1º Atividade da Xênia

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Texto de Psicologia para aula de Quarta dia 05/05

PRINCIPAIS CONCEITOS DA ABORDAGEM SISTÊMICA EM CUIDADOS DE
ENFERMAGEM AO INDIVÍDUO E SUA FAMÍLIA
NURSING CARE TO THE INDIVIDUAL AND HIS/HER FAMILY: MAIN CONCEPTS
OF THE SYSTEMIC APPROACH
PRINCIPALES CONCEPTOS DEL ABORDAJE SISTEMICO EN CUIDADOS DE
ENFERMERÍA AL INDIVIDUO Y SU FAMILIA
Sueli Aparecida Frari Galera*
Margarita Antonia Villar Luis**
Galera SAF, Luis MAV. Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem ao indivíduo e
sua família. Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7.
RESUMO
Dada a ênfase atual na questão família surgiu o interesse de trazer para a discussão alguns conceitos que fundamentam a
abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem, que tem como principal instrumento a entrevista com a família. Os
conceitos discutidos são: sistema, ser humano, família, saúde familiar, intervenção de enfermagem, hipóteses, circularidade,
hipótese sistêmica e neutralidade. Procurou-se fornecer exemplos práticos que facilitassem a compreensão dos conceitos,
bem como sua aplicabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Família. Cuidados de enfermagem. Enfermagem. Saúde da família.
ABSTRACT
With the current emphasis in the family question it is important to discuss some concepts underlying the systemic
approach to the family nursing care, which has in the interview with the family its main instrument . In this paper the
following concepts are discussed: system, human being, family, familiar health, nursing intervention, hypotheses, circularity,
systemic hypothesis and neutrality. It was aimed to supply practical examples that could facilitated the understanding
of the concepts, as well as its applicability.
KEYWORDS: Family. Nursing care. Nursing.. Family health.
RESUMEN
Considerando la enfasis actual en la cuestión familia surgió el interés en traer para la discusión algunos conceptos que
fundamentan el abordaje sistémico en cuidados de enfermería, que tiene como principal instrumento la entrevista con la
familia. Los conceptos discutidos son: sistema, ser humano, familia, salud familiar, intervención de enfermeria, hipótesis,
circularidad, hipótesis sistémica, neutralidad. Se buscd fornecer ejemplos prácticos que facilitasen la comprensión de los
conceptos, bién como su aplicabilidad.
PALABRAS-CLAVE: Familia. Atencion de enfermeria. Enfermeria. Salud de la familia.
* Enfermeira Especialista junto ao DEPCHda EERP - USP. Doutora em enfermagem. E-mail: sugalera@eerp.usp.br
* Professora Titular do DEPCHda EERP - USP-
Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7. 141 INTRODUÇÃO
Na atualidade a enfermagem brasileira, nas mais
variadas áreas, dentre elas a psiquiatria e saúde mental,
tem se voltado para a família como um grupo de grande
potencial de acolhimento e socialização de seus
membros. A criação do Programa de Saúde da Família,
a redução do tempo de internação, o incentivo para
tratamentos ambulatoriais e para uma rede de suporte
mais amplo e flexível na assistência a portadores de
doenças crônicas são exemplos de mudanças que tem
exigido a inclusão da família no plano de cuidados.
É visível nas publicações brasileiras o aumento
do tema família em enfermagem psiquiátrica e saúde
mental. Os trabalhos têm adotado a visita domiciliaria
ou o grupo de familiares como principais meios para a
intervenção e pesquisa. Como referencial teórico e
metodológico, utilizam a abordagem humanista (1-2)
, a
abordagem fenomenológica(3)
, a materialista histórica
(4)
,
a sociométrica (5)
e a tomada de depoimento pessoal (6)
.
A escuta ativa é empregada em todos.
Dada a ênfase atual na questão família, a
importância da inclusão deste grupo na assistência e
a novidade do estudo dessa temática sob um olhar
mais compreensivo e abrangente surgiu o interesse
de trazer para a discussão alguns conceitos que
fundamentam a abordagem sistêmica em cuidados de
enfermagem, que tem como principal instrumento a
entrevista com a família.
Esta abordagem, desenvolvida por Lorraine M.
Wrigth e Maureen Leahey na Unidade de enfermagem
familiar da Universidade de Calgary, vem sendo
utilizada como guia para a prática, ensino e pesquisa
por diversas enfermeiras canadenses e de outros
países. Este trabalho está fundamentado nos textos
de Wrigth, Leahey (7)
, Duhamel (8)
e, em bibliografias
sugeridas pela segunda autora nas disciplinas que
oferece no curso de pós graduação da Faculdade de
Ciência em Enfermagem da Universidade de Montreal.
A abordagem sistêmica em cuidados de
enfermagem se inspira na Teoria Geral de Sistemas,
Teoria da Cibernética, em Conceitos de enfermagem e
da Terapia familiar, principalmente nos trabalhos da
equipe de Milão. Esta equipe, inicialmente composta
por Mara Selvini Palazolli, Luigi Boscolo, Gian Franco
Cechin e Giuliana Prata, insistia na necessidade de
adotar uma conotação positiva para os
comportamentos, na utilização de rituais, de
prescrições de tarefas e de um intervalo mais longo
entre os encontros com a família .
A teoria do conhecimento elaborada pelo biólogo
Humberto Maturana e seus colaboradores também é
outra referência importante da abordagem sistêmica
em cuidados de enfermagem. Principalmente com suas
idéias sobre o determinismo estrutural e de realidade
entre parênteses.

A abordagem sistêmica reconhece que a relação
entre a dinâmica familiar e uma problemática de saúde
é complexa, sendo impossível distinguir claramente
os efeitos diretos de uma sobre a outra. Pode-se
porém, observar uma co-evolução, na qual a dinâmica
familiar influencia a evolução da doença e esta, por
sua vez, influencia a dinâmica da família que sendo
outra irá interferir na evolução da doença, num
processo contínuo ao longo do tempo.
PRINCIPAIS CONCEITOS
Sistema
Um sistema pode ser definido como um complexo
de elementos em interação mútua. Esta definição pode
ser aplicada para o indivíduo, para a família ou mesmo
para a sociedade. Cada sistema pode se constituir de
sub-sistemas e estar inserido em outros sistemas
maiores (9)
.
Nesta perspectiva, a família pode ser vista como
um sistema que é parte de um outro maior e composto
de muitos subsistemas. A família é composta de muitos
sub sistemas, como subsistema mãe e filho, o casal e
os irmãos. Ao mesmo tempo, a família é uma unidade
que faz parte de um supra-sistema que é composto pelos
vizinhos, organizações, igreja, instituições de saúde,
escola, etc. As fronteiras entre esses sistemas são
definidas arbitrariamente e ajudam estabelecer quem
está dentro e fora do sistema familiar e quais
subsistemas e supra-sistemas são importantes para a
família num determinado momento.
O ser humano
0 ser humano é compreendido como um sistema
cujos componentes e suas relações formam a
estrutura. Este sistema é dinâmico e sua estrutura
está em contínua mudança de uma maneira
determinada em cada instante nela mesma. Ao mesmo
tempo, o curso que segue esta contínua mudança
estrutural é modulado pelas interações do organismo
de uma maneira que tem a ver com a natureza
estrutural destas interações(