável e não acarreta contradição, não pode ser negado e pode assim ser considerado justificadamente como um primeiro princípio. O método dedutivo, físico-matemático, quantitativo-mecanicista de Descartes fundamentado na dúvida coloca em questão os saberes sensíveis, a imaginação e, por fim, a própria razão. Dessa dúvida radical emerge um enunciado fundamental e indubitável: eu penso. Só o ato de pensar, a consciência viva desse pensar é indubitável, e nesse mesmo ato encontra-se o desejo de provar a existência de Deus. A dúvida cartesiana sem a inserção da questão sobre a existência de Deus e sua prova irrefutável gera o ceticismo. Ora, a idéia de Deus perfeito deve ter uma causa. Mas como somos imperfeitos, não podemos ser essa causa, de maneira que Deus deve ser a causa de nossa idéia da perfeição dele.
O PENSAR FILOSÓFICO SEGUNDO LOCKE
John Locke (1632-1704) é um pensador que nos proporciona uma teoria do conhecimento interessante e diversa de Descartes. O Empirismo, em contraposição ao Racionalismo na Europa do século XVII, estava crescendo cada vez mais. Locke assume o Empirismo como forma válida de atingir o conhecimento. O Empirismo seria o fundamento de como aprendemos o que sabemos. Nossos conhecimentos (idéias) derivam da experiência. Há um fenômeno do pensamento, onde as idéias que temos são representações derivadas da experiência, ou seja, não há idéias inatas. Para ele, os sentidos e a mente funcionam em conjunto para transformar a experiência em entendimento. Mas, a experiência ocorre de maneira dupla, uma externa que ocorre através das sensações e nos proporciona um representar dos objetos chamados externos (cheiro, cor, e etc); e uma interna, reflexiva, e nos proporciona a representação das operações feitas pelo espírito sobre os objetos (conhecer, querer, e etc) Locke ainda desvela que nosso entendimento é feito de impressões, idéias, sensações e reflexões, interagindo entre si, e proporcionando o nosso pensar. Mesmo idéias imaginárias, fruto de nossos sonhos formam-se a partir de experiências reais. Com a idéia do entendimento enquanto objeto para si próprio e o sujeito de conhecimento objeto de conhecimento, a filosofia moderna inicia a Teoria do Conhecimento. Locke ainda defende a tese da mente como um papel não escrito, uma tabula rasa. A medida em que alguém vai experienciando sons, imagens, cores, sentindo os objetos, ele vai aprendendo sobre tais coisas. Assim, a experiência e a observação são como a caneta que preenche o papel vazio, a mente humana. Neste caso, Locke reformula a idéia aristotélica de que os objetos que percebemos estão na verdade dentro de nossas mentes quanto os percebemos. Para Locke, sabemos das coisas somente porque nossas percepções produzem a partir delas sensações das quais formamos idéias. Um dos problemas do pensamento de Locke diz respeito ao fato de que ele afirmava a existência da idéia de substância, embora o nosso conhecimento empírico e racional seja obtido pelas nossas impressões. Se as substâncias não podem ser assimiladas por nosso cérebro, e Locke assume que só conhecemos o que a experiência nos ensina, então como ele pode ter certeza de que a substância existe? Além dos problemas gnosiológicos, Locke se interessou pela Política e Pedagogia.
A ILUSTRAÇÃO (ILUMINISMO) E A ATIVIDADE RACIONAL
O século XVIII, na Europa, é marcado pela libertação da razão de tudo o que fosse irracional, a saber: a tradição, a autoridade, a religião, o mito e os preconceitos. O progresso da humanidade podia finalmente ser plenificado através da ciência e da filosofia que instrumentalizando as luzes da razão podiam levar adiante os anseios existenciais da humanidade. Esse período é denominado de Iluminismo ou Ilustração. Ilustração é uma expressão alemã Aufklarung para significar a saída do ser humano de sua menoridade para sua maioridade. Essa saída é realizada por meio de um movimento cultural desenvolvido entre a revolução inglesa (1688) e a revolução francesa (1789). De nome Iluminismo, refere-se ao próprio objetivo do movimento de iluminar a sociedade da época com a razão contra o Obscurantismo da história e das tradições política e religiosa. Ora, a Reforma Luterana retrocedeu o pensamento cristão à sua época inicial. O Humanismo e a Renascença remontaram ainda mais atrás, até a civilização pagã. O Racionalismo enquanto método crítico demoliu a estrutura do pensamento cristão tradicional. O Empirismo, por sua vez, promoveu a reconstrução da percepção da realidade através de elementos primitivos mediante o mecanicismo e o associacionismo. Mas, desses movimentos e correntes, nada se compara ao Iluminismo. A característica do Iluminismo é o culto à deusa razão, que deve dominar absolutamente todas as instâncias da sociedade, provocador de guerra a tudo que não seja puramente racional, como fantasia, paixão e sentimentos. É preciso demolir tudo para implantar o reino da razão. Kant revela com bastante clareza essa época: entretanto, nada além da liberdade é necessário à ilustração; na verdade, o que se requer é a mais inofensiva de todas as coisas às quais esse termo pode ser aplicado, ou seja, a liberdade de fazer uso público da própria razão a respeito de tudo. A vitória das Luzes sobre o Obscurantismo Medieval pode ser visualizada como o fato de que ela passa pela instalação do sol em seu verdadeiro lugar. Daí para frente, a luta seria cada vez mais facilmente realizada. Surge logo em seguida o projeto da Enciclopédia, esforço coletivo entre pensadores filósofos e cientistas visando difundir e solidificar o novo pensamento tornando-o acessível ao povo. Os enciclopedistas concebiam a natureza como um grande processo criativo, com o ser humano sendo parte de um todo. Além disso, apontavam a necessidade de mudanças principalmente no aspecto cultural da Europa. Entre os grandes enciclopedistas, temos Quesnay, Buffon, D´Alembert, Rousseau, Voltaire, Montesquieu e Diderot. A Enciclopédia da ciência, arte e ofícios foi lançada em 17 volumes e concluída sob a coordenação de Diderot. Promotores da humanidade, os enciclopedistas também defendiam as idéias iluministas. Entre as mais importantes temos a defesa do homem como ser não depravado por natureza; o objetivo da vida é a própria vida, mas não a vida após a morte; a condição essencial para bem viver na terra era libertar o ser humano de sua ignorância e superstição, bem como dos poderes arbitrários do estado; a evolução para se chegar à perfeição humana é condição fundamental; tudo é interligado e é parte de um grande esquema de uma providência benevolente. Finalmente, a razão se impõe como fundamento da humanidade e instrumento luminar da ação humana. Mas seria essa razão capaz de controlar os anseios humanos de domínio em relação ao universo e a seus próprios semelhantes? A razão tornada uma espécie de deusa teria força suficiente para implantar no coração do ser humano princípios morais capazes de preservar a espécie humana de guerras e desavenças, lutas de conquistas e de colonização? Estariam os sentimentos humanos condenados à repressão para sempre? As leis do Estado estariam subordinadas à razão ou à vontade geral? Se por um lado o Iluminismo libertou a humanidade do Obscurantismo, por outro, fez o ser humano tornar-se sujeito absoluto dos rumos da humanidade avançando os próprios limites e assumindo e auto-denominando o novo dono do mundo.
A ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO KANT
O pensamento contemporâneo se inicia com Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão considerado o pensador mais influente dos tempos modernos. Kant fornece uma síntese crítica e especulativa, fundindo os dois fenômenos, razão e sensação, em um superior, o Idealismo, que é denominado por ele de Criticismo. Essa síntese explicita uma concepção sistemática imanentista e humanista do mundo e da vida de sua época. Tal pensamento vai até Hegel. Immanuel Kant é um grande pensador. Segundo ele, a atividade filosófica deve considerar a razão, mas também deve levar em conta as sensações. Ao ter esse princípio como fundamento de seu pensamento, ele volta sua atividade para a organização de um pensamento crítico diante dos problemas do conhecimento. Os estudos de Kant fizeram-no perceber aparentes contradições nas ciências físicas da época. Ele também percebe certa contradição nas ilações feitas por Hume em sua análise do princípio de causa, onde aponta que a relação de causa e efeito é uma coincidência e não um conhecimento verdadeiro, conforme havia dito Leibniz. Por esta razão, Kant decide tecer uma crítica sobre a experiência humana do conhecimento a fim de solidificar as verdades metafísicas que o ceticismo de Hume havia demolido. Hume havia revelado que não podemos ter nenhum conhecimento metafísico da realidade.Entre Leibniz e Hume, Kant confronta com mais profundidade o pensamento de Hume. Este havia afirmado que nada podemos conhecer sem a experiência, além de termos de julgá-la para então compreendê-la. Por isso, o conhecimento estava reduzido ao mundo real. Além disso, a mente ainda deveria “apelar” à associação dos objetos reais para que houvesse o mínimo de conhecimento. Kant inverte a idéia empírica de submissão do conhecimento à experiência. Não é o conhecimento que deve se conformar com os objetos, mas os objetos é que devem se conformar com o conhecimento, pois os objetos são organizados pelo conhecimento. Para superar esse problema, Kant afirma que o conhecimento é constituído de forma e matéria. A matéria são as coisas em si e a forma somos nós com nossa percepção a priori das coisas. Immanuel Kant tinha também uma preocupação com a metafísica. Sua rejeição à metafísica “tradicional”, presa a rigorosos dogmatismos sem antes pensar o que de fato o ser humano era capaz de conhecer, fê-lo tecer novos fundamentos para a metafísica. Seu pressuposto parece bastante válido pois percebia o homem como um ser desejoso de conhecer as coisas para além da experiência. A alegação de Kant é um bom início de nossa reflexão: o ser humano em sua ânsia de conhecer enfatiza a questão fundamental da vida: o que é o ser humano? Em sua Crítica da Razão Pura ele destrói a metafísica tradicional e a reconstrói sob novas bases racionais. Ora, o homem possui uma natureza metafísica, pois relaciona-se com o ser e não se desenvolve se não for a partir de sua compreensão do ser. O problema surgirá quando Kant tentar conciliar Racionalismo e Empirismo, Idealismo e Realismo. No Realismo, conhecer os objetos é apreendê-los como realmente são em sua existência independente da mente. Conhecer algo é assumir entre vários conceitos o mais adequado a tal coisa, ou seja, a essência. Ao contrário do Realismo, temos o Idealismo. Para ele, as coisas existem conforme a construção da mente; tudo que existe é conhecido através de idéias ou como idéias. O Racionalismo tem na razão sua fonte do conhecimento. Ora, há uma classe de verdades que o intelecto pode intuir diretamente, e que está além da percepção sensível. Na contraposição está o Empirismo, onde todo conhecimento vem da experiência sensível. Para Kant, conciliar essas quatros concepções do conhecimento era fundamental para seu postulado. Sua atividade filosófica presume a organização do pensamento, percebendo que o problema da percepção das coisas pelos cientistas era muito semelhante ao de como os metafísicos conheciam coisas sobre idéias abstratas tais como a justiça, a honestidade, a moral. Segundo Kant, o ser humano parte de dados para fazê-los juízos. Inicia-se aqui sua idéia de que a razão pura é a que contém os princípios que servem para conhecer alguma coisa a priori. Para tanto, ele usa proposições analíticas e sintéticas. As proposições analíticas só explicam as palavras, enquanto que as sintéticas explicam as coisas para além das palavras. Além disso, ele assume outros dois termos fundamentais, o conhecimento a priori, que vem antes da experiência e torna a experiência possível; e o conhecimento a posteriori, que ocorre a partir da experiência. Na filosofia da época kantiana, os juízos analíticos eram perfeitamente concebíveis, mas o que dizer dos juízos sintéticos a priori? A filosofia de Hume não acreditava na possibilidade do conhecimento que ultrapassava os limites do objeto real em si. Mas Kant insistia que o conhecimento sintético a priori era possível. O conhecimento nesse aspecto era o resultado de uma síntese entre experiência e conceitos. Ora, sem os sentidos, como perceberíamos os objetos? Mas sem o entendimento, como formarmos conceito de um dado objeto? Logo, era necessário a interação entre sensibilidade e razão para ocorrer o “conhecer”. É necessário que o mundo numênico (realidade em si) e o mundo fenomênico (aparência) interajam em vista do conhecimento, visto que a coisa em si – noumenon, era incognoscível. Ultrapassar os limites de seu método levaria inevitavelmente a falácias e paradoxos. Por isso, o emprego da razão devia se dar na esfera prática, conhecendo o mundo, organizando sob a forma a priori de tempo e espaço nossa percepção sobre ele. Tempo e espaço no pensamento kantiano deve ser pensado como formas que alguém põe nas coisas, e não como uma realidade externa.
A REVOLUÇÃO COPÉRNICA EM METAFÍSICA
O pensamento kantiano toma como exemplo a idéia copérnica de, ao invés de deixar a natureza dos objetos penetrar a mente do observador, é melhor o observador girar ao redor do objeto para conhecê-lo. Interpretamos esse girar ao redor como um intuir o objeto como um todo. Assim, não seria o objeto que estaria tecendo o conhecimento, mas o conhecimento a priori é que estaria regulando a natureza. Neste caso, é necessário aceitar as palavras de Kant, onde a experiência é um modo de conhecimento que exige o concurso do entendimento cuja regra em mim próprio eu tenho de pressupor antes de os objetos me serem dados por conseguinte a priori, e essa regra exprime-se por conceitos a priori pelos quais todos os objetos da experiência devem necessariamente regular-se e com os quais têm de harmonizar-se. Ora, a filosofia necessita de uma ciência que determine a possibilidade, os princípios e a extensão de todos os conhecimentos a priori, e a ciência que busca resolver questões relacionadas à possibilidade, princípios e a extensão do conhecer a priori, bem como questões sobre Deus, liberdade, imortalidade é a metafísica. Apegar-se aos postulados metafísicos é acreditar na possibilidade da apreensão do conhecimento a priori para ampliar a apreensão do objeto conhecido a posteriori. Finalmente, ao estabelecer o problema fundamental do conhecimento, fazia-se necessário uma segunda Crítica, a da Razão Prática. Talvez uma ciência da Ética? Kant aponta então elementos puramente racionais nos juízos morais. A única moralidade verdadeira é a ditada pelo raciocínio. Nas palavras do próprio Kant, esse axioma era chamado de Imperativo Categórico. Kant acreditava que nenhum ato realizado em interesse próprio era virtuoso. Seu imperativo pode ser resumido da seguinte forma: proceda em todas as suas ações de modo que a norma de seu proceder possa tornar-se uma lei universal.
O PENSAMENTO DE HEGEL E O “FIM” DO FILOSOFAR
Um dos mais importantes seguidores de Kant chama-se Friedrich Hegel (1770-1831). As idéias kantianas de unidade de ação, de simultaneidade existencial entre o noumenon e o phenomenoun ajudaram Hegel a repensar o conceito de História. Sua atividade racional rejeitou a existência da coisa em si e o mundo numênico de Kant, pois o inacessível ao conhecimento colocava, na opinião de Hegel, em xeque as próprias leis de Kant sobre os limites do conhecimento. Hegel defendia que tudo o que é, é cognoscível. Assim, o real é racional, e o racional é real. Feita de conexões de fatos e objetos, a realidade era um todo que formava a idéia absoluta. Podemos comparar a realidade no pensamento de Hegel como um “quebra-cabeça” que a consciência constrói. Hegel então propõe a filosofia do devir, do ser como movimento. Como o ser em movimento provoca contradições, Hegel traz para o cenário da sua estrutura filosófica uma nova lógica, fundada em princípios dinâmicos ou em categorias do entendimento kantiano, mas mutáveis e conflitantes, ao mesmo tempo que em constante interação. O processo da nova lógica é a dialética, que ocorre na prática quando uma idéia, a tese, entra em conflito com seu oposto, a antítese. Da oposição entre a tese e a antítese surge a síntese que abrange ambas. Ora, Hegel assume que a verdade é o resultado final do desenvolvimento do espírito, a síntese é redefinida como tese com uma nova antítese e síntese e, assim, sucessivamente e infinitamente até a idéia absoluta ser atingida. Com a estrutura dialética pensada, Hegel demonstra como a realidade se desdobra ao longo do tempo à medida que a mente vai estruturando seu próprio pensar. Mas, o que isto quer dizer? Hegel nos dá a resposta: o mundo é a manifestação da idéia. Ora, se o mundo é a manifestação da idéia, então o nosso pensar o mundo é na verdade pensar o pensamento. O desenvolvimento progressivo desse pensar dialético conduz a pensares mais profundos. De fato, o mundo é a idéia construída pela mente. Para melhor visualizar a questão, vejamos como exemplo a relação entre o ser e o nada, donde o ser é a tese e o nada é a antítese. Surge necessariamente uma terceira categoria que abranja ambas as anteriores, a síntese, denominada de devir (vir-a-ser). Como ponto de partida do devir, Hegel assume a idéia lógica. Em oposição a ela propõe a natureza, pois a natureza representava a idéia fora de si, alienada, ou o mundo sem consciência. O conflito entre essas duas categorias é solucionado momentaneamente na esfera do espírito, ou idéia que toma consciência de si através da natureza. Então, a história é o exercício do espírito através do tempo, ou a marcha da razão. A história é um emaranhado de fatos e objetos em relação dinâmica de contradição. O pensamento sistemático de Hegel pode ser assim resumido: a mente constrói a realidade. Acha que a realidade está fora, independente dela. Assim, ela está alheia a si mesma. Então vê que a realidade é criação sua. Aí conhece a realidade tão claramente quanto se conhece. A realidade e ela são uma coisa só. Esse auge do pensar hegeliano é visto também como auge da História da Filosofia e, portanto, denominada de o “fim” da filosofia. Em seu sistema ele se pretende finalmente chegar ao conhecimento absoluto do absoluto. A filosofia é desde então vista como o verdadeiro saber porque dialético, genial, lógico, consistente e elucidativo sobre nossas reais capacidades de conhecer a idéia absoluta, a verdade que sempre almejamos apreender.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO MODERNO
O Renascimento trouxe para o centro das reflexões uma ruptura radical frente ao pensamento cristão. As preocupações especulativas desde então apontaram suas baterias carregadas de questionamentos filosóficos com respostas nem sempre alcançáveis ao pensamento humano. Neste sentido, René Descartes é um profeta do conhecimento pleno. Sua dúvida sobre a certeza do conhecimento pleno do ser fê-lo chegar a idéia fundamental de que a dúvida é a certeza de um conhecimento livre de qualquer erro da lógica. Assim, podemos assumir como o centro de nossa atividade filosófica a dúvida sob a fantasia do questionamento. Ora, a pergunta é um instrumento necessário para evitar que o pensamento se interrompa em seu processo de apreensão do conhecimento. As perguntas são, nas palavras de Walter Oman Kohan, como phármakon, porque procuram dissolver crenças e superstições. Sendo phármakon, elas são também terapêuticas porque instauram a autarquia de quem as pergunta; elas são antídotos contra os dogmas que se pretende impor como verdades. Mas não somente Descartes é profeta. Immanuel Kant, ao valorizar razão e sentido, criticando posturas particulares, dogmáticas e reducionistas de certas correntes filosóficas, coloca-nos num grau elevadíssimo do pensar humano. Com nosso raciocínio envolvido nesse grau, a prática do nosso pensar trabalha os limites, as fronteiras do conhecimento possível, permitindo “olhar” o mundo como se sempre fosse a primeira vez. Por isso, para o ser humano enveredar nas atividades filosóficas é preciso perder algo da fé nas aparências, nas rotinas, nos dogmas para que não seja aceita nenhuma verdade que não seja especulada, problematizada e pensada limitar nosso conhecimento. Hoje, distante dos idos séculos do das Luzes ainda podemos desfrutar das conquistas que a vitória da razão trouxe para a humanidade. Daquela época até nossos tempos, o ser humano vem enfatizando cada vez mais a não clausura do pensamento e o permanente compromisso de manter aberta a questão do sentido de nossas vidas. O permanecer em aberto as questões fundamentais de nossas vidas remonta a Hegel que, em sua feliz apreciação acerca da história, revela que ela ensina que nunca aprendemos com ela. Talvez isso tenha duas verdades aparentemente paradoxais. A primeira verdade é a que nossa alienação permanente diante dos fatos ocorridos é uma realidade pois os fatos históricos se repetem porque somos incapazes de alterá-los ao longo do caminhar temporal. A segunda verdade é a que não ocorre esse repetir, mas o recolocar no centro do caminhar temporal as mesmas questões feitas há milhares de anos atrás para que, quem sabe com novos postulados categóricos, com novos dados da história e das ciências, possamos responder finalmente a grande pergunta kantiana: o que é o ser humano? Se assim fazemos então estamos fazendo filosofia, ou seja, estamos dialogando com uma tradição que já tem mais de 25 séculos no Ocidente.CAP. VIII: FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
DE KARL MARX A HEGEL
Karl Marx (1818-1883) é um crítico voraz de Hegel. Em Hegel, vimos que a realidade é a razão ou idéia. Esta é sua tese ontológica; a idéia determina, organiza e origina a realidade. Marx interpreta o pensamento de Hegel a partir de duas questões. A primeira, Marx pensa o homem como razão ou autoconsciência. A segunda questão refere-se á interpretação da história, que é feita, conforme Hegel, pela idéia. No pensamento hegeliano, a realização libertadora da história se dá via Estado, pois este é a realização plena na idéia. A estruturação sociopolítica e o viver humano eram algo racionalmente organizado. Marx, entretanto, questiona esta segunda tese ao apontar que a existência do proletariado contradiz a realidade da razão. A primeira tese também é refutada por Marx quando diz que o proletariado não parece realizar suas potencialidades conforme pretendia a razão; mas, ao contrário, ele configura como a negação da sua realização. Assim, obtemos como resultado três inversões. Ao invés da realidade da razão, temos a realidade da falsidade, a realidade do direito transforma-se em realidade da injustiça, e a realidade da liberdade passa a ser a realidade da escravatura. A filosofia, na visão de Hegel, confunde-se com uma teoria que pensa e especula a realidade a fim de compreendê-la enquanto discurso. Mas, Marx vê essa filosofia como ideologia que fundamenta uma determinada ordem social. Karl Marx lança mão de uma nova postura sobre a filosofia, a fim de superar seu caráter teórico para se tornar praxis. Neste ponto, é preciso introduzir uma nova tese que vá além do pensamento hegeliano de desenvolvimento do espírito humano através da história sob a “batuta” do Estado. A fundação de um novo pensar significaria pois colocar em xeque o papel da filosofia. Para Marx, os filósofos só interpretavam o mundo. A questão principal, no entanto, era como mudá-lo? Logo, ele propõe um novo pensar, uma base material à dialética hegeliana. Seu pensamento não difere em sua essência do pensamento de Hegel, apesar da inversão na aparência. Para este, o pensamento cria o real, enquanto que para Marx, o ideal é o material tornado pensamento no homem. Ele apenas substitui o espírito do sistema hegeliano por uma compreensão real da natureza, do trabalho e também da economia. Essa nova postura é uma evidente crítica à dialética idealista de Hegel. Marx propõe a desmistificação do conceito hegeliano de dialética a partir da tese de que a natureza não é o resultado ou produto de algo prévio ou distinto dela (espírito), mas é originária. A totalidade neste sentido é a produção da vida como um todo e não o somente todo racional. Essa totalidade se apresenta toda contraditória, sendo necessário um novo sistema dialético para superá-la, é a dialética material. Marx percebe a natureza como um princípio em categorias sociais, em especial nas relações homem versus homem. Ora, o materialismo marxista vê a realidade como o processo dialético material, uma ação produtiva do homem consigo mesmo, e dele com a natureza, com suas forças próprias. Marx via o relacionamento do homem com a matéria, com a natureza como um todo. Compreender essa relação era fundamental para a análise do desenvolvimento da sociedade. Assim, na perspectiva marxista, o pensamento sobre o homem é fundado em princípios da relação econômica. O modo de produção é, diferentemente de Hegel, a força determinante da história. Então, o materialismo marxista é uma contraposição ao idealismo hegeliano. Marx vê a natureza como algo fora da mente humana, e o homem faz parte da natureza. A interação dinâmica entre o homem e a natureza ocorre via dialética da história. O comentário de Osborne sintetiza essa tese: trabalhando a natureza, o homem produz conhecimento, que, por sua vez, produz mudanças quantitativas e qualitativas no desenvolvimento. Essas mudanças referem-se a três estágios sociais, a consciência primitiva, onde a natureza domina o homem; a alienação, onde a propriedade privada cresce e a natureza se torna apenas um objeto; e a realização, que acontece com a abolição da propriedade privada. A conclusão de Marx é precisa: não é a consciência das pessoas que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua consciência.
ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo bastante complexo, é importantíssimo na história do pensamento humano, afinal, sua proposta quer que o homem abandone todos os seus pontos de apoio e viva intensamente sua vida, mesmo que corra riscos e perigos. Ora, Nietzsche rejeitou o Cristianismo, a moral universal, as idéias de Kant, de Rousseau, o pensamento de Mill. Suas idéias exigem a superação a todo momento de todo e qualquer pensar que prenda o homem a estruturas predeterminadas e determinantes de um tipo de ser padronizado. É preciso superar o próprio ser. Eis o ponto fundamental de Nietzsche. Em Assim falou Zaratustra, ele demonstra o que quer: ensino-vos o super-homem...o homem é algo a ser superado. O homem é uma corda que liga o animal ao super homem, uma corda sobre um precipício...O que é maravilhoso no homem é que ele é uma ponte e não uma meta. Portanto, a realidade é o limite onde o ser humano deve investir seu pensar a fim de superar os dramas de uma vida humana condenada ao fracasso. O ser humano que deseja superar os limites da realidade deve investir no Além-homem, criando autênticas atitudes filosóficas, posicionando-se diante de questões cruciais, superando idéias e valores vigentes incapazes de garantir a felicidade humana.
A FILOSOFIA EXISTENCIAL: NOVO PARADIGMA DE CONCEBER E FAZER FILOSOFIA
A Fenomenologia surgiu por volta do século XIX. Nascida de dois termos gregos, o phainomenon e logos. Ela é o discurso daquilo que se mostra, ou a descrição objetiva dos fenômenos. Desenvolvida por Edmund Husserl (1859-1938), o método examina a relação entre o mundo, de um lado, e os sentidos que experimentam o mundo, de outro lado. Em Husserl, o mundo fenomênico kantiano é posto em evidência de maneira mais detalhada. Neste aspecto, há uma tentativa de superação da dicotomia razão-experiência no processo de conhecimento. Então, o pensamento fenomenológico postula que não há pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo, toda consciência é consciência de alguma coisa. Ao mesmo tempo, não há objeto em si, já que o objeto só existe para um sujeito que lhe dá significado , o que implica no conceito da intencionalidade, conforme afirmara o alemão Franz Brentano (1838-1917). Assim, a fenomenologia de Husserl vê o mundo físico e a consciência humana individual como partes interligadas de uma relação única. Ora, o conhecimento da própria consciência, para Husserl, é a única coisa certa que podemos demonstrar. Assim, o método quer transcender os objetos propriamente ditos para focalizar a experiência em si. Esse fundamento radical é de caráter eidético, ou essência da experiência. No fenômeno – dado imediato – é contida a sua essência ¬– eidos=forma – cuja intuição originária e imediata é feita pela fenomenologia. Os fatos em si são deixados para a psicologia pensar. Cabe, no entanto, à fenomenologia, conhecer e dissertar sobre o mundo eidético, prescindindo os elementos psicológicos, existenciais e subjetivos. Caminhando por essa via, surgem as estruturas lógicas do pensamento que nos fazem chegar à essência. Daí, a denominação intersubjetividade transcendental, que exige uma consciência transcendental. Por intersubjetividade transcendental entendemos as essências e significados que são dados às coisas por uma determinada pessoa, que tem um aspecto semelhante com os das outras pessoas. No entanto, não ficou Husserl preso a um caráter puramente descritivo do seu método fenomenológico, reduzindo o filosofar ao como são as coisas, ignorando o porquê delas? Então seria essa descrição um olhar apurado da realidade e, portanto, da nossa própria consciência? Ora, a consciência individual é livre para ver por si própria as coisas. Por isso, Husserl enfatiza o objeto intencional da consciência. É o objeto, e não necessariamente real ou material, que o pensamento tem por alvo. A consciência individual, por sua vez, acaba abrindo portas para o existencialismo.
FILOSOFIAS EXISTENCIAIS O Existencialismo é uma das mais importantes concepções filosóficas do século XX. Entre os pensadores mais destacados, temos Heidegger, discípulo de Husserl, Kierkegaard, Sartre e outros. Ora, o Existencialismo busca nos limites da experiência tecer uma crítica ao Racionalismo Imanentista e ao Historicismo Hegeliano, enucleando a contingência e a irracionalidade humana, bem como o pessimismo contemporâneo. Como ponto de partida de nossa reflexão existencialista, podemos pensar que o ser humano tem de comum com os demais seres o fato de que ele simplesmente é. A planta é, o animal é, a pedra é. Nós também somos. Portanto, bastaria ser, efetivamente, para existir! Ora, Kierkegaard fundamenta seu pensamento na teoria da angústia, onde ele soluciona o problema filosófico através da transcendência cristã, mas mediante um conceito de fé irracional, sem vínculos com a filosofia. Ora, Kierkegaard assume que a existência do mal e do pecado é inerente ao ser humano. Ora, do pecado surge a angústia, da angústia o desespero e do desespero a fé e, portanto, a redenção e a salvação mediante a graça divina. É neste ponto que é pensada a idéia da fé irracional pois parece um entregar-se desesperado no transcendental. Nele, o indivíduo é um ser que para existir necessita agir e escolher. Para compreendê-lo é preciso quatro pontos fundamentais, a saber: Kierkegaard rejeitava o idealismo hegeliano; para ele, o indivíduo explora o mundo da inteligência e da sensualidade; o indivíduo precisa explorar o mundo das responsabilidades morais; depois dessa busca, ele pode chegar à essência da subjetividade. Sua filosofia estava, portanto, baseada na importância da escolha individual. Neste aspecto, critica Hegel por ter fundamentado sua filosofia num pensamento abstrato e impessoal, ignorando as pessoas na sua realidade experiencial. Kierkegaard considera importantíssimo uma existência significativa. Este pensador ainda vê uma segunda falha no pensamento hegeliano: é o querer explicar todas as coisas. Para Sören, as coisas não devem ser explicadas mas vividas pois o ser humano é dotado de subjetividade. A busca da verdade é uma busca parcial e particular porque ela revela a existência passada e a possível, que diferem da existência real. O mais importante é a verdade da própria situação humana, subjetiva em si onde e tão somente o ser humano é capaz de conhecer. Um outro filósofo que influenciou bastante os existencialistas foi Friedrich Nietzsche. Apesar de já termos comentado um pouco sobre ele, há alguns pontos que deixamos para esse momento, que oportunamente temos o prazer de analisar. Este filósofo é conhecido por suas divagações complexas, tais como a morte de Deus, o mito do super-homem, e influências sobre o Nazismo. Influenciado pelo ateísmo e pelo anti-racionalismo de Schopenhauer, pregava a idéia de que a individualidade não deveria ser definível, porque fazê-la significaria impor limites ao indivíduo. No entanto, acreditava o filósofo, que o indivíduo era capaz de evoluir para algo melhor do que a concepção atual de indivíduo. Esse indivíduo superior é, em seu pensamento, o super homem. Uma outra postura de Nietzsche é a razão do pensamento. Para ele, o pensamento não tem a função de descobrir a verdade, mas de garantir a sobrevivência. Por isso, a objetividade do pensar dá lugar à subjetividade, transvalorizando as coisas ou dando novo significado a uma idéia antiga. Ainda há um outro aspecto pensado por Nietzsche. É a necessidade de olharmos além do bem e do mal, caso queiramos realizar o potencial humano. É a superação e o desprezo à identidade de rebanho. Pois um indivíduo deve viver para si próprio, e obedecer à própria vontade. Temos ainda o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), um dos primeiros existencialistas de que temos notícia. Discípulo de Husserl, modificou o pensamento de seu mestre transferindo da consciência para o “ser” a fonte capaz de perceber a realidade. Para Heidegger, diferentemente de Husserl, o importante não era a experiência humana da realidade, mas a própria existência. Ora, a existência para Heidegger é tudo. Não ocorre nada fora do ser. E o ser ocorre no tempo que o faz existência temporal, e, por isso, existência que muda à medida que o tempo passa. A pretensão de Heidegger era voltar as reflexões do pensamento aos fenômenos, ou tudo o que aparece à consciência. Sua filosofia gera angústia e falta de sentido. Mas essa angústia parece proposital na medida em que Heidegger deposita na angústia o conhecimento do Dasein, que organiza o mundo. Dasein é o termo fundamental no pensamento heideggeriano, ou o ser-aí. De acordo com Heidegger, não precisamos ir em busca do ser porque ele está sempre no mundo. Não há também necessidade de um teoria tradicional do conhecimento para apreender esse ser. Ele se dá a conhecer pela experiência existencial. O Dasein está aberto a qualquer ser humano que queira criar o próprio sentido existencial, mesmo sabendo que nos deparamos constantemente com novas possibilidades na medida em que o tempo corre. Heidegger também procura unir razão e experiência. Para ele, não pode haver conhecimento separado da experiência pois ambos são parte de uma mesma realidade. A apreensão da realidade e, por conseguinte, o conhecimento dela são feitos através da própria existência em si. Neste sentido, Heidegger demole os tipos de filosofia que necessitam da metafísica para construir via conceito o ser. Portanto, Heidegger percebe que a metafísica é vazia de sentido pois de nada serve para se perceber a realidade das coisas. Neste caso, a filosofia tradicional fundamentada nos princípios metafísicos chegou ao fim, havendo pois urgente necessidade de repensar novos caminhos, fundados nos pensadores originários e na linguagem dos poetas, extra-racional , a fim de demolirmos os conceito clássico de racionalidade. Ora, é necessário afirmarmos que Heidegger fazia da existência o significado profundo da essência. E o papel da filosofia não é outro senão determinar a essência do estar-no-mundo do existente humano. Ora, adquirir consciência de tudo isso significa existir, ou seja, atravessar do lado inconsciente da vida ao lado autêntico. O pensamento heideggeriano, quando pensado profundamente pode levar ao imanentismo, gerando desespero racional e prático. Karl Jaspers, com sua reflexão da transcendência cristã, onde sem transcendência não há existência. Finalmente, temos que a fenomenologia não busca ser a única maneira de investigar a realidade, mas somente um novo acesso à realidade e ao conhecimento. Por esta razão, ela tem pressupostos diversos ao da Metafísica, que vê no ser o sentido último, único e permanente, visível e evidente através da idéia de tudo o que existe na natureza. Ora, na Metafísica, o ser e a existência são duas situações ontológicas separadas. Mas na fenomenologia, é impossível separar o ser de um ente, que se mostra ser em sua aparência. Mas, a metafísica não aceita a aparência como um dado confiável para se obter o conhecimento, afinal a aparência é ilusão. Isto francamente difere da fenomenologia que não aceita a dicotomia entre ser e ente, o ser não está por trás das aparências, mas nelas mesmas. Na Metafísica, a explicitação fundante do ser ocorre na precisão conceitual que evidencia a verdadeira apreensão do ser. Esse conceito é uma idéia metodologicamente construída. No entanto, na fenomenologia a apreensão do ser se dá via existência humana em si e em seu modo experiencial de conceber o mundo que está aí.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO
A História do pensamento depois da Idade Moderna, dos avanços da técnica e da ciência, das descobertas e invenções que fizeram o mundo revolucionar sua própria percepção do universo, do mundo, do ser, é um emaranhado de conceitos e preconceitos, todos ora unidos numa aparente corrente filosófica ora envolto em guerras paradoxais nos realizadas nas fronteiras bem definidas de várias correntes filosóficas, resultando na fragmentação e desestruturação do pensamento metafísico. Essa fragmentação acabou gerando o que chamamos de ciências. O Renascimento iniciou a luta libertadora, e tornou-se palco de uma nova maneira de olhar o universo, fazendo sinonímia com um renascer para o conhecimento livre de amarras morais e religiosas. A humanidade pré-renascentista, herdeira do pensamento patrístico e escolástico, acreditava piamente que o conhecimento da verdade, do objeto em si, somente era possível a partir da aceitação incondicional da Revelação Divina. Dava-se demasiado crédito à idéia de que a verdade estaria manifestada nos sistemas normativos e doutrinais da Igreja. Ora, em meados do século XVI, o Movimento Renascentista, e mais tarde o Movimento das Luzes acusaram tais normas religiosas, morais, éticas e judiciais como cerceadoras da liberdade humana e do conhecimento pleno das coisas. Sob essa bandeira, a sociedade mercantilista rompeu com as normas da época, e buscou refazer a estrutura do mundo, recriando os laços humanos, reestruturando o pensar sobre o universo. Época aparentemente feliz essa em que o ser humano se libertou das “garras” morais e éticas da Igreja, e jogou para o julgamento único da história a conduta humana em relação ao conhecimento e à existência. Desde então, aqueles parâmetros de controle deixaram de ser essenciais, abrindo espaço a uma variedade de especulações, sistemas de pensamento, descobertas científicas condicionados a uma liberdade sem limites. Ora, a ausência de tais parâmetros limitadores da liberdade humana resultou em atos confusos e não poucas vezes contrários à vida humana. No imediato da História Moderna, a luta entre sistemas filosóficos de cunho racionalista e realista tomou rumos cada vez mais complexos. Kant ainda tentara reunir essas duas correntes, tecendo uma Crítica à Razão Pura e uma Crítica à Razão Prática, mas não conseguiu rejuntar os cacos de pensamentos tão radicais. Na verdade, houve um redesdobramento do pensar moderno, surgindo na mais profunda radicalidade o sistema racional e o sistema empírico. As novas roupagens foram chamadas de Idealismo e Positivismo. Os debates entre essas duas linhas do pensar geraram um vazio na humanidade, uma ausência de perspectiva existencial que culminou em guerras totalitárias com conseqüências amargas para a sociedade do vigésimo século e seguintes. Afinal tornar o sempre dicotômico pensamento humano num sistema especulativo harmonioso é um desafio que talvez jamais tenha solução. Corpo e a alma, o certo e o errado, a razão e a experiência...! Nossa autonomia individual está sempre ameaçada por idéias que privilegiam somente uma parte do nosso ser. Essas ameaças foram reduzidas em parte pelo filósofo Martin Heidegger que, das entranhas do seu pensar, buscou uma unidade relativa entre a experiência vivida e o conhecimento inato. Peças de um mesmo jogo, essas duas dimensões do ser humano jamais poderiam ter sido separadas. Aliás, jamais se separaram, apesar da insistência em analisá-las de maneira separada. Logo, o pensamento existencialista, nascido das náuseas e angústias humanas, dos princípios niilistas e do desespero gerado por carências de razões para se viver, é um sistema resignificador do pensamento humano. O apego à existência como fonte parturiente de razões do viver é sinal de que Heidegger, se não estava plenamente correto, ao menos deixou-nos o mapa da vida plena. Cabe a nós seguí-lo e não deixarmos acontecer novamente a bifurcação do pensamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de percorrer essas cinco unidades de estudo, uma pergunta ainda me intriga e faz aguçar minhas curiosidades e desejos de aprofundamento. Depois da viagem fantástica pela história do pensamento filosófico, adentrando a cada pensador e sua atividade racional, qual a minha percepção acerca de como mundo se relaciona com a filosofia? Podemos perguntar às pessoas, mas a opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer sobre nossas vidas e não tem qualquer utilidade prática. Alguns chegam a dizer que “a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo... e, portanto, não me diz respeito.” Seria pois a revelação “descarada” de que é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida? Seria essa uma percepção niilista e negativista da filosofia, evidente conseqüência de um existencialismo imanentista, que parece não ter ajudado o mundo a superar as fronteiras da experiência, apesar de seu desejo de viver o ser em sua plenitude através do fenomênico? A polêmica é inevitável pois se eu compreendesse o pensamento filosófico, que num orgulho proposital se dividiu em duas correntes tão bem fundadas por nossos filósofos modernos e contemporâneos, teria de alterar minha vida, adquiriria um outro estado de espírito, talvez veria melhor as coisas, ou chegaria a uma crise existencial sem fim. Talvez teria de rever meus juízos. Então, melhor seja não pensar filosoficamente. Não ver fenômeno, não ver o numênico, não aceitar a física ou a metafísica. O bem-estar material como razão suficiente de vida a mim me bastaria! Mais ainda, apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica e de seu apoio necessário à produção de uma melhor qualidade de vida temporal seria suficientemente bem vindo. Então, não há necessidade de enveredar os caminhos do infinitum mysterium a fim de pensar a realidade com o fantástico intuito de discernir a verdade da vida no meio de uma existência sem razões evidentes. Os novos paradigmas da humanidade surgidos com as descobertas da física quântica, da manipulação genética, com as pesquisas em torno das inteligências múltiplas, com a ansiedade da humanidade em retornar ao mundo espiritual, têm provocado as pessoas a uma nova maneira de viver e pensar a raça humana. A consciência humana individual, tão apregoada por Husserl em sua fenomenologia, é superada pela concepção coletiva da consciência. O super-homem de Nietzsche, se colocado em prática com toda a sua força, leva necessariamente a uma luta hedionda por poder, haja visto as experiências totalitárias. Estamos superando o mito, criando um novo mito, o da super-nação, onde uma potência econômica se assume a mais bem fundada sociedade, ponto da qual todas as outras nações devem ser reflexos homogeneizados de sua cultura e ideologia. Como o mundo está confuso! Kierkegaard parece ter profetizado como iríamos chegar no século XXI. Ele comenta que o indivíduo é um ser que para existir necessita agir e escolher. Ora, agimos sabe-se lá por nossas escolhas, ou por simples alienação, ou talvez movidos por desencanto existencial profundo. Agimos em nosso dia-a-dia tal como uma cena de novela, onde o mocinho busca sair vencedor a qualquer custo numa luta que, sabe-se de antemão, não há vencedores. Nossa existência feita à base de opções e ações racionalmente optadas ao invés de nos direcionar ao bem viver, têm na verdade nos jogado cada vez mais no abismo sem fim, onde a vida pode se esfacelar definitivamente gerando a morte humana e cósmica. Estaria, no entanto, Heidegger certo? Se há angústia, há possibilidade do Dasein. Se há Dasein, há a possibilidade de se organizar o mundo. Ora, pensar a própria existência a partir de fundamentos fenomenológicos pode ajudar-nos a ver em que aspecto o mundo está sendo prejudicado em sua ambição desenvolvimentista, e assim, desvendar formas positivas de fazer o mundo progredir. Talvez seja esse o novo papel do filósofo. Ele deve “encarar” a grandiosa atividade de procurar o ser humano, escutar o que ele diz, observar o que ele faz e se interessar por sua palavra e ação, desejoso de partilhar com ele, do destino comum da humanidade. A nova atividade filosófica deve assumir que antes de todo saber que aprendemos na escola e nos estudos sistemáticos, há em nós uma sabedoria concreta e viva da realidade em que vivemos. Começamos a conhecer as coisas por causa dessa sabedoria, e essa sabedoria nos empurra para uma reflexão em que questionamos sobre o mundo em que vivemos. Por isso, somos inquietos e angustiados existencialmente em relação ao que somos, ao nosso destino, à nossa origem. Ora, a filosofia quer em primeiro trabalhar as questões mais fundamentais que o ser humano tem dentro de si, que em sua essência não se diferenciam das questões dos pensadores originários. Nossa capacidade de nos surpreendermos é a única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos. Se esse novo “olhar” filosófico for racionalmente fundamentado, poderemos então reordenar nossa maneira de pensar o mundo e seus grandes problemas, bem como fazê-lo um espaço gerador de vida.
BIBLIOGRAFIA PESQUISADA
- ALVES, Rubem. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo: Paulinas, 1990.- BASSO, Maximino. Filosofia e Existência. UEA 1, Brasília: Universa, 2001.- BOWKER, John. Deus: uma breve história. São Paulo: Globo, 2002.- BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia. São Paulo: Ediouro, 2002.- ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1995.- ¬¬¬__________. Mito do Eterno Retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.- FABRI DOS ANJOS, Márcio (org.). Teologia Aberta ao Futuro. São Paulo: Loyola, 1997.- HOLLIS, James. Rastreando os deuses. São Paulo: Paulus, 1992.- NIETZSCHE, Friedrich. Para Além do Bem e do Mal. São Paulo: Martin Claret, 2002.- ___________________. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2003.- ___________________. O nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.- OSBORNE, Richard. Filosofia para Principiantes. São Paulo: Objetiva, 1998.- PANDOVANI, Humberto & CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos: 1994.- STEIGER, André. Compreender a História da vida. São Paulo: Paulus, 1998.- SUNG, Jung Mo. Deus numa Economia sem Coração. São Paulo: Paulinas, 1992.
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - Um conversor para facilitar o trabalho:
Pra quem ainda não sabe, a partir de janeiro de 2009 entra em vigor o novo acordo ortográfico, as mudanças no idioma visam universalizar a língua portuguesa. Facilitando o intercâmbio cultural entre os países lusófonos entre outras coisas.
No Brasil 0,5% das palavras sofrerão modificações, em Portugal e nos restantes países lusófonos, as mudanças afetarão cerca de 2.600 palavras, ou seja, 1,6% do vocabulário total.
Seguindo uma sugestão do Inagaki decidi criar um conversor ortográfico, a principal dificuldade, além das regras que já não são simples, foi encontrar essas regras resumidas em um único local.
O conversor ortográfico está pronto e pode ser acessado aqui e para facilitar ainda mais a sua vida e a minha decidi publicar esse resumão com as principais mudanças:
Alfabeto
• Nova Regra: O alfabeto agora é formado por 26 letras
• Regra Antiga: O 'k', 'w' e 'y' não eram consideradas letras do nosso alfabeto.
• Como Será: Essas letras serão usadas em siglas, símbolos, nomes próprios, palavras estrangeiras e seus derivados. Exemplos: km, watt, Byron, byroniano
Trema
• Nova Regra: Não existe mais o trema em língua portuguesa. Apenas em casos de nomes próprios e seus derivados, por exemplo: Müller, mülleriano
• Regra Antiga: agüentar, conseqüência, cinqüenta, qüinqüênio, frqüência, freqüente, eloqüência, eloqüente, argüição, delinqüir, pingüim, tranqüilo, lingüiça
• Como Será: aguentar, consequência, cinquenta, quinquênio, frequência, frequente, eloquência, eloquente, arguição, delinquir, pinguim, tranquilo, linguiça.
Acentuação
• Nova Regra: Ditongos abertos (ei, oi) não são mais acentuados em palavras paroxítonas
• Regra Antiga: assembléia, platéia, idéia, colméia, boléia, panacéia, Coréia, hebréia, bóia, paranóia, jibóia, apóio, heróico, paranóico
• Como Será: assembleia, plateia, ideia, colmeia, boleia, panaceia, Coreia, hebreia, boia, paranoia, jiboia, apoio, heroico, paranoico
Observações:
• nos ditongos abertos de palavras oxítonas e monossílabas o acento continua: herói, constrói, dói, anéis, papéis.
• o acento no ditongo aberto 'eu' continua: chapéu, véu, céu, ilhéu.
• Nova Regra: O hiato 'oo' não é mais acentuado
• Regra Antiga: enjôo, vôo, corôo, perdôo, côo, môo, abençôo, povôo
• Como Será: enjoo, voo, coroo, perdoo, coo, moo, abençoo, povoo
• Nova Regra: O hiato 'ee' não é mais acentuado
• Regra Antiga: crêem, dêem, lêem, vêem, descrêem, relêem, revêem
• Como Será: creem, deem, leem, veem, descreem, releem, reveem
• Nova Regra: Não existe mais o acento diferencial em palavras homógrafas
• Regra Antiga: pára (verbo), péla (substantivo e verbo), pêlo (substantivo), pêra (substantivo), péra (substantivo), pólo (substantivo)
• Como Será: para (verbo), pela (substantivo e verbo), pelo (substantivo), pera (substantivo), pera (substantivo), polo (substantivo)
Observação:
• o acento diferencial ainda permanece no verbo 'poder' (3ª pessoa do Pretérito Perfeito do Indicativo - 'pôde') e no verbo 'pôr' para diferenciar da preposição 'por'
• Nova Regra: Não se acentua mais a letra 'u' nas formas verbais rizotônicas, quando precedido de 'g' ou 'q' e antes de 'e' ou 'i' (gue, que, gui, qui)
• Regra Antiga: argúi, apazigúe, averigúe, enxagúe, enxagúemos, obliqúe
• Como Será: argui, apazigue,averigue, enxague, ensaguemos, oblique
• Nova Regra: Não se acentua mais 'i' e 'u' tônicos em paroxítonas quando precedidos de ditongo
• Regra Antiga: baiúca, boiúna, cheiínho, saiínha, feiúra, feiúme
• Como Será: baiuca, boiuna, cheiinho, saiinha, feiura, feiume
Hífen
• Nova Regra: O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por 'r' ou 's', sendo que essas devem ser dobradas
• Regra Antiga: ante-sala, ante-sacristia, auto-retrato, anti-social, anti-rugas, arqui-romântico, arqui-rivalidae, auto-regulamentação, auto-sugestão, contra-senso, contra-regra, contra-senha, extra-regimento, extra-sístole, extra-seco, infra-som, ultra-sonografia, semi-real, semi-sintético, supra-renal, supra-sensível
• Como Será: antessala, antessacristia, autorretrato, antissocial, antirrugas,
arquirromântico, arquirrivalidade, autorregulamentação, contrassenha, extrarregimento, extrassístole, extrasseco, infrassom, inrarrenal, ultrarromântico, ultrassonografia, suprarrenal, suprassensível
Observação:
• em prefixos terminados por 'r', permanece o hífen se a palavra seguinte for iniciada pela mesma letra: hiper-realista, hiper-requintado, hiper-requisitado, inter-racial, inter-regional, inter-relação, super-racional, super-realista, super-resistente etc.
• Nova Regra: O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por outra vogal
• Regra Antiga: auto-afirmação, auto-ajuda, auto-aprendizagem, auto-escola, auto-estrada, auto-instrução, contra-exemplo, contra-indicação, contra-ordem, extra-escolar, extra-oficial, infra-estrutura, intra-ocular, intra-uterino, neo-expressionista, neo-imperialista, semi-aberto, semi-árido, semi-automático, semi-embriagado, semi-obscuridade, supra-ocular, ultra-elevado
• Como Será: autoafirmação, autoajuda, autoaprendizagem, autoescola, autoestrada, autoinstrução, contraexemplo, contraindicação, contraordem, extraescolar, extraoficial, infraestrutura, intraocular, intrauterino, neoexpressionista, neoimperialista, semiaberto, semiautomático, semiárido, semiembriagado, semiobscuridade, supraocular, ultraelevado.
Observações:
• esta nova regra vai uniformizar algumas exceções já existentes antes: antiaéreo, antiamericano, socioeconômico etc.
• esta regra não se encaixa quando a palavra seguinte iniciar por 'h': anti-herói, anti-higiênico, extra-humano, semi-herbáceo etc.
• Nova Regra: Agora utiliza-se hífen quando a palavra é formada por um prefixo (ou falso prefixo) terminado em vogal + palavra iniciada pela mesma vogal.
• Regra Antiga: antiibérico, antiinflamatório, antiinflacionário, antiimperialista, arquiinimigo, arquiirmandade, microondas, microônibus, microorgânico
• Como Será: anti-ibérico, anti-inflamatório, anti-inflacionário, anti-imperialista, arqui-inimigo, arqui-irmandade, micro-ondas, micro-ônibus, micro-orgânico
Observações:
• esta regra foi alterada por conta da regra anterior: prefixo termina com vogal + palavra inicia com vogal diferente = não tem hífen; prefixo termina com vogal + palavra inicia com mesma vogal = com hífen
• uma exceção é o prefixo 'co'. Mesmo se a outra palavra inicia-se com a vogal 'o', NÃO utliza-se hífen.
• Nova Regra: Não usamos mais hífen em compostos que, pelo uso, perdeu-se a noção de composição
• Regra Antiga: manda-chuva, pára-quedas, pára-quedista, pára-lama, pára-brisa, pára-choque, pára-vento
• Como Será: mandachuva, paraquedas, paraquedista, paralama, parabrisa, parachoque, paravento
Observação:
• o uso do hífen permanece em palavras compostas que não contêm elemento de ligação e constiui unidade sintagmática e semântica, mantendo o acento próprio, bem como naquelas que designam espécies botânicas e zoológicas: ano-luz, azul-escuro, médico-cirurgião, conta-gotas, guarda-chuva, segunda-feira, tenente-coronel, beija-flor, couve-flor, erva-doce, mal-me-quer, bem-te-vi etc.
O uso do hífen permanece
• Em palavras formadas por prefixos 'ex', 'vice', 'soto': ex-marido, vice-presidente, soto-mestre
• Em palavras formadas por prefixos 'circum' e 'pan' + palavras iniciadas em vogal, M ou N: pan-americano, circum-navegação
• Em palavras formadas com prefixos 'pré', 'pró' e 'pós' + palavras que tem significado próprio: pré-natal, pró-desarmamento, pós-graduação
• Em palavras formadas pelas palavras 'além', 'aquém', 'recém', 'sem': além-mar, além-fronteiras, aquém-oceano, recém-nascidos, recém-casados, sem-número, sem-teto
Não existe mais hífen
• Em locuções de qualquer tipo (substantivas, adjetivas, pronominais, verbais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais): cão de guarda, fim de semana, café com leite, pão de mel, sala de jantar, cartão de visita, cor de vinho, à vontade, abaixo de, acerca de etc.
• Exceções: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao-deus-dará, à queima-roupa.
Consoantes não pronunciadas
Fora do Brasil foram eliminadas as consoantes não pronunciadas:
• ação, didático, ótimo, batismo em vez de acção, didáctico, óptimo, baptismo
Grafia Dupla
De forma a contemplar as diferenças fonéticas existentes, aceitam-se duplas grafias em algumas palavras:
• António/Antônio, facto/fato, secção/seção.
Existem algumas controvérsias, tentei trabalhar apenas com aquilo que me pareceu ser senso comum, existe um material bem organizado no IG Educação para quem quiser se aprofundar: Acordo Ortográfico
DISCIPLINA: História da Educação
PROFESSORA: Xênia Honório
DATA: __/__/2010
ALUNOS(AS): _____________________________________________________________________
ATIVIDADE Nº 1
Estudo dirigido sobre o texto: Introdução a História e História da Educação
Comente a afirmativa: “somos feitos de tempo”. _____________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Comente a frase: “a educação não é [...] um fenômeno neutro, mas sofre os efeitos do jogo do poder [...]”. __________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Quais fatores influenciaram os estudos sobre a história da educação brasileira? _____________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
Por que não há um conceito de “Ser Humano Universal”? _____________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
De acordo com o texto, quais são as duas funções precípuas da história da educação? Explique-as.__________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
FILOSOFIA GERAL (Professor Itamar)
É costume dizer que quando refletimos sobre a vida a partir de fundamentos filosóficos, quando debatemos filosoficamente o mundo, sempre iniciamos com questionamentos nem sempre fáceis de resolver. Os questionamentos filosóficos não são gerados em vista de uma solução racional e inteligível. Eles são formulados para exigir da consciência humana o ato de pensar. Por esta razão, não cabe neles direcionamento para um pensar único, perfeito e feito. O pensamento não deve estar preso entre as paredes da crença e do fundamentalismo, ou mesmo em categorias científicas que limitem o espaço em que a consciência é capaz de explorar sua busca fantástica pela verdade.A finalidade da filosofia pode ser dita como o fundamento e o sentido últimos de todos os fins, ou seja a apreensão do ser. Mas há dificuldade de se encontrar com a identidade no próprio seio das diferenças. O ser contra o nada, a ausência contra a aparência, o bem contra o mal, o inteligível contra o sensível, o permanente contra o mutável, o verdadeiro contra o falso, o racional contra o animal, o necessário contra o contingente, o uno contra o múltiplo, a sincronia contra a diacronia. Onde podemos apreender de fato o ser? E quando finalmente o apreendemos, é essa apreensão verdadeira ou falsa na aparência forçosa da verdade?Na dúvida sistemática perpassa a certeza de que não haverá a imposição de nenhuma verdade que não seja problematizada e pensada em todos os seus aspectos por cada um de nós. Por isso, essa dúvida nos abre sem possibilidade de fechamento à questão do sentido de nossas vidas. A verdade e a não-verdade, a certeza e a ilusão são como um bufão em permanente riso debochado de nossa consciência, como a dizer: vocês desconhecem o paradoxo da revolução do pensamento. Assim, para fazer filosofia, urge perder algo da fé nas aparências, nas rotinas, nos dogmas e crenças. Pensar é acordar o não-pensado. O revelar autêntico do ser se dá na forma do pensar. Ele surgiu quando o trágico travou a luz pensante do racional e do irracional, do físico e do político, do mito e do culto, do desespero e da salvação.Trágico é perceber o nosso abandono desesperado às forças da natureza, ao império fundado em vontades e punições de deuses, à fatalidade do destino que aponta para um determinismo que gera total impotência no ser humano. A tragédia é o palco sagrado da desolação e da condenação. A tragédia é o ser da realidade fundado numa identidade misteriosa. Incapazes de de-cifrar do conteúdo trágico a identidade verdadeira do ser, tornamo-nos impotentes para reabilitar a noção tão desgastada do ser – humano. Recorremos à ciência para chegarmos à via da historicidade, mas nos deparamos com um outro problema gerado pelas ciências fundadas na primazia do fenômeno sobre o universal: o presente haverá de ser compreendido se recuperarmos adequadamente articulações do passado, esquecidas pela própria dinâmica da vida. Por isso, devemos pensar nas razões que geraram uma ciência desesperada que, não tolerando esperar, se atropela na impotência de seu poder em alcançar o mistério do pensamento. É necessário pois despojarmo-nos de tudo quanto julgamos já saber sobre o pensamento dos primeiros pensadores, e resgatarmos todo o pensamento ao longo da história, aprendendo a dialogar com a tradição, gerando novos pensamentos. Um pensamento originário é a coragem de descer às raízes das próprias possibilidades de pensar. Um pensamento originário é um pensamento radical. Procura interpretar os modos de ser da realidade, restituindo as estruturas de suas diferenças à identidade do mistério. O modo de ser que nos apresenta como presente, não é originalmente um determinado presente.Essa apostila foi organizada para uso universitário nas aulas de Filosofia, é uma síntese do pensamento filosófico. Espero que tenha um bom fruto dela, o fruto do conhecimento que possa advir dos questionamentos e curiosidades.Itamar Rodrigues PaulinoFilosofia Geral – Filosofia da Educação
Sumário do conteúdo
Cap. I: MITOS 4AS GRANDES QUESTÕES MITOLÓGICAS 4AFIRMAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DE DEUS 6Cap. II: FILOSOFIA ORIENTAL 6UPANISHADS – TECENDO ALGUNS FUNDAMENTOS 10Cap. III: AS TRAGÉDIAS 11INGRESSÕES À TRAGÉDIA COMO CATARSE 11O HERÓI TRÁGICO 12HOMERO E A TRAGÉDIA 12OS POSTULADOS DO TRÁGICO 12ESTOICISMO E TRAGÉDIA 12CRISTIANISMO E TRAGÉDIA 13ORIGINALIDADE DO TEATRO 13OS CONCURSOS TRÁGICOS 13A TRAGÉDIA GREGA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O MUNDO GREGO 14Cap. IV: COSMOLOGIA [FILOSOFIA NATURALISTA] 15OS CINCO ELEMENTOS 15Cap. V: ANTROPOLOGIA [FILOSOFIA DO SER] 16O PENSAMENTO DE SÓCRATES 16O PENSAMENTO DE PLATÃO 18O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES 19CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA ANTIGA 20Cap. VI: FILOSOFIA MEDIEVAL 21SANTO AGOSTINHO E A PATRÍSTICA 21SÃO TOMÁS DE AQUINO E A ESCOLÁSTICA 22FILÓSOFOS ÁRABES: AVICENA E AL-GAZZALI 22CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA CRISTÃ - MEDIEVAL 23Cap. VII: FILOSOFIA MODERNA 23VISÃO PANORÂMICA DO MODO DE PENSAR MODERNO 23INTERPRETAÇÃO MECANICISTA DA REALIDADE NATURAL E SOCIAL 24A RAZÃO NA IDADE MODERNA 26A IDÉIA DE MÉTODO OU DE MATHESIS UNIVERSALIS 26O FILOSOFAR EM DESCARTES 28O PENSAR FILOSÓFICO SEGUNDO LOCKE 29A ILUSTRAÇÃO (ILUMINISMO) E A ATIVIDADE RACIONAL 29A ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO KANT 30A REVOLUÇÃO COPÉRNICA EM METAFÍSICA 32O PENSAMENTO DE HEGEL E O “FIM” DO FILOSOFAR 32CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO MODERNO 33Cap. VIII: FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA 34DE KARL MARX A HEGEL 34ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO NIETZSCHE 35A FILOSOFIA EXISTENCIAL: NOVO PARADIGMA DE CONCEBER E FAZER FILOSOFIA 35FILOSOFIAS EXISTENCIAIS 35CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO 37CONSIDERAÇÕES FINAIS 38BIBLIOGRAFIA PESQUISADA 39
CAP. I: MITOS
AS GRANDES QUESTÕES MITOLÓGICAS
No universo inteiro repousa a combinação de uma centena de átomos, pois as ciências nos ensinam que a vida emerge porque há átomos. Há 3 milhões de anos surgia o homo faber, que fabricava utensílios para a sua sobrevivência. A arqueologia também nos ensina que túmulos antigos remontam a 200 mil anos, época em que o Homem de Neandertal começa a enterrar seus mortos. Há cerca de 100 mil anos atrás surge o homo sapiens, chamado assim porque ele toma consciência de si e alarga sua visão do universo. Nesta época, surge a agricultura e a necessidade do enterro dos mortos a fim de se evitar a voracidade de animais carniceiros, confiar à terra a integridade física do morto por via da afeição. Começa aqui o destino do homem ligado ao “além morte”. A visão religiosa do ser humano se inicia com o culto aos mortos, os funerais. Ela ocorria com o cingimento do corpo do morto com o pó de ocre (argila colorida de amarelo com óxido de ferro), símbolo do recebimento de vida e sangue. Há o sepultamento na posição fetal (para o próximo nascimento), junto com comida para que o morto não morresse de fome em sua viagem (crescimento humano psíquico e biológico). Entretanto, na impossibilidade de canalização do problema biológico e instintivo da morte, o ser humano desvia-se para uma mixórdia de superstições, crenças, ritos e sacrifícios a fim de exorcizar o medo visceral e a angústia psíquica. Logo, o senso religioso se cristaliza primeiro no totem pré-religioso, que encarna a alma da tribo e a torna visível a todos. O Totem encarna a força da tribo, torna-se autoridade e mantém a coesão e unidade da tribo. Do totem surgem deuses.A História de Deus começa com a História das Deusas. Assim, a história nos ensina que há uma memória antiga e inicial: VÊNUS (deusa romana do amor e do sexo), estatuetas dedicadas à fecundidade feminina (evidenciando seios, ventre e vagina), uma deusa-mãe, suprema divindade do mundo celeste. Sua função era a de ser fonte universal da vida, benfeitora natural, protetora do clã e da aldeia, deusa que enviava a chuva fecunda, que fazia as plantas crescerem, as frutas amadurecerem e os animais e homens se multiplicarem. Ela é a origem do mundo invisível dos deuses.Os primitivos valorizavam profundamente a vida, que somente podia ser dada pela mulher, logo, a vida cósmica somente podia sair de uma mulher cósmica, uma deusa-mãe. Entretanto, a sedentarização e a agricultura remodela o espírito matriarcal e implanta o patriarcalismo. A consciência desperta. Para conjurar o medo e o fascínio, o ser humano coloca em forças divinas a fonte dos fenômenos naturais. A grande questão filosófica que temos desta época é se a percepção do mundo leva ao reconhecimento de deus? Ora, Deus precisava ser dominado, domesticado, controlado, A “FORÇA SELVAGEM” precisava ser conhecida por um nome: um deus dominado é um deus conhecido, um deus conhecido é um deus domesticado, um deus domesticado é um deus manipulado por meio de orações e sacrifícios. Logo, todas as forças celestiais e telúricas passaram a ser sinônimas de um deus. Desde então, a crença instalou-se no ser humano, divindades invisíveis se encarnaram em estátuas, máscaras, pinturas, tomaram formas estranhas (Shiva: quatro braços, Hathor: cabeça de vaca, Thor: cabeça de íbis)Surgiram santuários: zigurates da Babilônia (Torre de Babel), Catedrais cristãs, Templos dedicados a Vixnu, Mesquitas, Sinagogas. Esses santuários são reflexos das sociedades humanas, projeções das organizações, das paixões, dos caprichos, dos ciúmes e das ambições dos homens. Logo depois, esses deuses passam a governar a Terra, determinar sua ordem. Surge o Fatalismo, evidenciado no pensamento oriental acerca do senso religioso. Busca-se então resolver o problema do mal: a separação do ser humano de sua origem divina e sua vontade profunda de voltar ao seio de deuses e deusas.Desde então, o ser humano passa a lidar com os fenômenos da natureza e das próprias estruturas humanas a partir do mito. Mas, o que vem a ser um mito? Temos até hoje grandes questões que ainda não conseguimos responder para que nossa existência ganhe de fato significado profundo: quem somos? como foi que chegamos aqui? Para onde vamos? Uma das mais brilhantes formas simbólicas de buscarmos senão a resposta ao menos o alento são os mitos.Quanto ao termo, ele vem da língua grega mythos = palavra, enredo, fala, expressão. Diferentemente de lendas que são histórias populares fantásticas e imaginosas contadas para exaltar certas qualidades ou defeitos humanos, o mito é expressão da percepção que o homem tem das coisas, ou seja, a imposição de estruturas dramáticas ao fluxo e ao caos da natureza. O mito cria ponte entre o desconhecido e o conhecedor. Por isso, possui estrutura simbólica (syn + ballein = projetar em direção do mesmo, união de partes), e estrutura metafórica (meta + pherein = transportar além, através de). Em geral, diz respeito a uma história sagrada; relata acontecimento ocorrido no tempo primordial (in illo tempore), tempo fabuloso do princípio. Narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, a realidade passou a existir. Narra a criação que desvenda a sacralidade ou o sobrenatural manifestado no mundo (Mircea Eliade); é cosmogonia.O mito narra tanto a origem do homem e do mundo como acontecimentos que fizeram o ser humano tornar-se o que ele é hoje: ser mortal, sexuado, organizado em sociedade, obrigado a trabalhar para viver (Mircea Eliade). As sociedades modernas tomam a história como argumento irreversível dos acontecimentos. Diferentemente, as sociedades arcaicas tomam o mito (re-atualizado nos ritos) como história dos acontecimentos. Conhecer mitos é aprender como as coisas vieram a existir. (Mircea Eliade).O mito nos leva até o fundo das reservas psíquicas; enquanto símbolo e imagem tem a função mediadora (James Hollis). Ele ecoa em nós porque apresenta em nosso íntimo aquilo que já contemos em nossa natureza, embora só vagamente possamos identificá-lo pela cognição. Para quem tenta arrumar um deus que funcione sempre a fim de apaziguar o tormento psíquico, lembremos que não só os Imortais são mortais, como também as imagos de deus vêm e vão como as fases da lua, exceto que seus ciclos são milenares. O Mito é a dramatização de valores conscientes e inconscientes de um grupo ou indivíduos. Importa aqui como a pessoa está ligada ou desligada daquilo que introduz significado, movimento e profundidade à vida. Ora, Se um viajante passar por uma de nossas cidades daqui a mil anos, o que pensará de nossos valores, rituais e caráter social?O mito aborda questões teleológicas, o plano da gênese e da escatologia, o alfa e o ômega. Diz respeito a se a pessoa entende como caos, ou um absurdo, o desenrolar de uma lei natural, ou percebe a presença de uma inteligência orientadora e a existência de um plano compreensível por trás do universo. As ilações inserem o indivíduo num contexto de significado. Se a pessoa acha que o universo é absurdo e desprovido de sentido, o fardo do significado recai diretamente sobre os ombros dela. Se o significado não está implícito nas estruturas da natureza e na evolução da história, então é uma incumbência das pessoas tornar suas existências prenhes de significado, através da qualidade de suas escolhas. Jung, no livro Resposta a Jó, sugere que os seres humanos têm papel vital no desenvolvimento moral e na evolução espiritual de Deus.Os elementos simbólicos que encontramos no mito procuravam, e procuram, nos ajudar a estabelecer uma ponte entre a sensibilidade humana e aquelas experiências que se encontram mais além de nossos poderes cognitivos. Nossa modernidade, com suas parafernálias científicas, nos levaram a ter um contato estéril com o mistério. Há também no problema mitológica questões de cunho psicológico. O processo de virmos a nos entender como os seres que somos é a tarefa psicológica do mito. As culturas com imagens míticas vitais dão apoio ao indivíduo para que venha a constituir sua noção de si mesmo, facilitam e orientam a interação social. A cultura que houver perdido seu cerne mítico, ou cujas mitologias sejam muito fragmentadas e diversas, cria pessoas perdidas e assustadas que pulam de culto para culto, de ideologia para ideologia. Podemos afirmar que não há um único mito, que aborde essas quatro questões desafiadoras. Ainda assim, a função do mito é iniciar a pessoa e/ou a cultura nos mistérios dos deuses, da sociedade e de si mesma pois representa a cristalização das experiências básicas da vida, constituídas através de imagens. Arrasta-nos para mais perto das profundezas abissais do amor/ódio, da vida/morte, recinto dos deuses e do mistério, onde fraquejam as categorias do pensamento. É uma maneira de se falar do inefável e encarna a linguagem da alma. Ler mito é uma forma psicoterápica (do grego psyche = alma + therapeuein = ouvir ou atentar a), é ouvir a alma. Diante da remoção das coordenadas míticas, a alma fica à deriva forçando-a a retornar à ferraria da alma ou ao centro afetivo para reconstruções do coração. Diz Matthew Arnold que o mundo moderno está “perambulando entre dois mundos, um morto e outro impotente para nascer”. Martin Heidegger é ainda mais profundo. Para ele, vivemos no tempo “entre os deuses que partiram, e os deuses que ainda não estão”. Nossos antepassados viviam num mundo animista em que a alma estava em todas as coisas. Mas nós assumimos que nossa racionalidade vale mais do que os mitos para apaziguar nossas angústias acerca de questões existenciais profundas. Talvez não haja testemunho mais declarado do colapso da ligação com os mitos do que a morte de Deus, proposta por Nietzsche: “ou Deus está enfermo ou está morto”. Nossa sociedade perdeu o eixo mítico de tal forma que se inventamos mitos, esses são apenas historietas inaceitáveis pela nossa racionalidade. Diferentemente de nós, a mentalidade primitiva não inventa mitos, ela os vivenciava, afirmara o psicólogo Carl Jung. Mais ainda, para ele, se velhos poderes metafísicos estão mortos, se carregamos escuridão como luz, somos obrigados a nos posicionar diante do universo. Ou seja, cada um de nós tornou-se responsável pro sua própria individuação.Ora, não podemos alegar ser possuidores dos poderes que um dia pertenceram aos deuses, sem com isso nos incumbir de seus deveres. Somos o vazio escancarado a ser preenchido de coragem e escolhas, e o frágil fio sobre o qual realizar a travessia por sobre terrores abissais, conclui Nietzsche.
AFIRMAÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DE DEUS
FILO: Deus é uma unidade subjacente a todas as coisasPLATÃO: Deus é uma mente universalPLOTINO: Deus é uma unidade transcendenteESPINOZA: Deus é todas as coisas (Deus e natureza somos nós)BERKELEY: As coisas existem nas mãos de Deus. Deus percebe tudo que existeVOLTAIRE: Deus fez o mundo, deu corda, e agora simplesmente deixa o mecanismo funcionar por si mesmoFEUERBACH: Deus é todas as coisas: não pode fazer nada que a natureza não possa fazerNIETZSCHE: Ou Deus está enfermo ou está morto
CAP. II: FILOSOFIA ORIENTAL
O final do século XX e início do século XXI caracterizam-se por uma volta radical ao misticismo. O retorno popular às idéias místicas soa aos acadêmicos e pensadores contemporâneos como um aviso premente de que nossos paradigmas fundados em um pensar não metafísico estão cada vez mais fragmentados e, assim, mais distantes das respostas às questões fundamentais de nossa existência. Certamente, o avanço científico trouxe-nos uma revolução cultural e tecnológica fantástica. Ele obrigou-nos a remodelar nossos pensamentos acerca da origem do universo, resignificar conceitos seculares de Deus, da natureza, do ser, da verdade, da liberdade e do determinismo. O avanço científico também nos lançou a uma realidade única e sem retorno, a de que nosso universo é tão imenso aos nossos olhos que nossa existência parece ser apenas uma fagulha arrancada de um grão de areia que repousa numa praia à costa de um mar sem fim. Incapazes de resignificar nosso papel no mundo devido à descoberta de que não somos o “centro” do universo, estamos mergulhados em uma crise que insiste em reter-nos próximo a um abismo que separa nossa visão científica do universo de nossa visão mística deste mesmo universo. Estaríamos pois aptos a desvendar os mistérios do universo infinito sem recorrer ao mundo místico, ou sem considerar com seriedade fundamentos das religiões telúricas que absorvem a energia do espaço-terra e deificam diversos tipos de animais ou vegetais como representantes autênticos do mistério inatingível do universo? De posse de nossas parafernálias com milhares de gigabytes e o objetivo egóico de conquistar, dominar e explorar, estamos capacitados a desvelar o jogo hilariante da physis sem a necessidade de apreciar a acepção dada pelas religiões celestes aos fenômenos decorrentes do firmamento, que, de posse de um respeitado pensamento filosófico acerca da existência, procuram conduzir a humanidade a uma proximidade e presença harmoniosas cada vez mais latentes junto ao fascinorum universalis? A resposta parece estar sendo dada por um caminho inesperado, a própria ciência. A física mecânica, impotente em responder a questões que despontam para além do universo visionário humano, deixa as rédeas do pensamento sobre o universo físico e passa a condução da charrete à teoria quântica. O princípio da incerteza de Heisemberg gerou dúvidas na visão estática do mundo, onde o universo era visto como um gigantesco sistema mecânico comandado por leis imutáveis. Tal dúvida provocou um repensar sobre o determinismo ôntico . Ora, o desenvolvimento da física quântica levou o nosso século a servir de marco a uma mudança epocal. A “Nova Era” traduz-se como um momento histórico em que culturas e religiões começam a se aproximar na desesperada tentativa humana de superar a fragmentação e a direção náufraga a que a ciência tem conduzido a humanidade. Nossa Era caracteriza-se por uma razão que clama desesperadamente por unidade de sentido para tornar a experiência humana um todo, uma unidade entre mundo, ser humano, e mistério universal. Por causa da busca quase sempre sem respostas, várias pessoas voltaram suas mentes para o mundo oriental, onde a harmonia espiritual com a natureza oferece respostas mais convincentes a essa crise existencial longe de ser superada pelo pensamento científico pós-moderno. Nossa percepção da relação filosófica entre o Ocidente e o Extremo Oriente baseia-se no pensamento de Fritjof Capra que faz uso do misticismo taoista, budista e hinduísta para explicar que todos estamos ligados à realidade física de maneira mística. Esse encontro do mundo ocidental com o pensamento oriental é o objeto de nossa reflexão. Inicialmente, é necessário posicionar na história do pensamento humano a cultura oriental. Com um pensar profundamente filosófico, o Oriente buscou respostas mais profundas às questões fundamentais da vida humana. Entre as várias culturas do Oriente, a que mais desenvolveu o pensamento filosófico foi a indiana, uma das maiores tradições filosóficas da humanidade. A história indiana tem seu marco de efervescência quando o povo ariano invadiu a Índia, a 3.500 anos atrás, escravizou os drávidas e impusera-lhes a cultura brahmácharya, de cunho patriarcal, anti-sensorial e repressor. O povo ariano se caracterizava como guerreiro, místico e patriarcal. A sociedade ariana dividia-se em castas: Brahmanis, os sacerdotes; ksatriyas, os guerreiros e governantes; vaisyas, os camponeses e criadores de gado; os sudras, os escravos ou marginais. Cerca de mil e duzentos anos após a invasão, toda a região da Índia assume a religião védica, cultuada pelos árias. Alberto Brum, entretanto, aponta que o aparecimento das Vedas é um marco na civilização indiana, quando a tradição oral dos sábios da montanha – os rishis – passa a ser escrita. Uma outra curiosidade importante é o significado de Vedas. Derivada da raiz vid, significa conhecer, compreender, visão sábia. No entanto, grande parte dos ensinamentos hindus foram feitos através de um número incontável de contos populares. Dentre esses vários contos, podemos destacar o poema espiritual Bhagãvãd Gitã. Gitã é um diálogo ocorrido entre o deus Krishna e o guerreiro Arjuna, desesperado por se ver obrigado a combater seus próprios parentes numa guerra familiar. Disfarçado de cocheiro de Arjuna, Krishna conduz o carro de guerra pelo meio dos dois exércitos e, durante a batalha, revela a Arjuna as verdades do Hinduísmo. Enquanto Krishna vai tecendo seu pensar, o cenário da guerra vai ganhando novo floreio, transformando a batalha de Arjuna numa batalha espiritual da natureza humana. Para entender a filosofia indiana, é necessário considerar que o centro do pensamento indiano não está na adoração do Divino, mas no sacrifício como superação do sofrimento humano. A partir dos Vedas, os hinduístas desenvolveram a idéia do mocsa, ou libertação do sofrimento, chamado pelos budistas de nirvana. Entre os princípios do pensar da Índia estão a existência do “Um” ou Brahman, entendida como a realidade última; o Atman, manifestação real de Brahman; o Dharma, ou a lei universal; o karman, a ação que implicará na reação; o maya, o véu que encobre a natureza divina; a rta, denominada de ordem cósmica. Entretanto, o pensamento indiano não era a priori caracterizado pelo sacrifício, mas antes de tudo, era um pensar otimista e humanista, pois a prática de sacrifícios visava justamente a superação do drama do sofrimento. Essa filosofia perdurou até meados do século VI a.C. Nesse período, surge a filosofia Yôga e os Upanishads, que expandem suas doutrinas na Índia e desenvolvem uma visão pessimista da vida. Os Yogi, para solucionar o problema da vida, assumem uma visão ascética e metempsicótica da vida. Os Upanishads assumem o conhecer como superação ao drama do sofrimento humano.A metempsicose indiana traz para o cenário oriental dois conceitos fundamentais, o de samsâra, onde a realidade é vista como um evoluir fenomênico; e o karman , onde o devir fenomênico é tido como uma lei de causa e efeito. Ela é uma lei mecânica, e não propriamente espiritual ou moral. Não possui vínculo reencarnacionista ou teísta. Karman é na verdade um mecanismo da própria natureza. É uma energia potencial que conecta nossas ações às possibilidades do destino futuro. Ora, na nova visão indiana nascida com a influência yôga, o sofrimento passa a desempenhar uma função fundamental. A existência humana é vista como algo repleto de dramas provocados pelo sofrimento, que pode ser superado e transcendido pelo ser humano, chegando a um estado absoluto de paz e de felicidade. Entretanto, para superar esse sofrimento e as preocupações inerentes ao mundo experiencial, o pensamento indiano assume a filosofia de que conhecimento, meditação e yôga são meios fundamentais. O pensamento indiano é comumente classificado em três períodos filosóficos, o bramânico, o heterodoxo e o ortodoxo. Devido ao ataque intelectual e espiritual à tradição védica pelos sofistas, materialistas e yogis, o pensamento indiano vê-se obrigado a desenvolver novas formas de ação. Essas novas formas são assumidas pelos Aranyakas e pelos Upanishads. Neste último, o esoterismo passa a ser fundamento essencial. Upanishads significa doutrina sagrada. Eles pregam a gnose como meio basilar de libertação e não os ritos. A doutrina Upanishad une ao Brahman – a essência do mundo, o princípio supremo e absoluto – um novo conceito, o Atman – a essência do ser humano e das coisas, a alma ou o espírito das coisas e dos homens. O atman se completa em Brahman. Neste sentido, a manifestação corpórea de Brahman se dá no atman que torna a essência do mundo uma realidade sensorial e imperfeita. Logo, viver passa a ser um drama da experiência humana porque imperfeita. O medo da morte é superado pelo medo da vida, o medo de continuar a viver numa outra vida. Nos Upanishads, o karman passa ser visto não como um ato benéfico, mas como uma atividade que gera existência e, por isso, maléfica; visto que toda ação concorre contra a felicidade do ser humano. Esse pensar sobre a vida provoca uma busca desenfreada por sistemas espirituais que ajudam o ser humano a se tornar inato pela via da renúncia e ascese; e, mais especialmente nos Upanishads, pela via do conhecimento. A inação seria pois a via única capaz de levar o ser humano a libertar-se da vida cheia de sofrimento. A libertação da ignorância acontece quando Brahman e Atman transformam em uma coisa só, em essência. O Atman é, na verdade, o espírito revelado no ser humano e nas coisas que, ao atingir o absoluto, o nirvana, torna-se novamente Uno. Esse pensar dos Upanishads parece-nos oferecer uma resposta metafísica ao problema da realidade una. Neste ínterim, surgem os sistemas heterodoxos, aqueles que não compartilham da tradição védica e, por isso, não reconhecem o livro dos Vedas como sagrado. Os sistemas heterodoxos mais conhecidos são o Jainismo e o Budismo. É importante considerar que Jainismo e Budismo são ambos ateus. Jaina Vardhamâna e Sidharta Galtama não são deuses, mas guias. Iremos tecer um rápido comentário sobre o Budismo. O Budismo se inicia com Buda. A palavra Buda pode ser traduzida como o que está acordado (para a realidade). Assim, o Buda-Dharma é o nome mais apropriado ao sistema que preservou os ensinamentos de seu fundador. Este título foi dado a Siddharta Gautama, nascido em Lumbini, aos pés do Himalaia, no que hoje chamamos de Nepal (antiga Índia). Historiadores datam o nascimento de Buda, no ano de 563 antes da Era atual. Filho de uma família nobre da casta ksatrya, Siddharta teve uma infância cheia de prazeres. Sua infância foi severamente mudada quando entendeu fatos básicos da vida: enfermidade, velhice e morte. Logo decidiu deixar sua vida comum para seguir o caminho do Homem Santo, seguido por homens e mulheres desiludidos com a vida e, em busca de respostas à existência. Teve vários mestres e praticou severa austeridade que quase o levou à morte. Depois de um longo tempo decidiu deixá-la, ao perceber que por meio dela não chegaria à meta que buscava: a Iluminação. Mais tarde, direcionou seus esforços ao coração de sua própria experiência e sob uma árvore, conhecida como bodhi, fez o voto de não deter-se: ainda que a carne se acabe, ainda que o sangue seque, eu não me levantarei deste lugar até conseguir a Perfeita Iluminação. Após 40 dias e noites, Siddharta alcançou, ao compreender e superar a existência, suas causas e as condições que a formam, a Iluminação. Os budistas vêem nesse estado que ele alcançou uma experiência que vai além de qualquer condicionamento psicológico, perceptual, ou baseado em enfoques humanos. Um estado no qual vê-se a causa e o desenvolvimento da insatisfação da vida, em que se pode ver como os padrões da vida e das coisas se formam. Este estado de Iluminação é um estado de perfeita sabedoria e profunda compaixão.Nos 45 anos seguintes de sua vida, Buda ensinou a outros a forma de se chegar a esta transcendência das coisas. Ele passou a viajar pelas aldeias, comunicando e ajudando outros a chegar a esse mesmo objetivo. Ao longo deste tempo, várias outras pessoas alcançaram a Iluminação, estes ensinaram a outras pessoas o caminho para a Iluminação, constituindo-se uma cadeia ininterrupta de ensinamentos e métodos que levam ao desenvolvimento espiritual. Buda sintetiza sua doutrina nas quatro santas verdades: a vida é um sofrimento, a causa do sofrimento é o desejo, é fundamental suprimir o desejo para libertar-se do sofrimento, para suprimir o desejo é preciso praticar a óctupla via da libertação. Realizar essas santas verdades significa atingir a libertação final, a felicidade plena, o nirvana. O caminho óctuplo é composto, como o próprio termo revela, por oito etapas, a saber: a reta compreensão, o reto pensamento, o reto falar, a reta ação, o reto meio de vida, a reta energia (entusiasmo), a reta atenção e a reta contemplação. Nos sistemas hortodoxos, seis correntes filosóficas são fundamentais: o Mimâmsa, Vedânta, Yôga, Sâmkhya, Vaiceshika, Nyâya. Desses sistemas que assumem pensamento védico-bramânico, destacaremos o Yôga. O que vem a ser Yôga? Uma ginástica? Uma religião? Ora, para iniciarmos nossa reflexão sobre o Yôga vamos recorrer a um pequeno mito. Conta a lenda que um famoso bailarino improvisou alguns movimentos instintivos bastante sofisticados, inspiradas em uma dança. De uma beleza singular e técnica fantástica, a dança empolgava e emocionava as pessoas que assistiam a performance. Tais pessoas então pediram que o bailarino lhes ensinasse sua arte, o que ele prontamente aceitou. No início, a dança era algo espontâneo, interior e profundamente sensível. Após a morte do bailarino, sua dança se espalhou pelo mudo afora. Os discípulos mais leais preservaram-na e assumiram a missão de retransmiti-la. Em um determinado momento na História, a dança ganhou o nome de integridade, integração, união, esforço: em sânscrito, Yôga! Seu fundador entrou para a mitologia com o nome de Shiva e com o título de Natarája, Rei dos Bailarinos.Esses fatos ocorreram há mais de 5.000 anos a Noroeste da Índia, no Vale do Indo, que era habitado pelo povo drávida. Desde então a Yôga se expandiu pela Índia e pelo Ocidente. Alberto Brum nos lembra que a grande meta do Yoga é obter estabilidade interior, cessar o constante movimento das oscilações do pensamento – as inquietações – o pensar sem parar, o excesso de racionalismo. A Yoga visa transmudar esse processo, chegando a uma serenidade, tranqüilidade. Ora, o pensamento indiano tem contribuído decisivamente para a revolução pensamento físico ocidental, e para a restruturação espiritual do ser humano pós-moderno. A visão de um mundo nascida das tradições orientais são componentes inseparáveis da teoria quântica, resignificando conceitos científicos, fazendo-o elevar-se até uma linguagem de cunho transcendente e metafísico. Por esta razão, estamos de volta com um problema que data dos pré-socráticos, em especial Parmênides: o ser. O pensamento pós-moderno está configurando um novo conceito, para incluir nas categorias filosóficas o pensamento oriental interconectado ao pensamento físico quântico. Estamos na Era do Ser Quântico. Neste novo pensar, a natureza humana e a consciência quântica surgem como uma revolução capaz de dar nova visão relacional entre corpo e mente, mas não uma novidade para a filosofia oriental que nunca pensaram o homem de maneira dualista. Alertados pela tradição oriental, assumimos ser co-autores do universo. Não há mais espaço para uma concepção isolacionista do ser humano. Urge uma visão integracional de todos os seres. Estamos inseridos numa enorme teia de relações entre partes diversas de um todo unificado. Não há partes isoladas no universo, mas um todo dividido em partes necessariamente relacional. Essa visão remonta a relação Brahman-Atman, e o processo de superação do karma via busca do nirvana. Neste caso, a felicidade absoluta exige uma relação integral, metafísica e profundamente harmoniosa entre as manifestações ônticas do ser. Finalmente, o pensamento oriental abriu-nos as portas para uma visão mística da realidade, pois a partir do universo quântico a probabilidade de experimentar nossa inter-relação junto à realidade, fazendo fluir a energia em nós em contato harmonioso com a energia fluente na própria natureza, passou a ser não mais uma busca do conhecimento, senão uma necessidade da própria existência humana.
UPANISHADS – TECENDO ALGUNS FUNDAMENTOS Devido a diversos acontecimentos agressivos e geradores de desvios disciplinares, o Brahmanismo se viu obrigado a recorrer aos Aranyakas e aos Upanishads. No século VI a.C., sofistas, materialistas e Yogins despontaram no horizonte bramânico como uma pedra encravada no “calcanhar de Aquiles”. Esses indisciplinados travaram com os Brâmanes ataques sistemáticos de cunho cético, relativista e imoral, demolindo a tradição e o conhecimento do Brahmanismo. A recorrência dos pensadores bramânicos aos textos antigos Aranyakas e Upanishads constituiu-se numa busca de superação desses ataques demolidores. Ora, os textos Aranyakas serviram como instrução espiritual e meditação dos Brâmanes, em especial, dos eremitas que refugiavam-se nas selvas em busca da radicalização ascética. Nos Upanishads, tal radicalização fica ainda mais acentuada devido ao caráter de sacralização da ascese, tal como o próprio nome revela em sua terminologia: Upanishad, ou revelação sagrada. A característica ascética nos Upanishads, entretanto, não está centrada nos ritos mas na gnose, ou seja, no conhecimento. A gnose Upanishad tem alguns princípios a partir dos quais é tecida a visão universal. Ora, o ser humano é consciente de si mesmo, é se percebe como um ser incompleto. A incompletude humana é rejeitada pelo ser humano que faz uso incondicional de seus desejos ilusórios e sensoriais na desesperada tentativa de tornar-se um ser à vontade em relação ao universo, ou seja, um ser feliz. Tal desejo não é algo adquiro. Nós nascemos sob o signo do desejo de felicidade. Queremos de qualquer maneira ser felizes eternamente, e apenas temporariamente. Mas, a condição fundamental para alcançarmos felicidade plena não é a via da satisfação ilusória e concreta de nossos desejos. Mas, muitas vezes somos enganados por nossos sentidos e por nossa limitada maneira de apreender a realidade. Daí, não conseguimos transcender tal realidade e buscar melhores soluções para os dramas de nossas vidas. Os objetos de nossos desejos são tão frágeis, surgem do nada e morrem no nada sem preencher nossa vontade de satisfação eterna. Não há, por isso, outro caminho exceto aquele de um pensamento claro e maduro para perceber nas entrelinhas da realidade a verdade eterna. Escritos ao final de cada um dos quatro Vedas, antigos livros hindus de conhecimento, os Upanishads contêm essa busca gnosiológica de felicidade eterna. Ora, buscar a felicidade eterna significa conhecer um caminho para a verdade, conhecer o ser. O conhecimento do ser e da verdade é na essência a promoção da identidade entre indivíduo e o ser ilimitado. Não se trata de dizer você se tornará Aquilo (mais tarde), pois o ser humano já é identidade com o permanente. Entretanto, devido à corrupção dos sentidos, que nos faz encantados com nossas ilusões, não conseguimos ver essa identidade, sendo necessário reconstruir racionalmente nossa identidade a partir da frase você é Aquilo. Isto implica em dizer que não precisamos de ação mas de conhecimento. O conhecimento é o instrumento principal para a salvação eterna, para a libertação do ser humano de sua estrutura empírica. Ele nos faz romper com a ilusão do mundo e nos faz atingir com segurança e retidão a permanente realidade do Brahman.Assim, podemos afirmar que um dos pontos basilares da doutrina Upanishad está na apreensão gnosiológica da relação Brahman-Atman. Conforme a mitologia indiana, Brahman surgiu de um lótus, saído do umbigo de Vishnu e com ele também a criação. A consorte de Brahman, Sarasvati, é o Conhecimento, que surge somente a partir dele. Essa união entre Brahman e Sarasvati gera toda a toda a criação. Ora, Brahman é o princípio supremo, o ilimitado, o infinito, o inacessível ao pensamento, o metafísico, a fonte unificadora, o absoluto, a presença eterna, a verdadeira natureza da criação, a origem e substância de tudo, o todo unificado que se expande na forma física do universo. Logo, o universo é a clarividente e fantástica expansão de Brahman. Nas entranhas do Universo encontra-se Atman, a manifestação de Brahman na alma humana, permeando o corpo físico individual. Entretanto, tal presença eterna, porque é o Brahman em si manifestado, não é capaz de agir. Entretanto, toda ação real, concreta, física só ocorre porque existe Atman, o próprio agir em si do corpo. A essência humana e das coisas e existentes no universo é o Atman. Atman é a parte mínima do universo, ou o universo em nós, o Espírito Universal presente no coração do homem. Entretanto, a visão Upanishad da natureza não é dualista, mas monista: o ser humano e as coisas existentes se fazem um só em Brahman. Essa concepção da natureza, do universo e do Espírito Supremo é a chave fundamental para entendermos a filosofia bramânica a partir dos Upanishads. A visão do todo no Uno pode ser dita como isto tu és, tu és intimamente o Brahman; o teu Atman é o Brahman, porque o Brahman é o Atman. A identidade entre a essência humana e o Uno é a característica central da filosofia dos Upanishads. A percepção do mundo nascida dessa filosofia aponta que ele é o espaço decadente da realidade Brahman-Atman; o espaço que demole a unidade Universal em Brahman pois é apenas ilusão personalizada em realidades essencialmente empíricas. Superar pois essas realidades deve ser uma meta necessária do ser humano. O instrumento a ser usado é o conhecimento. Em sua busca pela realização plena e superação do sofrimento, o ser humano usa o conhecimento que o faz perceber a vanidade do mundo escravizando-o em sua visão individualista e dualista, e prendendo-o em seu karman. Essa prisão sem fim ao ciclo da vida, morte e renascimento é denominado de Samsara – do radical sânscrito samsr, circular, passar por diversos estados. Nos textos Upanishads, Samsara como sendo uma prisão cíclica do ser humano a seus gostos, fazendo-o agir de maneira ignorante de sua verdadeira natureza. O ser que não se libertar de Samsara, acabará acumulando em cada ciclo vital uma série de karman, exigindo dele mais nascimentos a fim de que ele alcance os meios para sua libertação definitiva. Tal alcance é caracterizado como um conhecer a natureza universal e humana. Essa percepção gnosiológica transforma-se em espada flamejante que corta abrasivamente a raiz do conhecimento errôneo e leva-o a um estágio elevado de unidade com Brahman, atingindo assim o nirvana, a quietude absoluta.
CAP. III: AS TRAGÉDIAS
INGRESSÕES À TRAGÉDIA GREGA
Comumente, entre nós, modernos, a palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação costumeira para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redunda num horrível assassinato. Para os gregos, porém, tragikós era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que ocorria apenas entre os grandes. Em Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria "uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos."
A TRAGÉDIA COMO CATARSE
Aristóteles não preocupou-se em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem concentrou-se nos aspectos técnicos do espetáculo mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.
O HERÓI TRÁGICO
O centro do espetáculo teatral gira em torno do destino infeliz do herói, tema comum a maior parte das narrativas e das sagas antigas. Nelas ele é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo dos feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. Um acontecimento sensacional, terrível, sufoca as suas alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras. Assim é que Édipo é rei de Tebas, onde casou com a rainha viúva e com a qual teve quatro belos filhos (dois varões e duas moças), quando tudo deu para desabar ao seu redor. Em outra peça, Agamemnon, o rei de Micenas, ao retornar para casa vitorioso depois de ter pilhado Tróia, sucumbe pelo golpe assassino de Cliptemnestra, sua mulher, e do amante dela. Prometeu, o titã que trouxe do Olimpo o fogo dos céus para os homens, banido, termina preso e encadeado no alto das montanhas do Cáucaso.
HOMERO E A TRAGÉDIA
Os poemas de Homero, tanto a Ilíada (do grego Illion, que é a cidade de Tróia) como a Odisséia (do grego Odisseus, nome grego de Ulisses) oferecem vários desses momentos de infelicidade pelos quais os grandes passam: o desespero de Aquiles quando perde o seu amigo Pátroclo num combate; o encontro de Ulisses com Aquiles na morada dos mortos; a desgraça de Heitor, o bravo guerreiro morto num duelo pela defesa da sua cidade; a humilhação de Príamo, o velho rei de Tróia, que é obrigado a suplicar a Aquiles pela devolução do corpo do filho. O objetivo do poeta porém não é exatamente o mesmo do autor dramático. Esses episódios da "Ilíada" e "Odisséia" fazem parte da narrativa geral cuja intenção é enaltecer a bravura e os feitos dos combatentes e não provocar a compaixão ou qualquer outro sentimento piedoso nos leitores ou ouvintes. Segundo Albin Lesky "a epopéia homérica é para a objetivação do trágico na obra de arte somente um prelúdio." Objetivar o trágico significa colocar humanidade em ações que antes eram pensadas apenas como ação dos deuses.
OS POSTULADOS DO TRÁGICO
Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiro lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande, importante, que consegue manter a integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. É pois, um estóico. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda, transmitindo a idéia da caída de um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, um marionete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói.
ESTOICISMO E TRAGÉDIA
A tragédia também tornou-se uma inspiração para a filosofia estóica que, desde os seus princípios, estava determinada a demonstrar os terríveis estragos que a paixão humana provocava. O sábio estóico Sêneca (4 A.C.- 65) serviu-se de peças com urdidura trágica como uma admoestação e advertência para mostrar o desespero que acomete aqueles que se deixam guiar por elas ao não saberem impor limites aos ardores do coração, submetendo-o aos poderes da lógica (esta, comumente, foi a interpretação da tragédia que chegou a nós no Ocidente com força bem maior do que aqueles que os grandes autores dramáticos da Ática lhe davam).
CRISTIANISMO E TRAGÉDIA
Para alguns autores cristãos a tragédia é um gênero que pertence exclusivamente ao mundo pagão. O cristianismo teria banido a tragédia por que ela simplesmente não se enquadra na idéia da alma pecadora que atinge sua redenção por uma graça de Deus, pois não há salvação nem perdão para o herói trágico. Ela, a tragédia, só seria possível na cultura pré-cristã que desconhecia os princípios do arrependimento e da absolvição, ou o gesto inesperado e miraculoso da graça divina (o artifício do Theos ex machiné, largamente utilizado por Eurípides, foi interpretado por muitos como um recurso teatral, não pertinente à essência da concepção grega da tragédia). Pode-se até conjeturar ter sido a própria vida de Cristo uma tragédia definitiva, uma catástrofe moral de tamanha dimensão que superou todos os possíveis dramas, não deixando espaço emocional para que nada mais pudesse emparelhar-se ao sofrimento do Salvador. A representação popular da paixão e do martírio de Jesus, que até hoje é encenada nos autos religiosos, inibiu para sempre a dramaturgia cristã.
ORIGINALIDADE DO TEATRO
Sabemos que os poetas da Grécia Antiga exploraram outros gêneros, tais como o drama satírico e a comédia, mas nenhum deles teve a transcendência alcançada pela tragédia, fazendo com que o espetáculo trágico fosse o que mais profundamente se enraizou na tradição cultural moderna. Muitas das contribuições culturais que nos chegaram pela mãos dos gregos, tais como a Filosofia, a Geometria, a Pintura Cerâmica, a Arquitetura, a Música, a História, a Medicina, a Literatura Épica e Lírica, a Mitologia, etc., com certeza eram de origem Oriental. O mesmo, porém, não se deu com o Teatro. Se Pitágoras e Platão abeberam-se da filosofia e da geometria egípcia; se Heródoto inspirou-se nas crônicas anatólicas, persas e egípcias; se mesmo Homero inspirou-se em narrativas épicas de outros povos, tal não pode dizer-se dos autores trágicos. A Tragédia é a mais pura criação da cultura grega antiga e, quando transplantada para outras culturas, não encontrou a mesma receptividade.
OS CONCURSOS TRÁGICOS
As encenações trágicas, tais como as conhecemos, tiveram início com a institucionalização da chamada Dyonissia, os "Concursos Trágicos", no governo do tirano ateniense Pisístrato (cerca 536-534 a.C.). Famoso por ter sido "hábil e bonacheirão", o autocrata rapidamente compreendeu a potencialidade política do Teatro, dele lançando mão para popularizar o seu regime. Sólon (668-559 a.C.), o mais famoso legislador ateniense, ao dar-se conta disso, certa vez abandonou em pleno andamento, uma representação que assistia em protesto contra a manipulação política das artes. O velho sábio, desiludido, retirou-se do teatro sentindo-se vencido. Naquela época a encenação teatral ainda dava seus primeiros passos e seu apogeu só se deu no século seguinte, no século V a.C., ao surgir a trindade dos soberbos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. O ciclo da tragédia só encerrou-se quando, à época de Aristóteles, no século IV a.C., o jovem teatrólogo Agaton compôs peças cujos elementos não se inspiram mais na tradição, e sim resultam da sua própria criação. O período abarca mais ou menos uns cento e cinqüenta anos, mas o seu apogeu concentrou-se do início das guerras persas (490-480 a.C.) até encerrar-se com a morte de Eurípedes em 406 a.C. (dois anos antes da capitulação de Atenas perante Esparta), isto é uns 70 ou 80 anos. Literariamente seus marcos seriam a primeira apresentação de "Os Persas" de Ésquilo, que se supõe tenham ocorrido em 472 a.C., e as "As Troianas" de Eurípedes em 415 a.C.
A organização das dionisíacasMês Denominação da festaDezembro A Pequena DionisíacaJaneiro A LaneaFevereiro AnthesteriaMarço A Grande Dionisíaca, celebrada após a procissão das Panatenéias, que duravam seis dias
Em cada uma delas, concorriam apenas três poetas, escolhidos pelo Honorável Arconte, o patriarca da cidade. A inscrição era voluntária, cabendo ao autor apresentar três tragédias e um drama satírico, - uma tetralogia. Cabia ao Estado a premiação dos poetas e a manutenção, durante a temporada, do sustento dos hypocrites (os atores). Os integrantes do coro por sua vez eram mantidos por patrocinadores privados, em geral atenienses ricos que procuravam ganhar o respeito da sociedade e o reconhecimento público com a prática do mecenato. Feita a escolha dos três autores, o nome deles era submetido a uma votação por uma comissão de 500 juízes (50 de cada um dos demos da cidade) que colocavam o nome do seu preferido escrito numa pequena esfera que, depois, era depositada numa das dez urnas existentes no Pártenon. A obra daquele que foi indicado começa a ser representada a partir do horário matutino, sendo que as dos outros preencherão os dias restantes até que o festival se encerrasse. O poeta escolhido tinha o seu nome anunciado pelo heraldo e, em seguida, ele era coroado pelo Honorável Arconte com uma coroa de hera, a planta sagrada de Dionísio.
A TRAGÉDIA GREGA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O MUNDO GREGO
A tragédia grega nasceu do culto ao deus Dionísio. Diz o mito que de Zeus e Perséfone nasceu Zagreu, o primeiro Dionísio. Este era o preferido do pai dos deuses e dos homens, estava destinado a sucedê-lo no governo do mundo. Zeus tentou protege-lo dos ciúmes de sua esposa Hera, confiando seus cuidados a Apolo e aos Curetes que o criaram nas florestas do monte Parnaso. Após descobrir o paradeiro do jovem deus, Hera mandou os Titãs darem um fim em Dionísio. O jovem deus tentou várias metamorfoses para escapar dos Titãs, mas seus esforços foram em vão. Os Titãs o encontraram na forma de um touro e o devoraram. Palas Atená conseguiu salvar o coração ainda palpitante de Dionísio. Zeus mais uma vez se apaixonou por uma mortal, a princesa tebana Sêmele (daí o termo sêmen). Esta engoliu o coração do primeiro Dionísio, ficando grávida do segundo Dionísio. Há uma outra versão do mito que diz que foi Zeus que engoliu o coração do filho antes de fecundar Sêmele.O segundo Dionísio não teve um nascimento normal. Ao saber dos amores de Zeus e Sêmele, Hera resolveu eliminá-la se disfarçado de ama da princesa tebana e aconselhando-a a pedir ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor. Zeus advertiu Sêmele que tal pedido poderia ser fatal, mas como havia jurado satisfazer todos os seus desejos, se apresentou com todo o seu esplendor, com seus raios e trovões. O palácio da princesa se incendiou e esta morreu carbonizada. Zeus recolheu do ventre da amante o fruto inacabado de sua paixão, e colocou-o em sua coxa até que completasse a gestação normal. Ao nascer, Zeus confiou os cuidados do segundo Dionísio às Ninfas e Sátiros do monte Nisa. Lá ele viveu em uma gruta cercada de uma frondosa vegetação, onde nas paredes cresciam belas parreira recheadas de uvas. Certa vez, Dionísio recolheu alguns cachos destas uvas e os espremeu em taças de ouro, bebendo seu suco acompanhado por sua corte. O vinho acabava de nascer. Todos beberam repetidas vezes o novo néctar, Sátiros, Ninfas e o próprio Dionísio, começaram a dançar vertiginosamente ao som dos Címbalos. Embriagados com o delírio báquico, todos caíram ao chão semidesfalecidos. Em homenagem a Dionísio e a criação do vinho, todo ano em Atenas e por toda a Ática se realizava a festa do vinho novo. Nesta festa, os participantes faziam como os companheiros de Baco (outro conhecido nome de Dionísio), se embriagavam e começavam a dançar e cantar freneticamente até cair desfalecidos. Os adeptos do deus do vinho se disfarçavam de Sátiros, figuras conhecidas pelo imaginário popular como "homens-bodes". Teria nascido assim o vocábulo tragédia (trágos = bode + óide = canto, que no latim resultava em tragoedia e em nossa língua acabou se tornando tragédia). Uma outra versão diz que a palavra tragédia surgiu porque durante o início das festividades se sacrificava um bode a Dionísio, o bode sagrado que era o próprio deus. Diz o mito que em uma das suas últimas metamorfoses para fugir dos Titãs, Baco teria se transformado em um bode. Devorado pelos Titãs, o deus ressuscitava na figura de "trágos theios", ou seja, de um bode divino que deveria ser sacrificado para a purificação da polis (algo parecido com a história de Jesus Cristo, o cordeiro imolado para a purificação dos humanos).Na Grécia, os devotos de Dionísio, após a já falada dança vertiginosa, caíam desfalecidos. Neste estado acreditavam sair de si pelo processo do "ékstasis", êxtase. Este sair de si era considerado uma superação da condição humana, era o mergulho em Dionísio e o mergulho de Dionísio em seu adorador através do processo de "enthusiasmós", entusiasmo (em + theos, tornar-se deus). O homem, simples mortal em êxtase e entusiasmo, unido ao divino e à imortalidade, tornava-se um "anér", ou seja, um herói. Este ultrapassava o "métron" (os limites, a medida), sendo um "hypocrités", isto é, aquele que responde em êxtase e entusiasmo, este é o ator cuja a finalidade estando fora de si é representar um outro. Esta vontade de contemplação da imortalidade e do triunfo divino representado por mitos que morrem e ressuscitam, como no caso de Dionísio era uma necessidade popular, mas chocava-se violentamente com a religião oficial e aristocrática da pólis. Nesta religião, os deuses estavam sempre atentos para esmagar qualquer "démesure" (desmedida) dos pobres mortais que aspirassem a imortalidade. Tanto os deuses quanto o Estado se sentiam ameaçados, pois os processos de êxtase e entusiasmo liberavam certas atitudes contrárias a ordem ética, política e social. Por este motivo era muito comum encontrar na Grécia antiga tantos avisos de moderação, como por exemplo: "gnôthi sautón" (conhece-te a ti mesmo), "medèn ágan" (nada em excesso). Sendo esta ultrapassagem do métron pelo hypocrités uma "démesure", ou seja, uma violência feita a si próprio e aos deuses imortais que provoca o "némesis", o ciúme divino; o ator, o herói é punido pelos deuses com a "até", cegueira da razão. Tudo o que o hypocrités fizer estará fazendo contra si próprio (como o que acontece a Édipo, por exemplo). O Estado Grego se apoderou da tragédia e a tornou uma parte da religião e política da pólis justamente para desmitificar estes rituais ao deus Baco. O Estado colocou a tragédia dentro dele, fazendo com que ela se tornasse uma parte dele, automaticamente a neutralizando. A tragédia deixou de ser uma démesure e se tornou um instrumento de manutenção da memória grega incorporada ao Estado e à religião aristocrática.A memória para os gregos era uma coisa muito importante que deveria ser preservada a qualquer custo, ela representava não só o passado, mas o presente e o futuro. Na Grécia antiga, era a tradição que decidia sobre o destino de tudo e de todos, ela era a totalidade, e todos os assuntos se resumiam a ela. A poesia recheada de deuses, semi-deuses e heróis era a verdade, era a tradição que deveria ser mantida. A memória, para os gregos, é a lembrança da verdade velada, o poeta é aquele que faz aparecer tudo aquilo que estava escondido, ele é o "dono da verdade". A arte controlava a sociedade, pois ela era a responsável pela preservação da memória.
CAP. IV: COSMOLOGIA [FILOSOFIA NATURALISTA]
OS CINCO ELEMENTOS
Muita gente ainda não percebeu a importância da natureza na vida das pessoas. Então vejamos um fato importante. O ano meteorológico divide-se em quatro estações muito bem definidas, a saber: o verão, o outono, o inverno e a primavera. Você deve estar se perguntando: que tem a ver as quatro estações com aulas de filosofia ? Então, continuemos. Cada uma das quatro estações revela a força de um dos quatro elementos filosóficos fundamentais da vida, que são a água, a terra, o fogo e o ar. Há dois mil e quinhentos anos atrás as reflexões dos filósofos gregos chamados de naturalistas resultaram em princípios e leis que hoje são fundamentais para o desenvolvimento das ciências, tais como a Física, a Biologia, e até a Matemática. Tudo começou com Tales (624-546 a.C.), em Mileto. Em sua época, a preocupação maior era entender a realidade, o mundo (o cosmos) em sua totalidade, pois para os filósofos da época, o mundo todo existia a partir de uma substância única e ativa. Costuma-se chamar esta fase do pensamento grego de cosmológica. Tales era astrônomo e geômetra, além de filósofo. Através de seus conhecimentos ele procurou a arque [ARCHÉ], palavra que significa ao mesmo tempo a origem, a direção e o princípio organizador que permanece por trás de tudo na natureza. Para ele, a arqué é a água. Ele dizia que a Terra era apenas um disco boiando sobre as águas, no oceano. Ora, a água é a base fundamental de uma das estações do ano de nome Inverno. Sua predominância e força de seu movimento são realmente vistas no inverno. Nesta estação, a ocorrência de chuvas constantes e diárias demonstra a importância da água para a vida humana. As chuvas são importantes para a lavoura, para os animais e para os seres humanos. A água pura não tem cor, cheiro ou sabor. Dela produzimos energia. Entretanto, um outro filósofo também de Mileto, de nome Anaxímenes, e que viveu de 610 a 547 a.C., pensou em uma outra arqué (ou substância única) que origina o mundo. Ele disse que o Ar seria a base fundamental da natureza. Para ele, o ar era ilimitado e permanecia num movimento incessante. Anaxímenes imagina a Terra como um disco suspenso no ar. De fato, o ar é importante para nós, especialmente quando estamos numa estação do ano chamada de Outono. No outono, o ar se mostra com maior intensidade através dos ventos que derrubam folhas ao chão e ressecam as plantas, além da pele humana. O ar, que em seu estado puro também não tem cor, cheiro ou sabor. Dele extraímos o oxigênio, o gás carbônico e o nitrogênio. Dele também produzimos energia. No entanto, um outro filósofo da cidade de Éfeso chamado de Heráclito, e que viveu de 601 a 510 a.C., pensou que o elemento primordial estaria num contínuo vir-a-ser, ou seja, seria um elemento em contínua transformação. Para ele, o elemento da natureza com tais características é o Fogo. De fato, o fogo é importante para nós. Ele é a base fundamental de uma das estações do ano, chamada de Verão. No verão, percebemos o quanto as coisas podem ser destruídas pelo fogo, esse eterno movimento. O fogo é a queima de calor térmico. Sua importância pode ser vista diariamente no sol que nos ilumina, na energia que chega até nós e nos alimentos que necessitam de cozimento. Mas, nossa reflexão ainda não pára por aí. O filósofo Empédocles, da cidade grega de Agigrenta, e que viveu entre 492 e 432 a.C., afirma que a existência do cosmos depende da água, do fogo e do ar. No entanto, acrescenta um quarto elemento chamado Terra, realidade suspensa no ar. A Terra é sinônimo de fertilidade e vida. Ela mostra sua força no período da Primavera, quando vemos o renascer da natureza. Desde alimentos até nossas moradias, a Terra é vida para nós. Quando pensavam que haviam chegado aos elementos primordiais da natureza, surge o grande filósofo Demócrito, natural de Abdera da Trácia (460-370 a.C.), que seguindo o pensamento dos quatro elementos, afirmava que o universo era uma infinidade de corpúsculos simples e homogêneos (os átomos), iguais pela qualidade, desiguais por grandeza, forma e posição. Estes átomos estão no espaço vazio, onde se movem por causa do diverso tamanho e, por conseguinte, por causa da diversa gravidade do átomo. Os átomos mais pesados caem, movem-se eternamente no espaço infinito mais rapidamente do que os menos pesados. Estes, portanto, entrando em choque com aqueles são arrastados em movimentos e, desse movimento e choque, origina-se a variedade de coisas. Agora, você percebeu como os filósofos nos ajudaram a perceber a importância da natureza: terra, água, fogo e ar, pela combinação entre elementos esféricos iguais, também chamados de Átomos. Então cuide para que o nosso planeta tenha sempre uma perfeita harmonia desses elementos.
CAP. V: ANTROPOLOGIA [FILOSOFIA DO SER]
O PENSAMENTO DE SÓCRATES
Sócrates é uma personalidade fundamental para a filosofia. Uma maneira de percebermos sua importância talvez esteja num episódio ao final de sua vida. No momento em que Sócrates estava prestes a morrer, e ele sabia da hora chegada, aquela em que sua alma entraria para a eternidade e com isto para o contato com a verdade absoluta, ele admite que a vida é um erro e convida os seus amigos a o seguirem em seu envenenamento. Ele percebera os limites que o corpo infligia contra o acesso à verdade e à imortalidade da alma. Finalmente a proximidade da morte parece lhe colocar cara-a-cara com a possibilidade da verdade. Assim, seu corpo, um obstáculo à essa busca já não faz sentido algum. Sócrates, na fronteira da morte, via-se ansioso por encontrar-se no Hades, na morada dos mortos, com ilustres pensadores ou com deuses que finalmente poderiam decifrar os códigos da verdade. A morte não tem sentido enquanto fim do ser. Ela é, antes de mais nada, a libertação da alma que, ao afastar-se do invólucro corpóreo, das ilusões e dos erros produzidos por ele, pode agora chegar a instância da verdade absoluta.Nascido por volta do ano 470 a.C., Sócrates não deixou nada escrito. Entretanto, seu discípulo mais famoso, Platão, registrou os passos da vida desse grande filósofo. Na verdade, Sócrates é lembrado muito mais por causa de sua maneira de ensinar. Ele desenvolvera um método que consistia em diálogo mediante perguntas. Esse diálogo visava chegar à descoberta do conceito, meio imprescindível de se chegar à verdade. Para compreendermos o método de Sócrates devemos em primeiro lugar considerar o diálogo como artifício metodológico de procura da verdade. Ali é o lugar da gestação e do nascimento da verdade. No diálogo, a pessoa caminhava reflexivamente de um lado para outro, através de diferentes posicionamentos e conceitos, questionando e redefinindo conceitos a fim de solidificar idéias e, por esse caminho, chegar à verdade. Sócrates era um polemizador de marca maior. Polemizava suas idéias na praça do mercado, em Atenas. Estava tão preocupado em descobrir o que era bom, justo e verdadeiro que acabara por afirmar que a maior causa do mal era a ignorância, e, por esta razão, o homem pecava por falta de conhecimento. Ele tinha como objetivo de vida viver na justiça e formar cidadãos sábios, honestos e temperados. Esse objetivo visava uma formação oposta a dos sofistas que agiam com intenções direcionadas ao próprio proveito. Os sofistas formavam grandes egoístas, que lutavam uns contra os outros e escravizavam o próximo, além de sua metodologia negar a existência da verdade. Sócrates não aceitava aquela maneira de ajudar os homens a viverem suas vidas. O sentido da vida toma novo rumo com o pensamento de Sócrates. Para ele, a vida não analisada não merece ser vivida. Para que haja vida verdadeira, a pessoa tem que ir em busca da verdade, mas esta busca se faz via conhecimento fundado na virtude. O saber em Sócrates é conhecimento sólido, não deteriorável, irrefutável. Ora, mesmo que não saibamos a verdade, é necessário sabermos que nada sabemos, mas sem jamais desistir de buscar a verdade, ter presente a idéia da verdade, um lançar-se à procura do verdadeiro saber. O diálogo provocador do pensar tinha, para Sócrates, a função de ajudar a pessoa questionada a tomar consciência da própria ignorância. O exercício da descoberta do próprio ser ignorante é uma espécie de busca do próprio conhecimento. Em suas palavras, um conheça-te a ti mesmo. O ápice da sabedoria é atingido através da virtude que aponta para uma realidade franca: a verdade nasce quando a pessoa se dá conta de que todo saber que pensava possuir não tem na verdade qualquer verdade. O ser humano a esta altura encontra-se consigo na consciência racional de si mesmo. Esse encontrar consigo na consciência racional quer afirmar que a verdade das coisas não poderá ser captada pelo seu aspecto sensível, mas pelo próprio pensamento das coisas, ou seja, pelo universal que o pensamento apreende em todo o sensível e que, na medida em que é apreendido pelo pensamento, transforma-se em conceito. O ato de pensar as coisas a partir de seu aspecto racional é, em outras palavras, um partir em busca da verdade com o objetivo de estabelecer um sistema, um organismo lógico de conceitos. Ora, esse estabelecimento quer nos levar a um patamar onde somos capazes de olhar as coisas a partir de seu conceito universal. Caso haja um fracasso nessa nossa busca, então a pregação dos sofistas tornar-se-á certamente insuperável: o conhecimento – como conhecimento das particularidades é sem dúvidas relativo e contraditório, sendo assim, a comunicação e as relações de respeito entre os homens tornam-se também impraticáveis. Entretanto, não buscamos a verdade com perspectivas de fracasso. Se tomamos como nossa a busca de Sócrates, então para nós procurar a verdade deve significar ir ao encontro da própria força suprema que pode orientar nossa vida, visto que ao agirmos mal acabamos por gerar dor e infelicidade. Com isto, alcançar a verdade significa alcançar a salvação da vida, relação essencial existente entre a verdade e a vida. Por isso, a reflexão socrática direciona nossas vidas para o mundo da ética. O ensino dialógico de Sócrates tinha o objetivo de reconstruir o conhecimento através da extração de idéias. Sua forma de ajudar os outros a pensar seguia os seguintes passos: Ironia: Maiêutica: Introspecção: Ignorância: Indução: Definição. O primeiro passo chama-se Ironia. Ela visa desembaraçar o espírito de conhecimentos errados, preconceitos e opiniões. Na ironia ridiculariza-se a linguagem sofística das pessoas, levando-as a perceber que nada sabem acerca da verdade. Uma vez chegada a conclusão da ignorância. Sócrates aponta o segundo passo, a maiêutica. A maiêutica realiza o conhecimento verdadeiro pela razão, extraindo-o através do próprio aprendiz. Na percepção de Sócrates, a verdade não nos pode ser transmitida por outros ou vir ao nosso encontro de algum modo a partir do exterior. O ansiar por descobrir a verdade é, para Sócrates, um sinal de que a verdade está no ser de quem anseia. A verdade reside numa dimensão diferente da exterior. Esta dimensão somos nós mesmos, enquanto consciência. A maiêutica tem o objetivo de desmascarar a falsa sabedoria e chegar a um conhecimento da natureza do homem, limitado em sua busca. Ao buscar a verdade que se esconde para além das aparências, o ser humano passa por um processo de introspecção, voltando-se para si mesmo, dirimindo questões até esvaziar-se de seu conhecimento aparente. Há então o reconhecimento de que o conhecimento está para além do senso comum. Há logo em seguida um novo passo. Pela via dialógica, o ser humano volta ao mundo universal a partir do particular a fim de atingir os limites da verdade através de conceitos.
O PENSAMENTO DE PLATÃO
Aristocrata, discípulo de Sócrates, Platão foi o primeiro a refletir e colocar em um sistema coerente questões fundamentais tais como o ser, o conhecer e o agir. Nascido por volta de 428 a.C., Platão baseia toda a sua filosofia na questão do ser. Por esta razão, via o filósofo como amante da verdade e de todo ser verdadeiro, devendo por isso, aspirar desde a sua juventude à verdade sobre todas as coisas. Platão Fundou a ACADEMIA, uma espécie de maquete de todas as universidades. Nesta Academia, os estudos básicos estavam direcionados para a aritmética, a geometria, a astronomia e a harmonia do som. Nela, Platão intencionava treinar a mente dos homens para capacitá-los a pensar por si mesmos à luz da razão. A educação exigia esforça conjunto da parte do professor e do aluno em processo verdadeiramente dialético. Nesta Academia estudou um dos maiores filósofos de que se tem notícia: Aristóteles. No pensamento de Platão sobre o papel do verdadeiro filósofo, ele tece algumas importantes colocações. Em primeiro lugar, Platão aponta que o verdadeiro amante do saber é aquele que deseja encontrar a verdade desde sua juventude. Transfigurados pelas virtudes que fazem o ser humano tornar-se justo, o filósofo vai em busca de superar os limites do conhecimento fornecido pelo corpo. Ora, quando os outros opinam dizendo que os filósofos são pessoas inúteis, que vivem “no mundo da lua”, que pouco se interessam por questões práticas, na verdade eles estão desqualificando quem pode mudar o mundo, governando-o. Platão vê naquele que busca sinceramente a verdade das coisas, e a medida justa de tudo, um ser único capaz de mudar o mundo. Talvez por estar pleno de justeza, ele seja o mais capacitado a promover a transformação no mundo, a governar a sociedade. Para Platão, o homem harmoniosamente constituído, despojado da avareza e da mesquinhez, da vaidade, e da covardia, jamais poderá mostrar-se duro ou injusto em suas relações com os outros. Esta é uma das maiores qualidades do filósofo. Mas, por que o filósofo é tão importante para Platão? Uma resposta é o fato do filósofo ir em busca da verdade pura. Neste sentido, o próprio Platão faz o papel nato do filósofo que busca incessantemente a verdade. Para ele, a filosofia, tal como Sócrates, é a ciência capaz de resolver o problema da vida. E o maior de todos os problemas é o conhecimento pleno, ou o des-velamento da verdade; visto que o conhecimento prático, a gnose nascida do senso comum é limitada e pura aparência. Para enveredarmos no pensamento de Platão, iniciemos com uma de suas mais famosas estórias: a Alegoria da Caverna, uma maneira de Platão demonstrar como ocorre a sua Teoria das Idéias. Imaginemos uma Caverna onde há pessoas. Todo mundo acorrentado numa caverna desde a infância. Com as cabeças presas, os prisioneiros só podem olhar em uma direção, a direção da parede da caverna. Um fogo aceso atrás deles, e por entre eles e o fogo, pessoas circulam carregando objetos. Virados para a parede, não conseguem ver o fogo ou as pessoas que circulam ou mesmo os objetos que elas carregam. Os prisioneiros vêem somente as sombras projetadas e julgam que elas são a realidade. De repente, um homem foge, sai da caverna e vê o mundo real. Ele volta mas, ofuscado pela luz, parece mais idiota do que antes. Convida os outros para sair e ver a nova realidade. Os outros não aceitam, preferem viver na crença da própria aparência. Esta alegoria é uma demonstração de que o conhecimento aparente se apresenta a nós como se fosse pura verdade. Ora, a Alegoria da Caverna quer demonstrar que o sensível é, na teoria platônica, insuficiente para identificar o conhecimento. Em outras palavras, a idéia, que não possuímos plenamente, é real e o real, que nossa percepção sensível capta naturalmente, é apenas aparência. O corpo, fonte de acesso ao conhecimento primeiro, é um obstáculo ao conhecimento da verdade visto que ele revela apenas a aparência das coisas. No entanto, Platão postula que devemos considerar a percepção – e isso exige o sensorial – como condição necessária para fazer a razão chegar ao ápice das idéias. Esse subir racionalmente do sensorial ao mundo das idéias é um processo dialético ascendente enquanto que o processo inverso pode ser chamado de dialético descendente. Na verdade, esse sair de nossas próprias percepções sombrias, é um passo fundamental caso queiramos ver sair da caverna e ver o mundo real. Ora, o sensível é insuficiente ao conhecimento porque está manifestado de erros. Por esta razão é necessário que pela anamnesis sejamos capazes de transitar da subjetividade às idéias pois o verdadeiro conhecimento só se produz a partir da relação com as idéias, que está além das aparências. Podemos ainda afirmar que uma vez longe do mundo das idéias, a verdade desaparece de nossas mentes. Platão refuta tal premissa revelando que mesmo que esqueçamos a realidade ideal, nossa lembrança do que conhecíamos antes de conhecer em realidade – anamnesis – faz-nos saber aquilo que nunca experienciamos. Assumir a anamnesis significa aceitar o fato de que podermos conhecer a verdade não significa que a conhecemos. A nossa busca pela verdade deve estar fundada em princípios da racionalidade enquanto instância que permite aproximação com o eterno, o imutável, as essências, as idéias. Apesar desta concepção platônica supor uma divisão no âmbito do ser, uma separação entre idéia e alma, a psyché deverá determinar o nexo estrutural, ou seja, o princípio unificador da idéia e das almas. É uma questão de devir e de idéia, a dissolução do mundo do devir no mundo das idéias. Ora, as idéias são o fundamento que permite diálogo e, por conseguinte, a realização da utopia como projeto de humanidade em todos os níveis. Essa sistema de pensamento revela a percepção metafísica de Platão em relação ao ser feito mundo divino das idéias. O evoluir do pensamento para além das aparências, para o ápice das idéias permanentes exige um processo dialético e dialógico. O diálogo e a dialética são possíveis graças ao Eros, aquele que busca a metade que nos falta, aquele que nos faz desejar o que nos torna felizes. Eros nos ajuda na mudança do diálogo para a dialética, que se faz pelo processo de unificação desde uma interioridade em travessia à exterioridade e vice-versa. O aprender consigo mesmo no responder e no perguntar nos faz crescer em nossa percepção e conhecimento da verdade e inclusive de nós próprios. O conhecer-me a mim mesmo diz respeito ao apreender o ser que se revela em nós. Neste aspecto, Platão indica que a atividade filosófica implica uma postura ético-metodológica do sujeito, sendo simultaneamente, abertura ao outro e abertura ao ser. É a ética e a razão do filosofar juntas. O método dialético ético realizado no diálogo com o outro nos ajuda a, através da argumentação racional, encontrar o caminho que ascende da opinião à verdade justa. Por isso, há de fato uma necessidade imanente do outro, o que nos leva a formular uma concepção ética, cujo fundamento se encontra na subjetividade, mas que exige de nós a racionalidade a fim de que a humanidade seja realizada. E realizar a humanidade significa libertar inteiramente da sensibilidade para o permanente mundo das idéias.
O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES
O estagirinta Aristóteles, discípulo incondicional de Platão na Academia, nasceu em 384. Sua maior atividade social e política talvez tenha sido a de educar Alexandre, o grande. Aristóteles fundou também uma espécie de faculdade, o LICEU, tido como superior à Academia. Sua maneira de ensinar tinha como metodologia o caminhar. Por esta razão, seus alunos eram chamados de peripatéticos. A organização lógica do nosso pensamento em silogismos, ou seja, em premissas e conclusões, é feita por Aristóteles. Ao refletir questões do pensamento ele define como meio fundamental de acesso ao conhecimento a filosofia. Filosofia é teorética e, por isso, busca pensar os problemas mais profundos do universo. Ora, a filosofia enquanto ciência das causas primeiras, é fatuamente teórica, e eleva o ser do estado de ignorância para o estado de sabedoria. Para Aristóteles, o conhecimento de todas as coisas encontra-se necessariamente naquele que, em maior grau, possui a ciência universal, porque ele conhece, de certa maneira, todos os sujeitos, ou casos particulares do universal. Mas ao ser humano, por seus limites que não vão além do sensorial, torna-se difícil chegar ao conhecimento universal. Há necessidade de filosofar. Mas há que diferenciar entre aquele que apreende o pensamento dos filósofos e aquele que debate com eles seus pensamentos. Aristóteles afirma que filosofar é uma questão de atitude. E tal atitude se inicia pelo “admirar” como fonte de aprendizado filosófico. Se cabe ao filósofo o belo papel de admirar o ser, logo, é tarefa da filosofia captar e tematizar o permanente, o imutável em todas as coisas, ou seja, a physis: totalidade do real, o necessário e permanente. Ao apontar um conceito mais elaborado para physis, Aristóteles revela sua visão metafísica das coisas e do próprio ser humano. Para ele, todo o homem deseja naturalmente saber. Mas esse conhecer exclui o comportamento prático e utilitarista. Há que se ter na verdade um comportamento admirativo. Ora a admiração é o elemento fundamental da gênese do filosofar. Devemos, no entanto, chegar através da admiração filosófica à consciência da ignorância por meio da percepção de uma dificuldade. O admirar remonta à tese básica da identidade fundamental, aquela em que Parmênides nos apresenta: pensar e ser, onde o Ontos é o todo e o Logos é a reunião prévia de todos os entes cada um em seu lugar. O pensamento aristotélico não nega, contudo o movimento que é uma característica real do ser enquanto realidade. No entanto, sem negar o movimento, o verdadeiro sentido da realidade no pensar aristotélico é a imutabilidade. Essa é a maior diferença entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles. Enquanto Platão separa o mundo das idéias do mundo das aparências, o estagirinta afirma que a idéia existe na matéria, ou a essência existe na substância. Assim, o conhecimento do ser deve se iniciar no conhecimento do real. Com isto, Aristóteles coloca no centro da reflexão filosófica o conceito fundamental de essência. A essência é interna possibilitas, ou seja, é a possibilitação interna de uma coisa, sua necessidade, aquilo que faz com que ela seja necessariamente o que ela é. Cabe aqui afirmar a essência como princípio de identidade da substância, onde a substância é a junção de matéria e forma. Logo, os dois principais aspectos da realidade física para Aristóteles são a substância, ou tudo o que se constitui; e a essência, ou o que tudo realmente é. Neste aspecto, Aristóteles avança em sua reflexão sobre o permanente, ou a essência, e o mutável, a substância. As coisas mudam porque à medida em que há o andamento natural das coisas, tais coisas vão realizando o seu potencial. Entendamos por potência como o não-ser atual e a capacidade de ser, e como ato o ser efetivo. O pensamento aristotélico caracteriza-se então como um pensar analítico, que fundamenta uma forma de acesso ao real, e uma visão de mundo articulada em contraposição à forma de saber da tradição grega até então, que era dialética. Mas a analítica aristotélica tem uma preocupação fundamental, a de salvar a racionalidade humana do arbítrio em virtude do emprego do jogo de opostos feito por sofistas. Aristóteles não tolerava os sofistas. Contra o pensamento falacioso destes pensadores, ele dividiu em categorias os diferentes tipos de coisas que podemos dizer algo. As categorias são substância, qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação, propriedade. Ora, ao categorizar as coisas, Aristóteles revela sua visão cosmológica do mundo. Nesta visão, sua organização metodológica leva a termo uma descrição precisa dos fenômenos. Tal organização é assim desenhada: em primeiro temos a causa material que constitui as coisas e permite que haja mudança; a causa eficiente, o evento em processo levando a um resultado; causa formal, a realidade que leva á mudança; causa final, razão externa da mudança. A causa final é um princípio básico de sua filosofia que indica haver finalidade em tudo. O ser humano nasceu para a finalidade de pensar. Essa visão finalista da natureza das coisas é chamada de teleologia, uma maneira de explicar o desenvolvimento dos seres vivos e das pessoas.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA ANTIGA
Uma nova caminhada da filosofia se dá com a mudança de ótica do pensamento grego. O cerne dos questionamentos não está mais na realidade a ser apreendida, mas no ser que gera a realidade e a transforma a medida que o tempo passa. Não há somente a mudança de ótica do pensar grego, mas em Sócrates se inicia uma nova maneira de pensar. Seu método de fazer parir as idéias é uma singular maneira de construir o conhecimento sobre a verdade, sobre o ser, e sobre o universo. Em Platão, o diálogo transforma-se em Dialética. O pensamento evolui para além das aparências, para o nível mais elevado das idéias permanentes, que exige um processo dialético e dialógico. Mas, em Aristóteles o debate ganha novos ares. A dialética platônica dá lugar à analítica. Não é mais o diálogo que fornece as informações e o conhecimento. Aristóteles constrói os argumentos, tece um método para se conhecer sem que haja necessariamente o diálogo. Para ele, o ser humano veio ao mundo para a finalidade de pensar. Por isso há que se considerar fundamentos argumentativos para chegarmos ao conhecimento da verdade. Aristóteles será o grande pensador, o mais influente até nossa época pois sua filosofia dá novos rumos à ciência e sua finalidade.
CAP. VI: FILOSOFIA MEDIEVAL
A divisão mais profunda da História da Filosofia é marcada pelo Cristianismo. Mas, ao pensarmos essa divisão temos que considerar que não há, no sentido próprio do termo, uma filosofia cristã, visto que o pensamento cristão é de cunho religioso. Mas, por pressupor uma concepção bastante específica do mundo e da vida, sua doutrina faz uso de fundamentos filosóficos. Sua primeira fase se dá entre o segundo e o oitavo século. Esta fase é chamada de Patrística, pois representa o pensamento dos Padres da Igreja. Nela, há uma busca especulativa profunda para resolver o problema do mal. Do nono ao décimo quinto século ocorre a segunda fase, chamada de Escolástica, pois representa a filosofia ensinada nas escolas da época por mestres chamados escolásticos. Nela, o pensamento cristão cria a filosofia cristã verdadeira e própria.A partir desses dados fundamentais, tomaremos nossa postura reflexiva sobre os filósofos que fizeram escola no período em que o Cristianismo se expande e passa a indicar os rumos do pensamento no mundo. Mas, atentamos à verdade de que há uma ruptura ordenada com o pensamento grego clássico. No mundo grego, a percepção das coisas se dava a partir da idéia de movimento. As coisas se moviam, tornavam algo e deixavam de ser algo, demonstrando um constante e perpétuo vir-a-ser. Por esta razão não havia problemas com relação à não-existência. Para o Cristianismo, no entanto, as coisas poderiam não ser pois sua existência requer uma justificação. A não justificação resulta em que a coisa em si deixe de existir. Esse tipo de filosofia promove o niilismo.Logo, no mundo grego as coisas são variáveis, enquanto no pensamento cristão, o “nada” é um pretendente a ser. O que está aí, o ser da visão grega é redefinido pelos filósofos cristãos como o não ser nada. Neste sentido, podemos perceber que há no novo pensar filosófico a partir do Cristianismo um acréscimo argumentativo que diz respeito ao ser criador e ao ser criado. Ora, os séculos que se seguiram após o Cristianismo tornar-se a religião oficial de Roma tiveram uma profunda mudança no eixo de reflexão filosófica ao ponto de a História do Pensamento Filosófico chegar ao final do século XIII dominado quase por completo pela Teologia Cristã. Mas para chegar a este ponto, a Igreja conseguiu um feito único no mundo, uniu com a magia de uma crença invariável a maior parte do continente europeu. Ora, a unidade exigia a existência de uma fé comum e infalível a fim de estar acima das mudanças temporais e do pensamento humano constantemente atacado pelas mais variadas correntes filosóficas. Assim, dogmas foram proclamados contra os quais não havia contestação. Dentro dessa redoma, a filosofia cristã tentava promover o diálogo fé-razão, gerando argumentos que não podiam ser contestados pois seus fundamentos se encontravam na revelação divina, fonte única da verdade. Mas durante esse período de desenvolvimento da filosofia cristã, alguns filósofos arriscaram envolver-se em debates delineadores do pensar, quebrando a redoma da teologia para ex-trair dela a filosofia e dar-lhe de volta a liberdade de pensar com seus próprios argumentos a razão e, também, a própria fé.
SANTO AGOSTINHO E A PATRÍSTICA
Nascido em 354, Santo Aurélio Agostinho é considerado um filósofo neoplatonista, com uma experiência de fé profunda. É também considerado por muitos um dos fundadores do movimento patrístico que tinha o objetivo de propagar a fé cristã. Por esta razão, Santo Agostinho deixa-se conduzir pela fé quando exerce uma atividade filosófica. Para ele, a filosofia é muito importante para a fé enquanto lhe mostra a racionalidade, dando compreensão e coerência. Fazendo uso da filosofia como solucionadora da vida, Santo Agostinho acredita poder chegar a uma solução integral. No entanto, ele defende a posição de que a última palavra deveria estar na revelação, fonte da verdade definitiva porque provinda de Deus. Essa posição era tão importante para Agostinho que ele chegou a afirmar em seu livro As Confissões que a vida feliz é a alegria que provem da verdade. Tal é a que brota em vós, ó meu Deus . Ou uma outra assertiva mais adiante, revela magistralmente sua postura filosófica, onde encontrei a verdade, aí encontrei a meu Deus, a mesma verdade . Ora, ele aponta que somos demasiados fracos para descobrir a verdade apenas pelo raciocínio. Logo, podemos perceber que a atividade filosófica está em pleno vapor nesta época. Uma amostra da importância da filosofia na vida de Santo Agostinho, e uma prova de sua atividade racional, está em sua definição de tempo. O tempo é enquanto possibilidade futura provada na expectação ou memória viva e real do presente no qual perpassamos, com nossos atos e atitudes. Mas, quanto a Deus? Como se pode falar de tempo em relação a Deus? Santo Agostinho sustentava que Deus é eterno e, por isso, está fora do tempo. Então, o tempo para Deus é um eterno presente. Isso levou Agostinho a tomar a postura de que somente o presente realmente existe.
SÃO TOMÁS DE AQUINO E A ESCOLÁSTICA O italiano Santo Tomás de Aquino nasceu em 1225. Seus estudos eram fundamentados pela filosofia aristotélica. Partindo desta filosofia, tenta organizar os ramos do conhecimento em um sistema completo. É da época de Tomás de Aquino a fundação do movimento escolástico que começa a implantar os fundamentos de uma escola e do que chamamos hoje de universidade.O objeto de sua filosofia volta-se para o divino, sem o qual não há sentido debater sobre o mundo e o homem. O pensar filosófico faz sentido somente enquanto sustentáculo do pensamento teológico, pois a verdade além de estar revelada, seu sentido é definitivamente garantido a partir da fé. Ora, a sabedoria, conforme Santo Tomás de Aquino, é apenas um fio condutor de seres humanos ao reino da imortalidade e da verdade. Esse é o centro de seu pensamento, a distinção da teologia natural da teologia revelada. A primeira, segundo ele, provem a atividade da razão e das experiências sensíveis. A segunda, da fé, da graça e das escrituras. O objeto das duas, porém, é a apreensão de Deus. Santo Tomás era um sacerdote com visão expansionista da fé cristã. Neste sentido, ele reconhece a dificuldade em debater a verdade revelada com pessoas que não reconhecem as sagradas escrituras como autoridade máxima da verdade. Desse reconhecimento surge a necessidade de se recorrer à razão natural para argumentar assuntos teológicos. Porém, há que se precaver de um limite lógico, a razão natural pode enganar-se quando da argumentação sobre as coisas de Deus, em especial sobre a verdade revelada. Então, a filosofia e a teologia tinham por objeto de especulação o divino, Deus. Em contestação a Santo Anselmo, Tomás de Aquino apresenta cinco provas da existência de Deus. A primeira é o argumento do movimento. O movimento está em toda parte. Alguém o causa, logo deve haver um Deus como o Motor Imóvel de Aristóteles. A segunda prova é o argumento das causas. Quem causa as causas? Existirá uma causa primeira e inacabada? Conforme Tomás de Aquino, sim. A terceira prova é o argumento da contingência. Como explicamos a contingência na natureza? Somente pela existência de um Ser Necessário que esteja além da contingência. A quarta prova é o argumento dos Graus de Perfeição. Há graus de perfeição na natureza. Isso implica a noção de perfeição, que por sua vez, implica o que podemos chamar de Um Ser Perfeito. Finalmente a Quinta prova, que é argumento da Ordem Universal. Em tudo o que vemos há adaptação ou acordo. Considera-se isso um desígnio que manifesta uma Inteligência que organiza as coisas. A profundidade de tais argumentos sugerem uma profunda organização da atividade racional em defesa da fé cristã.
FILÓSOFOS ÁRABES: AVICENA E AL-GAZZALI Um pouco antes de Santo Anselmo, alguns pensadores árabes se destacaram no mundo da filosofia. Avicena, nascido em 980, tentou uma síntese entre o Islamismo, Platão e Aristóteles. Sua concepção filosófica é a de que esta é uma ciência com o fim de informar acerca da verdade de todas as coisas na medida em que for possível ao homem. A possibilidade do conhecimento da verdade deve ser objeto do homem que deseja a nobreza e a perfeição para a sua alma. Há assim dois tipos de filosofia, a prática que visa a busca do bem, e a teórica que visa a busca da verdade. No esforço de buscar a verdade, um outro filósofo, de nome Al-Gazzali aponta para a necessidade de se certificar das bases da certeza. A certeza é o mais claro e completo conhecimento das coisas, desde que não haja nos espaços dos argumentos margem para a dúvida e o erro. Neste sentido escreveu o tomo Destructio Philosopharum onde afirma que a filosofia fazia mal, pois mesmo que ela fosse capaz de gerar argumentos racionais válidos, a verdade eterna estaria centrada em Deus.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILOSOFIA CRISTÃ - MEDIEVAL O período gerador da Filosofia Cristã é de grande valor para a História do Pensamento Humano. Ao olhar com mais profundidade aspectos históricos, especulativos, fundamentações críticas, oposições e complementações entre os filósofos da Era Medieval, podemos perceber o aprofundamento intelectual das reflexões filosóficas, mesmo que elas estivessem atreladas à teologia. O serviço à teologia, promovendo a relação fé-razão, no formato diversificado e, não poucas vezes, divergente demonstra a força com a qual filosofia pode ser usada. Infelizmente, a busca da verdade tão almejada pela filosofia através da atividade racional, teve seu fim com a apropriação da verdade pela teologia. Ora, depositar no misterioso universo da epifania divina os fundamentos absolutos sobre a verdade não seria dizer-se a si mesmo da impossibilidade de se conhecer a verdade? Sabemos, e isso não é novidade para qualquer que seja a ciência do pensamento, que a verdade escondida, aquela que não vem à luz, que não faz o seu processo de aletheia pela via da razão, continuará escondida sem data certa para se revelar. Mas sabemos também que não buscá-la seria bater o martelo da condenação de nossa existência e encarcerá-la em razões niilistas, ou em razões que as razões humanas não conseguem assimilar. Ora, se a Teologia quer realmente que estejamos inaptos a buscar a verdade porque Deus já a revelou, mesmo que tal revelação seja completamente incompreensível à lógica humana, então a própria teologia enforca as razões filosóficas para fundamentar sua estrutura religiosa; visto que a filosofia em sentido lato refere-se à busca incessante da sabedoria enquanto apreensão da permanente verdade nos limites dos rasgos lançados à realidade por um tal Ser, divino ou não. A teologia, em seu papel justo de estar ao lado da verdade, deve considerar que buscá-la não é prejuízo mas certeza de que isso é o que o ser humano sempre desejou em toda a sua existência. Temer princípios filosóficos, especulações racionais acerca da verdade pode ser um sinal indicativo da fragilidade de argumentos teológicos que confirmam em Deus a única possibilidade válida da verdade. Pode significar também o temor de descobrir ao final da busca que o ser humano é um órfão sem qualquer vestígio de paternidade ou maternidade divinos. Ou mesmo ao contrário, pode também significar o temor em descobrir um Ser tão Onipotente e Onisciente que apreendê-lo seria um ato suicida. Ou ainda quem sabe um temor em descobrir tal como Frederico Nietzsche que o Deus da nossa fé não é outro senão nós mesmos num futuro pós travessia do abismo. A verdade é permanente e eterna. Buscá-la via fé, mas temê-la via razão é um ato errôneo visto que esconder-se dela não é possível. O pensamento medieval, bem fundamentado em suas razões e em sua fé inabalável sustentou a verdade revelada por vários séculos. Alguns filósofos tentaram de dentro do ciclo patrístico e escolástico tornar mais sólido e lógico o pensamento racional, sem que para isso fosse necessário recorrer à fé. Mas as tentativas esbarraram em dogmas com pressupostos de infalibilidade. Finalmente, nos tempos hodiernos, a atividade filosófica volta a pensar a vida a partir de categorias metafísicas, mas desta vez a liberdade diante da teologia é imensamente maior. Com isto, ganha a teologia por estar aberta ao confronto especulativo acerca da verdade. E o que mais interessa a ela, fundamentalmente a emergência da verdade, seja finalmente solidificada com fundamentações racionais.
CAP. VII: FILOSOFIA MODERNA
VISÃO PANORÂMICA DO MODO DE PENSAR MODERNO
A História do Pensamento Moderno iniciada por volta do século XIV é um exemplo evidente de que nossa maneira de “olhar” o mundo ainda está em um processo de construção. Nessa época, a mudança na rota da história do pensamento provocou uma reviravolta nas questões relacionadas à percepção do Cosmos. Tal mudança leva a concepção greco-romana cristã, que promovia a idéia de uma ordem fixa segundo hierarquias de perfeição, dotada de centro e de limites conhecíveis, cíclico no tempo e limitado no espaço, a uma nova fase, com o reordenamento de idéias e de questões filosóficas da época. No lugar da concepção de uma ordem fixa surge a idéia do Universo Infinito, para além dos limites humanos, aberto no tempo e no espaço. Blaise Pascal retrata a nova mudança na seguinte frase: esfera cuja circunferência está em toda parte e o centro em nenhuma. No século XIV e seguintes, as crenças das pessoas passavam por uma drástica mudança. Em vários campos sociais e científicos a humanidade passava por câmbios os mais diversos. O comércio florescia, a quantidade de bens produzidos era cada vez maior, resultando em excedentes e desenvolvendo cada vez mais as relações de mercado através da troca via espécie monetária. As cruzadas haviam deixado aberto o caminho para o Oriente, a imprensa dera um passo importante na propagação do conhecimento a partir de Gutenberg. A invenção da bússola motivou navegantes a avançarem cada vez mais em suas descobertas marítimas, derrubando crenças nunca antes questionadas. Uma Nova Era estava sendo construída. A essa época de grandes mudanças universais denominamos de Renascença. A Renascença é o resultado da explosão do pensamento humano em vias de libertação das crenças cristãs. Ora, essa nova postura que então se desenhava estava sob a bandeira de um movimento filosófico chamado de Humanismo Imanentista. Ele procurava destruir a harmonia do Pensamento Clássico baseado na transcendência cristã. Ele privilegiava os interesses e ideais materiais e terrenos, colocando de lado valores espirituais e religiosos. Para o Humanismo Imanentista, era necessário conquistar, dominar, gozar o mundo com meios humanos. Com ênfase em tal tipo de postulado, o homem passa a ser potencializado, celebrado, exaltado até à divindade, livre de si. Ocorre de fato um endeusamento do homem demonstrando a existência de uma redescoberta da Filosofia Antiga, mas desta vez exaltando o Humanismo. O novo pensar no início da Era Moderna indica que o sentimento vigente na época era o de que as pessoas não pareciam ser tão incapazes de conhecer a verdade, como a filosofia cristã deixara transparecer. Na busca de auto-afirmação diante de um mundo em reordenação surge a idéia da mecânica do universo. Esta nova postura do pensar refere-se em primeiro lugar à geometrização do espaço. Na física aristotélico-tomista, o espaço fora caracterizado como topográfico ou topológico, ou seja, rico em acidentes. A nova concepção espacial o vê como neutro, homogêneo, mensurável, calculável, sem hierarquia e sem valores, portanto, sem qualidades. A geometrização do espaço diz respeito à idéia de que o universo, feito de figuras geométricas circulares e triangulares, parece escrito em linguagem matemática. Essa nova postura diante do universo requer também uma nova concepção da ciência da natureza enquanto pensamento acerca do cosmos baseado na mecânica. O princípio da mecânica que fundamenta a ciência da natureza da Idade Moderna postula que todos os fenômenos naturais são corpos constituídos de partículas dotadas de grandeza, figura e movimento determinados. Ora, para conhecer a natureza é preciso estabelecer as leis necessárias do movimento e do repouso que conservam ou alteram a grandeza e a figura das partículas. Ou seja, é necessário que se aceite a concepção física da Causa e do Efeito. Por esta razão, devemos repensar nossas idéias de Substância e de Causalidade. Ora, o mundo greco-romano pensava a existência de uma pluralidade infinita de substâncias. Essas substâncias podem ser um gênero, ou uma espécie ou mesmo um indivíduo, cada qual com seus modos ou acidentes e suas próprias causalidades. Os modernos simplificam tal conceito, afirmando que a substância é toda realidade capaz de existir ou de subsistir em si e por si mesma. Neste caso, há três substâncias: a extensão - matéria dos corpos regida pelo movimento e pelo repouso. O pensamento - a essência das idéias, e constitui as almas. Por fim, o infinito, ou seja, a substância divina. A partir dessas três substâncias ocorre o processo de conhecimento, que se fará pelo princípio da causalidade. Logo, conhecer é conhecer a causa da essência, da existência e das ações de um ser. Por isso, um conhecimento será verdadeiro, apenas e somente, ao oferecer essas causas. No desejo de decifrar um conceito mais preciso do conhecimento, Baruch Spinoza (1632-1677) afirma que o conhecimento verdadeiro revela como uma realidade foi produzida, isto é, o conhecimento verdadeiro é o que alcança a gênese necessária de uma realidade. Guilherme Leibniz (1646-1716) amplia a noção de conhecimento estabelecendo o princípio Nihil sine ratione, onde nada é sem causa racional.
INTERPRETAÇÃO MECANICISTA DA REALIDADE NATURAL E SOCIAL
A ciência moderna é a maior evidência de que houve uma ruptura da filosofia realizada nos séculos XV em diante em relação a feita nos séculos anteriores. A ciência moderna se apresenta como saber apto a isolar uma dimensão particular da realidade, mas deixa para outros a compreensão da origem e do objetivo da vida humana. A partir dessa época surgem vários pensadores com a ambição grandiloqüente de desvendar os mistérios da natureza. Leonardo da Vinci (1452-1519), João Kepler (1571-1630), Nicolau Copérnico (1473-1543), Gilbert (1544-1603) eram os novos filósofos experimentais, ou cientistas. Além destes, vários outros se destacaram no cenário mundial pela coragem em fornecer, mesmo que dedutivamente a priori, novas leis que explicassem o funcionamento do mundo. Surge pois a grande novidade da ciência nessa época para explicar o mecanismo do mundo, a Terra não era o centro do universo. Há, consequentemente, um confronto do modelo físico do mundo pensado por Copérnico com o modelo cristão ptolomaico. Os luminares existiam, segundo Ptolomeu, para iluminar a Terra, durante o dia, e o outro durante a noite. Ora, nesse modelo, a Terra era concebida como uma esfera imóvel no centro do mundo, estando os outros corpos celestes girando ao redor dela, segundo uma hierarquia. Mas como explicar que um objeto tão grande, que era o Sol, ficava girando ao redor da Terra sem sequer mudar sua rota? O exemplo de Marc Sautet é bastante ilustrativo: o modelo ptolomaico explicava admiravelmente a maioria dos fenômenos observados, mas tinha dois grandes inconvenientes. O primeiro era que o tamanho do sol era gigantesco e sua distância da terra era colossal, de modo que, para explicar seu reaparecimento a cada manhã, era preciso supor que ele teria uma velocidade vertiginosa: se amarrarmos uma pedra na ponta de uma corda e a fizermos girar, quanto maior for a corda, mais depressa será preciso fazer girar a pedra para fazê-la descrever uma rotação num tempo invariável. O mesmo se dava com o sol; enquanto se pôde crer que ele era pequeno, sua distância da Terra pôde ser modesta e sua rotação não implicava uma velocidade prodigiosa; mas, quando se veio a avaliar seu tamanho real e se alongou igualmente sua distância da Terra, foi necessário, levando em conta as 24 horas atribuídas a sua rotação, atribuir-lhe uma velocidade tão grande que beirava o inacreditável. O segundo grande defeito do sistema é que não permitia prever as posições exatas dos planetas. /.../ Eles escapavam a todas as previsões. Enquanto a imensa maioria dos astros mantinha posições fixas no céu e, por isso, guardava as mesmas distâncias entre si /.../ pois todos se moviam ao mesmo tempo num movimento único de rotação, os planetas não paravam de vagar. Dentro desse contexto, surge um dos mais famosos pensadores, Galileu Galilei (1564-1642). Em sua época, o debate com a Igreja sobre o verdadeiro conhecimento acerca da ordem universal era ainda bastante complexo. Mas suas idéias já direcionavam o mundo para um novo pensar. O seu Diálogo a Respeito dos dois Maiores Sistemas: Ptolomaico e Copernicano provocou ira na cúpula da Igreja, levando Galileu a se submeter a um processo inquisitorial. Apesar de seu receio em relação às punições, Galileu chegara a afirmar que quando se demonstra de modo indubitável algo que parece estar em desacordo com as Escrituras, é sempre possível mostrar que esse desacordo é apenas aparente, e que o significado autêntico da Revelação não se encontra em desacordo com a razão. Com sua mais nobre invenção, o telescópio, Galileu confirma a teoria copérnica. Além disso, fundamentou três princípios essenciais para se pensar a nova ordem física do universo. Em primeiro, um corpo, ao contrário do que se pensava, podia ter dois movimentos de natureza diferente. Em segundo, há o princípio da inércia, ou seja, na ausência de qualquer intervenção externa, um corpo em repouso se mantém em repouso e um corpo em movimento se mantém em movimento. A idéia de Galileu era geometricamente fantástica, mas como explicar que os planetas não perdiam sua rota apesar de sua vida vagante? Esse passo ele deixara para outro. Isaac Newton (1643-1727) leva adiante o problema ao usar o cálculo matemático, da mecânica galileana, das leis planetárias de Kepler e da teoria da atração de Gilbert, e chega à Lei da Gravitação Universal. Ora, a nova ciência prescinde do mundo humano e de toda a explicação metafísica e teológica do devir do mundo. Esse devir aparece aos olhos da ciência como um mecanismo, no qual o movimento de cada parte é determinado pelo movimento de uma outra parte. A ciência não procura a origem e o objetivo do movimento, mas acompanha constantemente a produção de novos fatos que são objetos de investigação a partir dos fatos observáveis. A percepção de uma ciência ainda dependente de explicação metafísica e a concepção mecanicista da realidade dependente de fundamentos causais do ser são resultados do isolamento do todo. Logo, uma ciência feita nesses moldes terá a tendência de tornar-se uma concepção metafísica tal como o atomismo grego. Do interior de tais entraves científicos, brota a atitude filosófica moderna, que se dá com base na concepção mecanicista do mundo. Essa atitude acaba por dar uma nova concepção às ciências que, no pensamento de Tomás Hobbes (1588-1679), pode ser definida de estudo das causas e dos efeitos mecânicos dos corpos em movimento. Para além desta lei encontra-se Deus pois não há uma ciência do infinito, do eterno e da origem primeira, como também não há uma ciência da totalidade do mundo. E Deus está para além de toda a nossa imaginação sensível. Com base neste raciocínio, a ciência passa a cuidar dos pháinesthai, ou seja, do aparecer dos fenômenos, pois a partir do seu aparecer, ela acredita poder encontrar suas causas. Isto não quer dizer que o ser humano aceite os limites da Física Mecânica. Sua vontade de sobreviver provoca seu desejo de ir além de seus limites naturais, enveredando inclusive caminhos de desavença com seus semelhantes. Mas para evitar a luta recíproca, o ser humano deve impor a si mesmo limites à sua própria vontade de domínio. A obsessão humana não controlada tende a extrapolar os limites de sua possibilidade, avançando a qualquer preço dentro dos mistérios universais, provocando inexoravelmente a destruição do cosmos.
A RAZÃO NA IDADE MODERNA
Iniciemos a reflexão com a idéia de Hegel sobre a filosofia. Para ele, a filosofia é independente e não se submete a nenhuma autoridade, exceto a própria razão como faculdade plena de conhecimento. O conhecer talvez seja melhor entendido com a palavra francesa connaïre, traduzida como um nascer de novo. Conhecer seria um nascer para a consciência. É necessário que haja a consciência da consciência, ou seja, a consciência do ato de ser consciente. Ora, a consciência é para si mesma o primeiro objeto do conhecimento. Hegel ainda nos mostra que sendo todos os seres humanos conscientes e racionais, todos têm igualmente o direito ao pensamento e à verdade. Não deve haver censura sobre o pensamento e a palavra. Neste caso, a razão, o pensamento, a capacidade da consciência para conhecer por si mesma a realidade natural e espiritual, o visível e o invisível, os seres humanos, a ação moral e política, chama-se Luz Natural. A Luz Natural significa a capacidade de auto-iluminação do pensamento, uma faculdade inteiramente natural de conhecimento que alcança a verdade sem necessidade da Revelação ou da Luz Sobrenatural. É importante, no entanto, assinalar que o conhecimento construído a partir da ciência moderna é um processo gradual passível de dubitalidade. O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) considera a dúvida um juízo necessário. Logo, precisamos inicialmente evitar afirmar coisas que não estamos certos serem verdades. Assim, se um homem começar com certezas, terminará com dúvidas, mas se ele se contentar em começar com dúvidas, pode terminar com certezas.
A IDÉIA DE MÉTODO OU DE MATHESIS UNIVERSALIS
Os filósofos modernos enfrentam três grandes problemas no tocante ao conhecimento verdadeiro. Um primeiro problema aponta que ao superar a idéia do Cosmos com sua ordem, hierarquia e sua centralidade, o ser humano pensante não encontra imediatamente nas coisas percebidas a verdade, a origem e o sentido do real, pois as coisas são percebidas em suas qualidades sensoriais, além do mundo parece ser finito e ordenado por valores e perfeições que a nova ciência da Natureza revelou serem ilusórios. Francis Bacon afirmara certa ocasião que a ciência, por si só, não é o suficiente. /.../ O que a ciência precisa é de filosofia – a análise do método científico e a coordenação dos propósitos e métodos científicos; sem isso qualquer ciência será superficial. Um segundo problema aponta que as relações causais só se estabelecem entre coisas de mesma substância (extensão, ou a matéria, ou os corpos, por exemplo). Por esta razão, conhecer é uma atividade da substância pensante e do ser pensante, mas o conhecido pode tanto ser um aspecto do pensante quanto os corpos, ou coisas ou os modos extensos. Neste sentido, a causalidade não pode operar, pois o que se passa na extensão não pode causar efeitos no pensamento e vice-versa. Para superar esse problema, os filósofos assumiram que o conhecimento era uma representação, ou seja, a inteligência não afeta nem é afetada pelos corpos, mas pelas idéias deles, havendo assim, a homogeneidade exigida pela causalidade. Finalmente, há um novo problema: como saber se as idéias representadas correspondem verdadeiramente às coisas representadas? Este é o momento do nascimento do método. A palavra método é originada do grego meta: através de, por meio de; e hodos: via, caminho. Usar um método é seguir regular e ordenadamente um caminho através do qual uma certa finalidade ou um certo objetivo é alcançado. O método é um instrumento racional para adquirir, demonstrar ou verificar o conhecimento. Ora, a busca de uma relação lógica entre a idéia e a representação se faz através do método. A noção de representação se dá quando aquele que conhece – o sujeito do conhecimento – está sozinho, mas rodeado por coisas cuja verdade ele não pode encontrar imediatamente, pois percebe somente as coisas reais. Isto exige um novo passo. Ele deve conhecer o conhecimento dos objetos, isto é, as idéias verdadeiras ou os conceitos dessas coisas percebidas. Por esta razão, o método precisa de um instrumento que permita o desenvolvimento do conhecimento. Há então três atividades fundamentais para a apreensão do conhecimento verdadeiro. A primeira atividade diz respeito à representação correta das coisas, isto é, alcançar suas causas sem risco de erro. A segunda atividade refere-se ao controle de cada um dos passos efetuados, pois a perda de controle de uma das operações intelectuais pode provocar o erro no final do percurso. A terceira atividade é permitir que se possa deduzir ou inferir de algo já conhecido com certeza o conhecimento de algo ainda desconhecido, isto é, o instrumento deve permitir o progresso dos conhecimentos verdadeiros oferecendo recursos seguros para que se possa transpor do conhecimento conhecido ao conhecimento desconhecido. A função do método é a de preencher esses três requisitos. No Século XVII, a palavra método, ou caminho certo e seguro, tinha ainda um sentido vago. Mas se pudéssemos resumir seu significado final, diríamos que o bom método é aquele que permite conhecer verdadeiramente o maior número de coisas com o menor número de regras; ao menos esse era o pensamento de Leibniz. Quanto maiores a generalidade e a simplicidade do método, quanto mais puder ser aplicado aos mais diferentes setores do conhecimento, melhor será. O método acima referido será sempre considerado matemático, apesar de que nem sempre faremos uso da aritmética, álgebra e geometria para o conhecimento de todas as realidades. O método procura o ideal matemático, ou seja, ser uma mathesis universalis. Isto significa duas questões: que a matemática é tomada no sentido grego da expressão ta mathema, isto é conhecimento completo, perfeito, e inteiramente dominado pela inteligência - aritmética, geometria, álgebra são matemáticas – pois dominam completa e intelectualmente seus objetos. E em segundo, que o método do conhecimento completo possui dois elementos fundamentais de todo conhecimento matemático: a ordem e a medida. No Renascimento, o conhecimento era pensado a partir da noção de semelhança e diferença. Tinha caráter descritivo e interpretativo. Afirmar pois que se conhece pela causa significava afirmar que a inteligência era capaz de discernir a identidade e a diferença no nível da essência invisível das coisas. A ordem e a medida teriam assim a função de produzir esse discernimento; por isso, eram aceitos como o núcleo do método e da mathesis. Logo, conhecer é relacionar. Relacionar é estabelecer um nexo causal. Estabelecer um nexo causal é determinar quais as identidades e quais as diferenças entre os seres. A medida oferece o critério para essa identidade e essa diferença. A ordem é o conhecimento do encadeamento interno necessário entre os termos que foram medidos, isto é, estabelece qual o termo que se relaciona com outro e em qual seqüência necessária, o que permite a passagem do conhecido ao desconhecido. A ordem é essencial ao método por três motivos: porque a primeira verdade de uma série é conhecida por uma intuição evidente, a partir da qual será colocada a medida e esta depende da seriação dos termos feita pela ordem. O segundo motivo aponta que os conhecimentos das totalidades complexas são conhecimentos de séries diferentes, cujas relações só podem ser estabelecidas se cada série estiver corretamente ordenada. O terceiro motivo revela que a ordem permite a relação entre um primeiro termo e um último cuja medida pode não ser a mesma, mas a relação pode ser feita porque a ordenação foi fazendo aparecer entre um termo e outro uma medida nova que encadeia o segundo ao terceiro e sucessivamente. Percebemos aqui um interesse especial sobre a categoria da quantidade. A quantidade não é o centro de interesse do pensamento filosófico escolástico; assim, a medida não é uma obsessão daquele pensamento, o que justifica os fundamentos metafísicos na análise ontológica. A metafísica, por ser a ciência do ser, não pode ser concebida sob medida. A Filosofia Moderna rompe com tal postulado. A medida é tão significativa quanto a ordem, mas ela deve ser vista a partir do dito “a dose certa na hora certa”. Nada de excesso ou de escassez. O método universal da ordem e da medida pode ser analítico ou sintético. No analítico, vai-se das partes ao todo ou do particular ao universal, preferido por John Locke. No sintético, vai-se do todo às partes ou do universal ao particular, preferido por Baruch Spinoza. Ou uma combinação de ambos, conforme as necessidades próprias do objeto de estudo, preferido por Leibniz. O método pode também ser definido como dedutivo pelos racionalistas intelectuais, que partem das idéias para as sensações. Neste caso, ele é próprio para objetos que já existem idealmente e que são construídos inteiramente pelo nosso pensamento. É o processo de descobrir o que é verdadeiro com base no que já se sabe que é verdadeiro. Esse método é próprio da matemática. Na inversalidade está o método indutivo desenvolvido pelos racionalistas empiristas, que partem das sensações para as idéias. Ele visa a tirar conclusões gerais a partir de indícios particulares. Ora, se certas coisas são verdadeiras no particular, podemos induzir que outras da mesma espécie serão verdadeiras em geral. Esse método é próprio das ciências naturais que observam seus objetos e realizam experimentos. Essa diferença repercute no conceito de intuição, considerado por todos como o ponto de partida da cadeia dedutiva ou da cadeia indutiva: no primeiro caso, a intuição é uma visão puramente intelectual de uma idéia verdadeira; no segundo caso, a intuição é sensível, isto é, visão ou sensação evidente de alguma coisa que levará à sua idéia. Apesar dessas diferenças, o que se deseja com o método é conhecer antes de tudo a causa da essência, é conhecer como se dá a representação de um determinado objeto, ou ser. Conhecer pois significa corresponder o conceito à coisa representada.
O FILOSOFAR EM DESCARTES
René Descartes, francês da Bretanha (1596-1650), é considerado o pai da Filosofia Moderna. Seu início de atividade foi marcado por um ceticismo evidente, talvez devido a seu apego à idéia de que não tinha certeza de nada e, ao mesmo tempo, ansiava conhecer a partir de suas faculdades racionais. Descartes procurou sistematizar seu pensamento através de um método eficaz a partir do qual seria possível conhecer. Para ele, o conhecimento se deduz das primeiras causas. Por isso há a necessidade de se começar a pensar o conhecimento obedecendo a duas condições fundamentais: a primeira é ter um princípio tão claro e evidente que não haja qualquer possibilidade de dúvida de sua verdade, e uma outra que o conhecimento das coisas deve depender do princípio anterior para deduzir esse conhecimento das coisas. Partindo dessa percepção racional, Descartes inicia sua organização do Discurso do Método, esboçando quatro regras básicas: aceitar somente idéias claras e definidas; dividir cada problema em tantas partes quantas forem necessárias para a sua solução; ordenar o pensamento do simples ao complexo, e verificar exaustivamente se há algum lapso. Ele afirma o seguinte: por desejar ocupar-me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida... Enquanto eu queria pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa, e, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava. O cogito ergo sum cartesiano leva à suposição de que a essência do ser era o pensamento, e que a mente era algo separado do corpo. Mas, como algo separado do corpo e, por conseguinte, do mundo externo, podia conhecer os objetos? Não estaria Descartes adotando uma postura dualista platônica? De fato, para ele, a alma é uma substância distinta do corpo, mas os dois trabalhavam como dois relógios sincronizados. A filosofia primeira cartesiana não é uma ciência que prioriza o conhecimento de objetos específicos. Se ela demonstra a existência de certos objetos é porque somente por meio deste conhecimento é possível fundamentar as outras ciências. Esta sua filosofia partia da certeza de que ele existia e se ele existia, Deus também existia, pois se a existência de Deus era possível, mais ainda o conhecimento. Sua solução para a questão epistemológica sobre o que podemos conhecer tornou-se uma corrente filosófica chamada de Racionalismo, ou a crença de que a mente é capaz de conhecer coisas mesmo sem experiência. Assim, o pensar cartesiano se direciona para a metafísica. A metafísica visa fundamentar o saber. O saber porém não é o fundamento da verdade. A verdade, na verdade, é uma relação entre pensamento e objetos. A idéia de saber envolve relação entre a verdade e a certeza de que algo é verdadeiro. A certeza é apenas um estado do sujeito. Logo, fundamentar o saber significa evidenciar dois aspectos, a verdade e a certeza. Evidenciar a verdade e a certeza é o objetivo do método cartesiano que tem sua gênese na fundamentação dos primeiros princípios por si evidentes. Eles não se apoiam em qualquer outro princípio, e enquanto evidentes dispensam qualquer outra demonstração. Assim, o método cartesiano passa a duvidar de todos os gêneros de conhecimento para encontrar um princípio que, se colocado ainda em questão, acarretaria uma contradição. Se no entanto um princípio é indubitável e não acarreta contradição, não pode ser negado e pode assim ser considerado justificadamente como um primeiro princípio. O método dedutivo, físico-matemático, quantitativo-mecanicista de Descartes fundamentado na dúvida coloca em questão os saberes sensíveis, a imaginação e, por fim, a própria razão. Dessa dúvida radical emerge um enunciado fundamental e indubitável: eu penso. Só o ato de pensar, a consciência viva desse pensar é indubitável, e nesse mesmo ato encontra-se o desejo de provar a existência de Deus. A dúvida cartesiana sem a inserção da questão sobre a existência de Deus e sua prova irrefutável gera o ceticismo. Ora, a idéia de Deus perfeito deve ter uma causa. Mas como somos imperfeitos, não podemos ser essa causa, de maneira que Deus deve ser a causa de nossa idéia da perfeição dele.
O PENSAR FILOSÓFICO SEGUNDO LOCKE
John Locke (1632-1704) é um pensador que nos proporciona uma teoria do conhecimento interessante e diversa de Descartes. O Empirismo, em contraposição ao Racionalismo na Europa do século XVII, estava crescendo cada vez mais. Locke assume o Empirismo como forma válida de atingir o conhecimento. O Empirismo seria o fundamento de como aprendemos o que sabemos. Nossos conhecimentos (idéias) derivam da experiência. Há um fenômeno do pensamento, onde as idéias que temos são representações derivadas da experiência, ou seja, não há idéias inatas. Para ele, os sentidos e a mente funcionam em conjunto para transformar a experiência em entendimento. Mas, a experiência ocorre de maneira dupla, uma externa que ocorre através das sensações e nos proporciona um representar dos objetos chamados externos (cheiro, cor, e etc); e uma interna, reflexiva, e nos proporciona a representação das operações feitas pelo espírito sobre os objetos (conhecer, querer, e etc) Locke ainda desvela que nosso entendimento é feito de impressões, idéias, sensações e reflexões, interagindo entre si, e proporcionando o nosso pensar. Mesmo idéias imaginárias, fruto de nossos sonhos formam-se a partir de experiências reais. Com a idéia do entendimento enquanto objeto para si próprio e o sujeito de conhecimento objeto de conhecimento, a filosofia moderna inicia a Teoria do Conhecimento. Locke ainda defende a tese da mente como um papel não escrito, uma tabula rasa. A medida em que alguém vai experienciando sons, imagens, cores, sentindo os objetos, ele vai aprendendo sobre tais coisas. Assim, a experiência e a observação são como a caneta que preenche o papel vazio, a mente humana. Neste caso, Locke reformula a idéia aristotélica de que os objetos que percebemos estão na verdade dentro de nossas mentes quanto os percebemos. Para Locke, sabemos das coisas somente porque nossas percepções produzem a partir delas sensações das quais formamos idéias. Um dos problemas do pensamento de Locke diz respeito ao fato de que ele afirmava a existência da idéia de substância, embora o nosso conhecimento empírico e racional seja obtido pelas nossas impressões. Se as substâncias não podem ser assimiladas por nosso cérebro, e Locke assume que só conhecemos o que a experiência nos ensina, então como ele pode ter certeza de que a substância existe? Além dos problemas gnosiológicos, Locke se interessou pela Política e Pedagogia.
A ILUSTRAÇÃO (ILUMINISMO) E A ATIVIDADE RACIONAL
O século XVIII, na Europa, é marcado pela libertação da razão de tudo o que fosse irracional, a saber: a tradição, a autoridade, a religião, o mito e os preconceitos. O progresso da humanidade podia finalmente ser plenificado através da ciência e da filosofia que instrumentalizando as luzes da razão podiam levar adiante os anseios existenciais da humanidade. Esse período é denominado de Iluminismo ou Ilustração. Ilustração é uma expressão alemã Aufklarung para significar a saída do ser humano de sua menoridade para sua maioridade. Essa saída é realizada por meio de um movimento cultural desenvolvido entre a revolução inglesa (1688) e a revolução francesa (1789). De nome Iluminismo, refere-se ao próprio objetivo do movimento de iluminar a sociedade da época com a razão contra o Obscurantismo da história e das tradições política e religiosa. Ora, a Reforma Luterana retrocedeu o pensamento cristão à sua época inicial. O Humanismo e a Renascença remontaram ainda mais atrás, até a civilização pagã. O Racionalismo enquanto método crítico demoliu a estrutura do pensamento cristão tradicional. O Empirismo, por sua vez, promoveu a reconstrução da percepção da realidade através de elementos primitivos mediante o mecanicismo e o associacionismo. Mas, desses movimentos e correntes, nada se compara ao Iluminismo. A característica do Iluminismo é o culto à deusa razão, que deve dominar absolutamente todas as instâncias da sociedade, provocador de guerra a tudo que não seja puramente racional, como fantasia, paixão e sentimentos. É preciso demolir tudo para implantar o reino da razão. Kant revela com bastante clareza essa época: entretanto, nada além da liberdade é necessário à ilustração; na verdade, o que se requer é a mais inofensiva de todas as coisas às quais esse termo pode ser aplicado, ou seja, a liberdade de fazer uso público da própria razão a respeito de tudo. A vitória das Luzes sobre o Obscurantismo Medieval pode ser visualizada como o fato de que ela passa pela instalação do sol em seu verdadeiro lugar. Daí para frente, a luta seria cada vez mais facilmente realizada. Surge logo em seguida o projeto da Enciclopédia, esforço coletivo entre pensadores filósofos e cientistas visando difundir e solidificar o novo pensamento tornando-o acessível ao povo. Os enciclopedistas concebiam a natureza como um grande processo criativo, com o ser humano sendo parte de um todo. Além disso, apontavam a necessidade de mudanças principalmente no aspecto cultural da Europa. Entre os grandes enciclopedistas, temos Quesnay, Buffon, D´Alembert, Rousseau, Voltaire, Montesquieu e Diderot. A Enciclopédia da ciência, arte e ofícios foi lançada em 17 volumes e concluída sob a coordenação de Diderot. Promotores da humanidade, os enciclopedistas também defendiam as idéias iluministas. Entre as mais importantes temos a defesa do homem como ser não depravado por natureza; o objetivo da vida é a própria vida, mas não a vida após a morte; a condição essencial para bem viver na terra era libertar o ser humano de sua ignorância e superstição, bem como dos poderes arbitrários do estado; a evolução para se chegar à perfeição humana é condição fundamental; tudo é interligado e é parte de um grande esquema de uma providência benevolente. Finalmente, a razão se impõe como fundamento da humanidade e instrumento luminar da ação humana. Mas seria essa razão capaz de controlar os anseios humanos de domínio em relação ao universo e a seus próprios semelhantes? A razão tornada uma espécie de deusa teria força suficiente para implantar no coração do ser humano princípios morais capazes de preservar a espécie humana de guerras e desavenças, lutas de conquistas e de colonização? Estariam os sentimentos humanos condenados à repressão para sempre? As leis do Estado estariam subordinadas à razão ou à vontade geral? Se por um lado o Iluminismo libertou a humanidade do Obscurantismo, por outro, fez o ser humano tornar-se sujeito absoluto dos rumos da humanidade avançando os próprios limites e assumindo e auto-denominando o novo dono do mundo.
A ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO KANT
O pensamento contemporâneo se inicia com Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão considerado o pensador mais influente dos tempos modernos. Kant fornece uma síntese crítica e especulativa, fundindo os dois fenômenos, razão e sensação, em um superior, o Idealismo, que é denominado por ele de Criticismo. Essa síntese explicita uma concepção sistemática imanentista e humanista do mundo e da vida de sua época. Tal pensamento vai até Hegel. Immanuel Kant é um grande pensador. Segundo ele, a atividade filosófica deve considerar a razão, mas também deve levar em conta as sensações. Ao ter esse princípio como fundamento de seu pensamento, ele volta sua atividade para a organização de um pensamento crítico diante dos problemas do conhecimento. Os estudos de Kant fizeram-no perceber aparentes contradições nas ciências físicas da época. Ele também percebe certa contradição nas ilações feitas por Hume em sua análise do princípio de causa, onde aponta que a relação de causa e efeito é uma coincidência e não um conhecimento verdadeiro, conforme havia dito Leibniz. Por esta razão, Kant decide tecer uma crítica sobre a experiência humana do conhecimento a fim de solidificar as verdades metafísicas que o ceticismo de Hume havia demolido. Hume havia revelado que não podemos ter nenhum conhecimento metafísico da realidade.Entre Leibniz e Hume, Kant confronta com mais profundidade o pensamento de Hume. Este havia afirmado que nada podemos conhecer sem a experiência, além de termos de julgá-la para então compreendê-la. Por isso, o conhecimento estava reduzido ao mundo real. Além disso, a mente ainda deveria “apelar” à associação dos objetos reais para que houvesse o mínimo de conhecimento. Kant inverte a idéia empírica de submissão do conhecimento à experiência. Não é o conhecimento que deve se conformar com os objetos, mas os objetos é que devem se conformar com o conhecimento, pois os objetos são organizados pelo conhecimento. Para superar esse problema, Kant afirma que o conhecimento é constituído de forma e matéria. A matéria são as coisas em si e a forma somos nós com nossa percepção a priori das coisas. Immanuel Kant tinha também uma preocupação com a metafísica. Sua rejeição à metafísica “tradicional”, presa a rigorosos dogmatismos sem antes pensar o que de fato o ser humano era capaz de conhecer, fê-lo tecer novos fundamentos para a metafísica. Seu pressuposto parece bastante válido pois percebia o homem como um ser desejoso de conhecer as coisas para além da experiência. A alegação de Kant é um bom início de nossa reflexão: o ser humano em sua ânsia de conhecer enfatiza a questão fundamental da vida: o que é o ser humano? Em sua Crítica da Razão Pura ele destrói a metafísica tradicional e a reconstrói sob novas bases racionais. Ora, o homem possui uma natureza metafísica, pois relaciona-se com o ser e não se desenvolve se não for a partir de sua compreensão do ser. O problema surgirá quando Kant tentar conciliar Racionalismo e Empirismo, Idealismo e Realismo. No Realismo, conhecer os objetos é apreendê-los como realmente são em sua existência independente da mente. Conhecer algo é assumir entre vários conceitos o mais adequado a tal coisa, ou seja, a essência. Ao contrário do Realismo, temos o Idealismo. Para ele, as coisas existem conforme a construção da mente; tudo que existe é conhecido através de idéias ou como idéias. O Racionalismo tem na razão sua fonte do conhecimento. Ora, há uma classe de verdades que o intelecto pode intuir diretamente, e que está além da percepção sensível. Na contraposição está o Empirismo, onde todo conhecimento vem da experiência sensível. Para Kant, conciliar essas quatros concepções do conhecimento era fundamental para seu postulado. Sua atividade filosófica presume a organização do pensamento, percebendo que o problema da percepção das coisas pelos cientistas era muito semelhante ao de como os metafísicos conheciam coisas sobre idéias abstratas tais como a justiça, a honestidade, a moral. Segundo Kant, o ser humano parte de dados para fazê-los juízos. Inicia-se aqui sua idéia de que a razão pura é a que contém os princípios que servem para conhecer alguma coisa a priori. Para tanto, ele usa proposições analíticas e sintéticas. As proposições analíticas só explicam as palavras, enquanto que as sintéticas explicam as coisas para além das palavras. Além disso, ele assume outros dois termos fundamentais, o conhecimento a priori, que vem antes da experiência e torna a experiência possível; e o conhecimento a posteriori, que ocorre a partir da experiência. Na filosofia da época kantiana, os juízos analíticos eram perfeitamente concebíveis, mas o que dizer dos juízos sintéticos a priori? A filosofia de Hume não acreditava na possibilidade do conhecimento que ultrapassava os limites do objeto real em si. Mas Kant insistia que o conhecimento sintético a priori era possível. O conhecimento nesse aspecto era o resultado de uma síntese entre experiência e conceitos. Ora, sem os sentidos, como perceberíamos os objetos? Mas sem o entendimento, como formarmos conceito de um dado objeto? Logo, era necessário a interação entre sensibilidade e razão para ocorrer o “conhecer”. É necessário que o mundo numênico (realidade em si) e o mundo fenomênico (aparência) interajam em vista do conhecimento, visto que a coisa em si – noumenon, era incognoscível. Ultrapassar os limites de seu método levaria inevitavelmente a falácias e paradoxos. Por isso, o emprego da razão devia se dar na esfera prática, conhecendo o mundo, organizando sob a forma a priori de tempo e espaço nossa percepção sobre ele. Tempo e espaço no pensamento kantiano deve ser pensado como formas que alguém põe nas coisas, e não como uma realidade externa.
A REVOLUÇÃO COPÉRNICA EM METAFÍSICA
O pensamento kantiano toma como exemplo a idéia copérnica de, ao invés de deixar a natureza dos objetos penetrar a mente do observador, é melhor o observador girar ao redor do objeto para conhecê-lo. Interpretamos esse girar ao redor como um intuir o objeto como um todo. Assim, não seria o objeto que estaria tecendo o conhecimento, mas o conhecimento a priori é que estaria regulando a natureza. Neste caso, é necessário aceitar as palavras de Kant, onde a experiência é um modo de conhecimento que exige o concurso do entendimento cuja regra em mim próprio eu tenho de pressupor antes de os objetos me serem dados por conseguinte a priori, e essa regra exprime-se por conceitos a priori pelos quais todos os objetos da experiência devem necessariamente regular-se e com os quais têm de harmonizar-se. Ora, a filosofia necessita de uma ciência que determine a possibilidade, os princípios e a extensão de todos os conhecimentos a priori, e a ciência que busca resolver questões relacionadas à possibilidade, princípios e a extensão do conhecer a priori, bem como questões sobre Deus, liberdade, imortalidade é a metafísica. Apegar-se aos postulados metafísicos é acreditar na possibilidade da apreensão do conhecimento a priori para ampliar a apreensão do objeto conhecido a posteriori. Finalmente, ao estabelecer o problema fundamental do conhecimento, fazia-se necessário uma segunda Crítica, a da Razão Prática. Talvez uma ciência da Ética? Kant aponta então elementos puramente racionais nos juízos morais. A única moralidade verdadeira é a ditada pelo raciocínio. Nas palavras do próprio Kant, esse axioma era chamado de Imperativo Categórico. Kant acreditava que nenhum ato realizado em interesse próprio era virtuoso. Seu imperativo pode ser resumido da seguinte forma: proceda em todas as suas ações de modo que a norma de seu proceder possa tornar-se uma lei universal.
O PENSAMENTO DE HEGEL E O “FIM” DO FILOSOFAR
Um dos mais importantes seguidores de Kant chama-se Friedrich Hegel (1770-1831). As idéias kantianas de unidade de ação, de simultaneidade existencial entre o noumenon e o phenomenoun ajudaram Hegel a repensar o conceito de História. Sua atividade racional rejeitou a existência da coisa em si e o mundo numênico de Kant, pois o inacessível ao conhecimento colocava, na opinião de Hegel, em xeque as próprias leis de Kant sobre os limites do conhecimento. Hegel defendia que tudo o que é, é cognoscível. Assim, o real é racional, e o racional é real. Feita de conexões de fatos e objetos, a realidade era um todo que formava a idéia absoluta. Podemos comparar a realidade no pensamento de Hegel como um “quebra-cabeça” que a consciência constrói. Hegel então propõe a filosofia do devir, do ser como movimento. Como o ser em movimento provoca contradições, Hegel traz para o cenário da sua estrutura filosófica uma nova lógica, fundada em princípios dinâmicos ou em categorias do entendimento kantiano, mas mutáveis e conflitantes, ao mesmo tempo que em constante interação. O processo da nova lógica é a dialética, que ocorre na prática quando uma idéia, a tese, entra em conflito com seu oposto, a antítese. Da oposição entre a tese e a antítese surge a síntese que abrange ambas. Ora, Hegel assume que a verdade é o resultado final do desenvolvimento do espírito, a síntese é redefinida como tese com uma nova antítese e síntese e, assim, sucessivamente e infinitamente até a idéia absoluta ser atingida. Com a estrutura dialética pensada, Hegel demonstra como a realidade se desdobra ao longo do tempo à medida que a mente vai estruturando seu próprio pensar. Mas, o que isto quer dizer? Hegel nos dá a resposta: o mundo é a manifestação da idéia. Ora, se o mundo é a manifestação da idéia, então o nosso pensar o mundo é na verdade pensar o pensamento. O desenvolvimento progressivo desse pensar dialético conduz a pensares mais profundos. De fato, o mundo é a idéia construída pela mente. Para melhor visualizar a questão, vejamos como exemplo a relação entre o ser e o nada, donde o ser é a tese e o nada é a antítese. Surge necessariamente uma terceira categoria que abranja ambas as anteriores, a síntese, denominada de devir (vir-a-ser). Como ponto de partida do devir, Hegel assume a idéia lógica. Em oposição a ela propõe a natureza, pois a natureza representava a idéia fora de si, alienada, ou o mundo sem consciência. O conflito entre essas duas categorias é solucionado momentaneamente na esfera do espírito, ou idéia que toma consciência de si através da natureza. Então, a história é o exercício do espírito através do tempo, ou a marcha da razão. A história é um emaranhado de fatos e objetos em relação dinâmica de contradição. O pensamento sistemático de Hegel pode ser assim resumido: a mente constrói a realidade. Acha que a realidade está fora, independente dela. Assim, ela está alheia a si mesma. Então vê que a realidade é criação sua. Aí conhece a realidade tão claramente quanto se conhece. A realidade e ela são uma coisa só. Esse auge do pensar hegeliano é visto também como auge da História da Filosofia e, portanto, denominada de o “fim” da filosofia. Em seu sistema ele se pretende finalmente chegar ao conhecimento absoluto do absoluto. A filosofia é desde então vista como o verdadeiro saber porque dialético, genial, lógico, consistente e elucidativo sobre nossas reais capacidades de conhecer a idéia absoluta, a verdade que sempre almejamos apreender.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO MODERNO
O Renascimento trouxe para o centro das reflexões uma ruptura radical frente ao pensamento cristão. As preocupações especulativas desde então apontaram suas baterias carregadas de questionamentos filosóficos com respostas nem sempre alcançáveis ao pensamento humano. Neste sentido, René Descartes é um profeta do conhecimento pleno. Sua dúvida sobre a certeza do conhecimento pleno do ser fê-lo chegar a idéia fundamental de que a dúvida é a certeza de um conhecimento livre de qualquer erro da lógica. Assim, podemos assumir como o centro de nossa atividade filosófica a dúvida sob a fantasia do questionamento. Ora, a pergunta é um instrumento necessário para evitar que o pensamento se interrompa em seu processo de apreensão do conhecimento. As perguntas são, nas palavras de Walter Oman Kohan, como phármakon, porque procuram dissolver crenças e superstições. Sendo phármakon, elas são também terapêuticas porque instauram a autarquia de quem as pergunta; elas são antídotos contra os dogmas que se pretende impor como verdades. Mas não somente Descartes é profeta. Immanuel Kant, ao valorizar razão e sentido, criticando posturas particulares, dogmáticas e reducionistas de certas correntes filosóficas, coloca-nos num grau elevadíssimo do pensar humano. Com nosso raciocínio envolvido nesse grau, a prática do nosso pensar trabalha os limites, as fronteiras do conhecimento possível, permitindo “olhar” o mundo como se sempre fosse a primeira vez. Por isso, para o ser humano enveredar nas atividades filosóficas é preciso perder algo da fé nas aparências, nas rotinas, nos dogmas para que não seja aceita nenhuma verdade que não seja especulada, problematizada e pensada limitar nosso conhecimento. Hoje, distante dos idos séculos do das Luzes ainda podemos desfrutar das conquistas que a vitória da razão trouxe para a humanidade. Daquela época até nossos tempos, o ser humano vem enfatizando cada vez mais a não clausura do pensamento e o permanente compromisso de manter aberta a questão do sentido de nossas vidas. O permanecer em aberto as questões fundamentais de nossas vidas remonta a Hegel que, em sua feliz apreciação acerca da história, revela que ela ensina que nunca aprendemos com ela. Talvez isso tenha duas verdades aparentemente paradoxais. A primeira verdade é a que nossa alienação permanente diante dos fatos ocorridos é uma realidade pois os fatos históricos se repetem porque somos incapazes de alterá-los ao longo do caminhar temporal. A segunda verdade é a que não ocorre esse repetir, mas o recolocar no centro do caminhar temporal as mesmas questões feitas há milhares de anos atrás para que, quem sabe com novos postulados categóricos, com novos dados da história e das ciências, possamos responder finalmente a grande pergunta kantiana: o que é o ser humano? Se assim fazemos então estamos fazendo filosofia, ou seja, estamos dialogando com uma tradição que já tem mais de 25 séculos no Ocidente.CAP. VIII: FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
DE KARL MARX A HEGEL
Karl Marx (1818-1883) é um crítico voraz de Hegel. Em Hegel, vimos que a realidade é a razão ou idéia. Esta é sua tese ontológica; a idéia determina, organiza e origina a realidade. Marx interpreta o pensamento de Hegel a partir de duas questões. A primeira, Marx pensa o homem como razão ou autoconsciência. A segunda questão refere-se á interpretação da história, que é feita, conforme Hegel, pela idéia. No pensamento hegeliano, a realização libertadora da história se dá via Estado, pois este é a realização plena na idéia. A estruturação sociopolítica e o viver humano eram algo racionalmente organizado. Marx, entretanto, questiona esta segunda tese ao apontar que a existência do proletariado contradiz a realidade da razão. A primeira tese também é refutada por Marx quando diz que o proletariado não parece realizar suas potencialidades conforme pretendia a razão; mas, ao contrário, ele configura como a negação da sua realização. Assim, obtemos como resultado três inversões. Ao invés da realidade da razão, temos a realidade da falsidade, a realidade do direito transforma-se em realidade da injustiça, e a realidade da liberdade passa a ser a realidade da escravatura. A filosofia, na visão de Hegel, confunde-se com uma teoria que pensa e especula a realidade a fim de compreendê-la enquanto discurso. Mas, Marx vê essa filosofia como ideologia que fundamenta uma determinada ordem social. Karl Marx lança mão de uma nova postura sobre a filosofia, a fim de superar seu caráter teórico para se tornar praxis. Neste ponto, é preciso introduzir uma nova tese que vá além do pensamento hegeliano de desenvolvimento do espírito humano através da história sob a “batuta” do Estado. A fundação de um novo pensar significaria pois colocar em xeque o papel da filosofia. Para Marx, os filósofos só interpretavam o mundo. A questão principal, no entanto, era como mudá-lo? Logo, ele propõe um novo pensar, uma base material à dialética hegeliana. Seu pensamento não difere em sua essência do pensamento de Hegel, apesar da inversão na aparência. Para este, o pensamento cria o real, enquanto que para Marx, o ideal é o material tornado pensamento no homem. Ele apenas substitui o espírito do sistema hegeliano por uma compreensão real da natureza, do trabalho e também da economia. Essa nova postura é uma evidente crítica à dialética idealista de Hegel. Marx propõe a desmistificação do conceito hegeliano de dialética a partir da tese de que a natureza não é o resultado ou produto de algo prévio ou distinto dela (espírito), mas é originária. A totalidade neste sentido é a produção da vida como um todo e não o somente todo racional. Essa totalidade se apresenta toda contraditória, sendo necessário um novo sistema dialético para superá-la, é a dialética material. Marx percebe a natureza como um princípio em categorias sociais, em especial nas relações homem versus homem. Ora, o materialismo marxista vê a realidade como o processo dialético material, uma ação produtiva do homem consigo mesmo, e dele com a natureza, com suas forças próprias. Marx via o relacionamento do homem com a matéria, com a natureza como um todo. Compreender essa relação era fundamental para a análise do desenvolvimento da sociedade. Assim, na perspectiva marxista, o pensamento sobre o homem é fundado em princípios da relação econômica. O modo de produção é, diferentemente de Hegel, a força determinante da história. Então, o materialismo marxista é uma contraposição ao idealismo hegeliano. Marx vê a natureza como algo fora da mente humana, e o homem faz parte da natureza. A interação dinâmica entre o homem e a natureza ocorre via dialética da história. O comentário de Osborne sintetiza essa tese: trabalhando a natureza, o homem produz conhecimento, que, por sua vez, produz mudanças quantitativas e qualitativas no desenvolvimento. Essas mudanças referem-se a três estágios sociais, a consciência primitiva, onde a natureza domina o homem; a alienação, onde a propriedade privada cresce e a natureza se torna apenas um objeto; e a realização, que acontece com a abolição da propriedade privada. A conclusão de Marx é precisa: não é a consciência das pessoas que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua consciência.
ATIVIDADE FILOSÓFICA SEGUNDO NIETZSCHE
Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo bastante complexo, é importantíssimo na história do pensamento humano, afinal, sua proposta quer que o homem abandone todos os seus pontos de apoio e viva intensamente sua vida, mesmo que corra riscos e perigos. Ora, Nietzsche rejeitou o Cristianismo, a moral universal, as idéias de Kant, de Rousseau, o pensamento de Mill. Suas idéias exigem a superação a todo momento de todo e qualquer pensar que prenda o homem a estruturas predeterminadas e determinantes de um tipo de ser padronizado. É preciso superar o próprio ser. Eis o ponto fundamental de Nietzsche. Em Assim falou Zaratustra, ele demonstra o que quer: ensino-vos o super-homem...o homem é algo a ser superado. O homem é uma corda que liga o animal ao super homem, uma corda sobre um precipício...O que é maravilhoso no homem é que ele é uma ponte e não uma meta. Portanto, a realidade é o limite onde o ser humano deve investir seu pensar a fim de superar os dramas de uma vida humana condenada ao fracasso. O ser humano que deseja superar os limites da realidade deve investir no Além-homem, criando autênticas atitudes filosóficas, posicionando-se diante de questões cruciais, superando idéias e valores vigentes incapazes de garantir a felicidade humana.
A FILOSOFIA EXISTENCIAL: NOVO PARADIGMA DE CONCEBER E FAZER FILOSOFIA
A Fenomenologia surgiu por volta do século XIX. Nascida de dois termos gregos, o phainomenon e logos. Ela é o discurso daquilo que se mostra, ou a descrição objetiva dos fenômenos. Desenvolvida por Edmund Husserl (1859-1938), o método examina a relação entre o mundo, de um lado, e os sentidos que experimentam o mundo, de outro lado. Em Husserl, o mundo fenomênico kantiano é posto em evidência de maneira mais detalhada. Neste aspecto, há uma tentativa de superação da dicotomia razão-experiência no processo de conhecimento. Então, o pensamento fenomenológico postula que não há pura consciência, separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo, toda consciência é consciência de alguma coisa. Ao mesmo tempo, não há objeto em si, já que o objeto só existe para um sujeito que lhe dá significado , o que implica no conceito da intencionalidade, conforme afirmara o alemão Franz Brentano (1838-1917). Assim, a fenomenologia de Husserl vê o mundo físico e a consciência humana individual como partes interligadas de uma relação única. Ora, o conhecimento da própria consciência, para Husserl, é a única coisa certa que podemos demonstrar. Assim, o método quer transcender os objetos propriamente ditos para focalizar a experiência em si. Esse fundamento radical é de caráter eidético, ou essência da experiência. No fenômeno – dado imediato – é contida a sua essência ¬– eidos=forma – cuja intuição originária e imediata é feita pela fenomenologia. Os fatos em si são deixados para a psicologia pensar. Cabe, no entanto, à fenomenologia, conhecer e dissertar sobre o mundo eidético, prescindindo os elementos psicológicos, existenciais e subjetivos. Caminhando por essa via, surgem as estruturas lógicas do pensamento que nos fazem chegar à essência. Daí, a denominação intersubjetividade transcendental, que exige uma consciência transcendental. Por intersubjetividade transcendental entendemos as essências e significados que são dados às coisas por uma determinada pessoa, que tem um aspecto semelhante com os das outras pessoas. No entanto, não ficou Husserl preso a um caráter puramente descritivo do seu método fenomenológico, reduzindo o filosofar ao como são as coisas, ignorando o porquê delas? Então seria essa descrição um olhar apurado da realidade e, portanto, da nossa própria consciência? Ora, a consciência individual é livre para ver por si própria as coisas. Por isso, Husserl enfatiza o objeto intencional da consciência. É o objeto, e não necessariamente real ou material, que o pensamento tem por alvo. A consciência individual, por sua vez, acaba abrindo portas para o existencialismo.
FILOSOFIAS EXISTENCIAIS O Existencialismo é uma das mais importantes concepções filosóficas do século XX. Entre os pensadores mais destacados, temos Heidegger, discípulo de Husserl, Kierkegaard, Sartre e outros. Ora, o Existencialismo busca nos limites da experiência tecer uma crítica ao Racionalismo Imanentista e ao Historicismo Hegeliano, enucleando a contingência e a irracionalidade humana, bem como o pessimismo contemporâneo. Como ponto de partida de nossa reflexão existencialista, podemos pensar que o ser humano tem de comum com os demais seres o fato de que ele simplesmente é. A planta é, o animal é, a pedra é. Nós também somos. Portanto, bastaria ser, efetivamente, para existir! Ora, Kierkegaard fundamenta seu pensamento na teoria da angústia, onde ele soluciona o problema filosófico através da transcendência cristã, mas mediante um conceito de fé irracional, sem vínculos com a filosofia. Ora, Kierkegaard assume que a existência do mal e do pecado é inerente ao ser humano. Ora, do pecado surge a angústia, da angústia o desespero e do desespero a fé e, portanto, a redenção e a salvação mediante a graça divina. É neste ponto que é pensada a idéia da fé irracional pois parece um entregar-se desesperado no transcendental. Nele, o indivíduo é um ser que para existir necessita agir e escolher. Para compreendê-lo é preciso quatro pontos fundamentais, a saber: Kierkegaard rejeitava o idealismo hegeliano; para ele, o indivíduo explora o mundo da inteligência e da sensualidade; o indivíduo precisa explorar o mundo das responsabilidades morais; depois dessa busca, ele pode chegar à essência da subjetividade. Sua filosofia estava, portanto, baseada na importância da escolha individual. Neste aspecto, critica Hegel por ter fundamentado sua filosofia num pensamento abstrato e impessoal, ignorando as pessoas na sua realidade experiencial. Kierkegaard considera importantíssimo uma existência significativa. Este pensador ainda vê uma segunda falha no pensamento hegeliano: é o querer explicar todas as coisas. Para Sören, as coisas não devem ser explicadas mas vividas pois o ser humano é dotado de subjetividade. A busca da verdade é uma busca parcial e particular porque ela revela a existência passada e a possível, que diferem da existência real. O mais importante é a verdade da própria situação humana, subjetiva em si onde e tão somente o ser humano é capaz de conhecer. Um outro filósofo que influenciou bastante os existencialistas foi Friedrich Nietzsche. Apesar de já termos comentado um pouco sobre ele, há alguns pontos que deixamos para esse momento, que oportunamente temos o prazer de analisar. Este filósofo é conhecido por suas divagações complexas, tais como a morte de Deus, o mito do super-homem, e influências sobre o Nazismo. Influenciado pelo ateísmo e pelo anti-racionalismo de Schopenhauer, pregava a idéia de que a individualidade não deveria ser definível, porque fazê-la significaria impor limites ao indivíduo. No entanto, acreditava o filósofo, que o indivíduo era capaz de evoluir para algo melhor do que a concepção atual de indivíduo. Esse indivíduo superior é, em seu pensamento, o super homem. Uma outra postura de Nietzsche é a razão do pensamento. Para ele, o pensamento não tem a função de descobrir a verdade, mas de garantir a sobrevivência. Por isso, a objetividade do pensar dá lugar à subjetividade, transvalorizando as coisas ou dando novo significado a uma idéia antiga. Ainda há um outro aspecto pensado por Nietzsche. É a necessidade de olharmos além do bem e do mal, caso queiramos realizar o potencial humano. É a superação e o desprezo à identidade de rebanho. Pois um indivíduo deve viver para si próprio, e obedecer à própria vontade. Temos ainda o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), um dos primeiros existencialistas de que temos notícia. Discípulo de Husserl, modificou o pensamento de seu mestre transferindo da consciência para o “ser” a fonte capaz de perceber a realidade. Para Heidegger, diferentemente de Husserl, o importante não era a experiência humana da realidade, mas a própria existência. Ora, a existência para Heidegger é tudo. Não ocorre nada fora do ser. E o ser ocorre no tempo que o faz existência temporal, e, por isso, existência que muda à medida que o tempo passa. A pretensão de Heidegger era voltar as reflexões do pensamento aos fenômenos, ou tudo o que aparece à consciência. Sua filosofia gera angústia e falta de sentido. Mas essa angústia parece proposital na medida em que Heidegger deposita na angústia o conhecimento do Dasein, que organiza o mundo. Dasein é o termo fundamental no pensamento heideggeriano, ou o ser-aí. De acordo com Heidegger, não precisamos ir em busca do ser porque ele está sempre no mundo. Não há também necessidade de um teoria tradicional do conhecimento para apreender esse ser. Ele se dá a conhecer pela experiência existencial. O Dasein está aberto a qualquer ser humano que queira criar o próprio sentido existencial, mesmo sabendo que nos deparamos constantemente com novas possibilidades na medida em que o tempo corre. Heidegger também procura unir razão e experiência. Para ele, não pode haver conhecimento separado da experiência pois ambos são parte de uma mesma realidade. A apreensão da realidade e, por conseguinte, o conhecimento dela são feitos através da própria existência em si. Neste sentido, Heidegger demole os tipos de filosofia que necessitam da metafísica para construir via conceito o ser. Portanto, Heidegger percebe que a metafísica é vazia de sentido pois de nada serve para se perceber a realidade das coisas. Neste caso, a filosofia tradicional fundamentada nos princípios metafísicos chegou ao fim, havendo pois urgente necessidade de repensar novos caminhos, fundados nos pensadores originários e na linguagem dos poetas, extra-racional , a fim de demolirmos os conceito clássico de racionalidade. Ora, é necessário afirmarmos que Heidegger fazia da existência o significado profundo da essência. E o papel da filosofia não é outro senão determinar a essência do estar-no-mundo do existente humano. Ora, adquirir consciência de tudo isso significa existir, ou seja, atravessar do lado inconsciente da vida ao lado autêntico. O pensamento heideggeriano, quando pensado profundamente pode levar ao imanentismo, gerando desespero racional e prático. Karl Jaspers, com sua reflexão da transcendência cristã, onde sem transcendência não há existência. Finalmente, temos que a fenomenologia não busca ser a única maneira de investigar a realidade, mas somente um novo acesso à realidade e ao conhecimento. Por esta razão, ela tem pressupostos diversos ao da Metafísica, que vê no ser o sentido último, único e permanente, visível e evidente através da idéia de tudo o que existe na natureza. Ora, na Metafísica, o ser e a existência são duas situações ontológicas separadas. Mas na fenomenologia, é impossível separar o ser de um ente, que se mostra ser em sua aparência. Mas, a metafísica não aceita a aparência como um dado confiável para se obter o conhecimento, afinal a aparência é ilusão. Isto francamente difere da fenomenologia que não aceita a dicotomia entre ser e ente, o ser não está por trás das aparências, mas nelas mesmas. Na Metafísica, a explicitação fundante do ser ocorre na precisão conceitual que evidencia a verdadeira apreensão do ser. Esse conceito é uma idéia metodologicamente construída. No entanto, na fenomenologia a apreensão do ser se dá via existência humana em si e em seu modo experiencial de conceber o mundo que está aí.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO
A História do pensamento depois da Idade Moderna, dos avanços da técnica e da ciência, das descobertas e invenções que fizeram o mundo revolucionar sua própria percepção do universo, do mundo, do ser, é um emaranhado de conceitos e preconceitos, todos ora unidos numa aparente corrente filosófica ora envolto em guerras paradoxais nos realizadas nas fronteiras bem definidas de várias correntes filosóficas, resultando na fragmentação e desestruturação do pensamento metafísico. Essa fragmentação acabou gerando o que chamamos de ciências. O Renascimento iniciou a luta libertadora, e tornou-se palco de uma nova maneira de olhar o universo, fazendo sinonímia com um renascer para o conhecimento livre de amarras morais e religiosas. A humanidade pré-renascentista, herdeira do pensamento patrístico e escolástico, acreditava piamente que o conhecimento da verdade, do objeto em si, somente era possível a partir da aceitação incondicional da Revelação Divina. Dava-se demasiado crédito à idéia de que a verdade estaria manifestada nos sistemas normativos e doutrinais da Igreja. Ora, em meados do século XVI, o Movimento Renascentista, e mais tarde o Movimento das Luzes acusaram tais normas religiosas, morais, éticas e judiciais como cerceadoras da liberdade humana e do conhecimento pleno das coisas. Sob essa bandeira, a sociedade mercantilista rompeu com as normas da época, e buscou refazer a estrutura do mundo, recriando os laços humanos, reestruturando o pensar sobre o universo. Época aparentemente feliz essa em que o ser humano se libertou das “garras” morais e éticas da Igreja, e jogou para o julgamento único da história a conduta humana em relação ao conhecimento e à existência. Desde então, aqueles parâmetros de controle deixaram de ser essenciais, abrindo espaço a uma variedade de especulações, sistemas de pensamento, descobertas científicas condicionados a uma liberdade sem limites. Ora, a ausência de tais parâmetros limitadores da liberdade humana resultou em atos confusos e não poucas vezes contrários à vida humana. No imediato da História Moderna, a luta entre sistemas filosóficos de cunho racionalista e realista tomou rumos cada vez mais complexos. Kant ainda tentara reunir essas duas correntes, tecendo uma Crítica à Razão Pura e uma Crítica à Razão Prática, mas não conseguiu rejuntar os cacos de pensamentos tão radicais. Na verdade, houve um redesdobramento do pensar moderno, surgindo na mais profunda radicalidade o sistema racional e o sistema empírico. As novas roupagens foram chamadas de Idealismo e Positivismo. Os debates entre essas duas linhas do pensar geraram um vazio na humanidade, uma ausência de perspectiva existencial que culminou em guerras totalitárias com conseqüências amargas para a sociedade do vigésimo século e seguintes. Afinal tornar o sempre dicotômico pensamento humano num sistema especulativo harmonioso é um desafio que talvez jamais tenha solução. Corpo e a alma, o certo e o errado, a razão e a experiência...! Nossa autonomia individual está sempre ameaçada por idéias que privilegiam somente uma parte do nosso ser. Essas ameaças foram reduzidas em parte pelo filósofo Martin Heidegger que, das entranhas do seu pensar, buscou uma unidade relativa entre a experiência vivida e o conhecimento inato. Peças de um mesmo jogo, essas duas dimensões do ser humano jamais poderiam ter sido separadas. Aliás, jamais se separaram, apesar da insistência em analisá-las de maneira separada. Logo, o pensamento existencialista, nascido das náuseas e angústias humanas, dos princípios niilistas e do desespero gerado por carências de razões para se viver, é um sistema resignificador do pensamento humano. O apego à existência como fonte parturiente de razões do viver é sinal de que Heidegger, se não estava plenamente correto, ao menos deixou-nos o mapa da vida plena. Cabe a nós seguí-lo e não deixarmos acontecer novamente a bifurcação do pensamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de percorrer essas cinco unidades de estudo, uma pergunta ainda me intriga e faz aguçar minhas curiosidades e desejos de aprofundamento. Depois da viagem fantástica pela história do pensamento filosófico, adentrando a cada pensador e sua atividade racional, qual a minha percepção acerca de como mundo se relaciona com a filosofia? Podemos perguntar às pessoas, mas a opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer sobre nossas vidas e não tem qualquer utilidade prática. Alguns chegam a dizer que “a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo... e, portanto, não me diz respeito.” Seria pois a revelação “descarada” de que é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida? Seria essa uma percepção niilista e negativista da filosofia, evidente conseqüência de um existencialismo imanentista, que parece não ter ajudado o mundo a superar as fronteiras da experiência, apesar de seu desejo de viver o ser em sua plenitude através do fenomênico? A polêmica é inevitável pois se eu compreendesse o pensamento filosófico, que num orgulho proposital se dividiu em duas correntes tão bem fundadas por nossos filósofos modernos e contemporâneos, teria de alterar minha vida, adquiriria um outro estado de espírito, talvez veria melhor as coisas, ou chegaria a uma crise existencial sem fim. Talvez teria de rever meus juízos. Então, melhor seja não pensar filosoficamente. Não ver fenômeno, não ver o numênico, não aceitar a física ou a metafísica. O bem-estar material como razão suficiente de vida a mim me bastaria! Mais ainda, apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica e de seu apoio necessário à produção de uma melhor qualidade de vida temporal seria suficientemente bem vindo. Então, não há necessidade de enveredar os caminhos do infinitum mysterium a fim de pensar a realidade com o fantástico intuito de discernir a verdade da vida no meio de uma existência sem razões evidentes. Os novos paradigmas da humanidade surgidos com as descobertas da física quântica, da manipulação genética, com as pesquisas em torno das inteligências múltiplas, com a ansiedade da humanidade em retornar ao mundo espiritual, têm provocado as pessoas a uma nova maneira de viver e pensar a raça humana. A consciência humana individual, tão apregoada por Husserl em sua fenomenologia, é superada pela concepção coletiva da consciência. O super-homem de Nietzsche, se colocado em prática com toda a sua força, leva necessariamente a uma luta hedionda por poder, haja visto as experiências totalitárias. Estamos superando o mito, criando um novo mito, o da super-nação, onde uma potência econômica se assume a mais bem fundada sociedade, ponto da qual todas as outras nações devem ser reflexos homogeneizados de sua cultura e ideologia. Como o mundo está confuso! Kierkegaard parece ter profetizado como iríamos chegar no século XXI. Ele comenta que o indivíduo é um ser que para existir necessita agir e escolher. Ora, agimos sabe-se lá por nossas escolhas, ou por simples alienação, ou talvez movidos por desencanto existencial profundo. Agimos em nosso dia-a-dia tal como uma cena de novela, onde o mocinho busca sair vencedor a qualquer custo numa luta que, sabe-se de antemão, não há vencedores. Nossa existência feita à base de opções e ações racionalmente optadas ao invés de nos direcionar ao bem viver, têm na verdade nos jogado cada vez mais no abismo sem fim, onde a vida pode se esfacelar definitivamente gerando a morte humana e cósmica. Estaria, no entanto, Heidegger certo? Se há angústia, há possibilidade do Dasein. Se há Dasein, há a possibilidade de se organizar o mundo. Ora, pensar a própria existência a partir de fundamentos fenomenológicos pode ajudar-nos a ver em que aspecto o mundo está sendo prejudicado em sua ambição desenvolvimentista, e assim, desvendar formas positivas de fazer o mundo progredir. Talvez seja esse o novo papel do filósofo. Ele deve “encarar” a grandiosa atividade de procurar o ser humano, escutar o que ele diz, observar o que ele faz e se interessar por sua palavra e ação, desejoso de partilhar com ele, do destino comum da humanidade. A nova atividade filosófica deve assumir que antes de todo saber que aprendemos na escola e nos estudos sistemáticos, há em nós uma sabedoria concreta e viva da realidade em que vivemos. Começamos a conhecer as coisas por causa dessa sabedoria, e essa sabedoria nos empurra para uma reflexão em que questionamos sobre o mundo em que vivemos. Por isso, somos inquietos e angustiados existencialmente em relação ao que somos, ao nosso destino, à nossa origem. Ora, a filosofia quer em primeiro trabalhar as questões mais fundamentais que o ser humano tem dentro de si, que em sua essência não se diferenciam das questões dos pensadores originários. Nossa capacidade de nos surpreendermos é a única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos. Se esse novo “olhar” filosófico for racionalmente fundamentado, poderemos então reordenar nossa maneira de pensar o mundo e seus grandes problemas, bem como fazê-lo um espaço gerador de vida.
BIBLIOGRAFIA PESQUISADA
- ALVES, Rubem. Variações sobre a vida e a morte. São Paulo: Paulinas, 1990.- BASSO, Maximino. Filosofia e Existência. UEA 1, Brasília: Universa, 2001.- BOWKER, John. Deus: uma breve história. São Paulo: Globo, 2002.- BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia. São Paulo: Ediouro, 2002.- ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1995.- ¬¬¬__________. Mito do Eterno Retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.- FABRI DOS ANJOS, Márcio (org.). Teologia Aberta ao Futuro. São Paulo: Loyola, 1997.- HOLLIS, James. Rastreando os deuses. São Paulo: Paulus, 1992.- NIETZSCHE, Friedrich. Para Além do Bem e do Mal. São Paulo: Martin Claret, 2002.- ___________________. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2003.- ___________________. O nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.- OSBORNE, Richard. Filosofia para Principiantes. São Paulo: Objetiva, 1998.- PANDOVANI, Humberto & CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos: 1994.- STEIGER, André. Compreender a História da vida. São Paulo: Paulus, 1998.- SUNG, Jung Mo. Deus numa Economia sem Coração. São Paulo: Paulinas, 1992.
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa - Um conversor para facilitar o trabalho:
Pra quem ainda não sabe, a partir de janeiro de 2009 entra em vigor o novo acordo ortográfico, as mudanças no idioma visam universalizar a língua portuguesa. Facilitando o intercâmbio cultural entre os países lusófonos entre outras coisas.
No Brasil 0,5% das palavras sofrerão modificações, em Portugal e nos restantes países lusófonos, as mudanças afetarão cerca de 2.600 palavras, ou seja, 1,6% do vocabulário total.
Seguindo uma sugestão do Inagaki decidi criar um conversor ortográfico, a principal dificuldade, além das regras que já não são simples, foi encontrar essas regras resumidas em um único local.
O conversor ortográfico está pronto e pode ser acessado aqui e para facilitar ainda mais a sua vida e a minha decidi publicar esse resumão com as principais mudanças:
Alfabeto
• Nova Regra: O alfabeto agora é formado por 26 letras
• Regra Antiga: O 'k', 'w' e 'y' não eram consideradas letras do nosso alfabeto.
• Como Será: Essas letras serão usadas em siglas, símbolos, nomes próprios, palavras estrangeiras e seus derivados. Exemplos: km, watt, Byron, byroniano
Trema
• Nova Regra: Não existe mais o trema em língua portuguesa. Apenas em casos de nomes próprios e seus derivados, por exemplo: Müller, mülleriano
• Regra Antiga: agüentar, conseqüência, cinqüenta, qüinqüênio, frqüência, freqüente, eloqüência, eloqüente, argüição, delinqüir, pingüim, tranqüilo, lingüiça
• Como Será: aguentar, consequência, cinquenta, quinquênio, frequência, frequente, eloquência, eloquente, arguição, delinquir, pinguim, tranquilo, linguiça.
Acentuação
• Nova Regra: Ditongos abertos (ei, oi) não são mais acentuados em palavras paroxítonas
• Regra Antiga: assembléia, platéia, idéia, colméia, boléia, panacéia, Coréia, hebréia, bóia, paranóia, jibóia, apóio, heróico, paranóico
• Como Será: assembleia, plateia, ideia, colmeia, boleia, panaceia, Coreia, hebreia, boia, paranoia, jiboia, apoio, heroico, paranoico
Observações:
• nos ditongos abertos de palavras oxítonas e monossílabas o acento continua: herói, constrói, dói, anéis, papéis.
• o acento no ditongo aberto 'eu' continua: chapéu, véu, céu, ilhéu.
• Nova Regra: O hiato 'oo' não é mais acentuado
• Regra Antiga: enjôo, vôo, corôo, perdôo, côo, môo, abençôo, povôo
• Como Será: enjoo, voo, coroo, perdoo, coo, moo, abençoo, povoo
• Nova Regra: O hiato 'ee' não é mais acentuado
• Regra Antiga: crêem, dêem, lêem, vêem, descrêem, relêem, revêem
• Como Será: creem, deem, leem, veem, descreem, releem, reveem
• Nova Regra: Não existe mais o acento diferencial em palavras homógrafas
• Regra Antiga: pára (verbo), péla (substantivo e verbo), pêlo (substantivo), pêra (substantivo), péra (substantivo), pólo (substantivo)
• Como Será: para (verbo), pela (substantivo e verbo), pelo (substantivo), pera (substantivo), pera (substantivo), polo (substantivo)
Observação:
• o acento diferencial ainda permanece no verbo 'poder' (3ª pessoa do Pretérito Perfeito do Indicativo - 'pôde') e no verbo 'pôr' para diferenciar da preposição 'por'
• Nova Regra: Não se acentua mais a letra 'u' nas formas verbais rizotônicas, quando precedido de 'g' ou 'q' e antes de 'e' ou 'i' (gue, que, gui, qui)
• Regra Antiga: argúi, apazigúe, averigúe, enxagúe, enxagúemos, obliqúe
• Como Será: argui, apazigue,averigue, enxague, ensaguemos, oblique
• Nova Regra: Não se acentua mais 'i' e 'u' tônicos em paroxítonas quando precedidos de ditongo
• Regra Antiga: baiúca, boiúna, cheiínho, saiínha, feiúra, feiúme
• Como Será: baiuca, boiuna, cheiinho, saiinha, feiura, feiume
Hífen
• Nova Regra: O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por 'r' ou 's', sendo que essas devem ser dobradas
• Regra Antiga: ante-sala, ante-sacristia, auto-retrato, anti-social, anti-rugas, arqui-romântico, arqui-rivalidae, auto-regulamentação, auto-sugestão, contra-senso, contra-regra, contra-senha, extra-regimento, extra-sístole, extra-seco, infra-som, ultra-sonografia, semi-real, semi-sintético, supra-renal, supra-sensível
• Como Será: antessala, antessacristia, autorretrato, antissocial, antirrugas,
arquirromântico, arquirrivalidade, autorregulamentação, contrassenha, extrarregimento, extrassístole, extrasseco, infrassom, inrarrenal, ultrarromântico, ultrassonografia, suprarrenal, suprassensível
Observação:
• em prefixos terminados por 'r', permanece o hífen se a palavra seguinte for iniciada pela mesma letra: hiper-realista, hiper-requintado, hiper-requisitado, inter-racial, inter-regional, inter-relação, super-racional, super-realista, super-resistente etc.
• Nova Regra: O hífen não é mais utilizado em palavras formadas de prefixos (ou falsos prefixos) terminados em vogal + palavras iniciadas por outra vogal
• Regra Antiga: auto-afirmação, auto-ajuda, auto-aprendizagem, auto-escola, auto-estrada, auto-instrução, contra-exemplo, contra-indicação, contra-ordem, extra-escolar, extra-oficial, infra-estrutura, intra-ocular, intra-uterino, neo-expressionista, neo-imperialista, semi-aberto, semi-árido, semi-automático, semi-embriagado, semi-obscuridade, supra-ocular, ultra-elevado
• Como Será: autoafirmação, autoajuda, autoaprendizagem, autoescola, autoestrada, autoinstrução, contraexemplo, contraindicação, contraordem, extraescolar, extraoficial, infraestrutura, intraocular, intrauterino, neoexpressionista, neoimperialista, semiaberto, semiautomático, semiárido, semiembriagado, semiobscuridade, supraocular, ultraelevado.
Observações:
• esta nova regra vai uniformizar algumas exceções já existentes antes: antiaéreo, antiamericano, socioeconômico etc.
• esta regra não se encaixa quando a palavra seguinte iniciar por 'h': anti-herói, anti-higiênico, extra-humano, semi-herbáceo etc.
• Nova Regra: Agora utiliza-se hífen quando a palavra é formada por um prefixo (ou falso prefixo) terminado em vogal + palavra iniciada pela mesma vogal.
• Regra Antiga: antiibérico, antiinflamatório, antiinflacionário, antiimperialista, arquiinimigo, arquiirmandade, microondas, microônibus, microorgânico
• Como Será: anti-ibérico, anti-inflamatório, anti-inflacionário, anti-imperialista, arqui-inimigo, arqui-irmandade, micro-ondas, micro-ônibus, micro-orgânico
Observações:
• esta regra foi alterada por conta da regra anterior: prefixo termina com vogal + palavra inicia com vogal diferente = não tem hífen; prefixo termina com vogal + palavra inicia com mesma vogal = com hífen
• uma exceção é o prefixo 'co'. Mesmo se a outra palavra inicia-se com a vogal 'o', NÃO utliza-se hífen.
• Nova Regra: Não usamos mais hífen em compostos que, pelo uso, perdeu-se a noção de composição
• Regra Antiga: manda-chuva, pára-quedas, pára-quedista, pára-lama, pára-brisa, pára-choque, pára-vento
• Como Será: mandachuva, paraquedas, paraquedista, paralama, parabrisa, parachoque, paravento
Observação:
• o uso do hífen permanece em palavras compostas que não contêm elemento de ligação e constiui unidade sintagmática e semântica, mantendo o acento próprio, bem como naquelas que designam espécies botânicas e zoológicas: ano-luz, azul-escuro, médico-cirurgião, conta-gotas, guarda-chuva, segunda-feira, tenente-coronel, beija-flor, couve-flor, erva-doce, mal-me-quer, bem-te-vi etc.
O uso do hífen permanece
• Em palavras formadas por prefixos 'ex', 'vice', 'soto': ex-marido, vice-presidente, soto-mestre
• Em palavras formadas por prefixos 'circum' e 'pan' + palavras iniciadas em vogal, M ou N: pan-americano, circum-navegação
• Em palavras formadas com prefixos 'pré', 'pró' e 'pós' + palavras que tem significado próprio: pré-natal, pró-desarmamento, pós-graduação
• Em palavras formadas pelas palavras 'além', 'aquém', 'recém', 'sem': além-mar, além-fronteiras, aquém-oceano, recém-nascidos, recém-casados, sem-número, sem-teto
Não existe mais hífen
• Em locuções de qualquer tipo (substantivas, adjetivas, pronominais, verbais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais): cão de guarda, fim de semana, café com leite, pão de mel, sala de jantar, cartão de visita, cor de vinho, à vontade, abaixo de, acerca de etc.
• Exceções: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao-deus-dará, à queima-roupa.
Consoantes não pronunciadas
Fora do Brasil foram eliminadas as consoantes não pronunciadas:
• ação, didático, ótimo, batismo em vez de acção, didáctico, óptimo, baptismo
Grafia Dupla
De forma a contemplar as diferenças fonéticas existentes, aceitam-se duplas grafias em algumas palavras:
• António/Antônio, facto/fato, secção/seção.
Existem algumas controvérsias, tentei trabalhar apenas com aquilo que me pareceu ser senso comum, existe um material bem organizado no IG Educação para quem quiser se aprofundar: Acordo Ortográfico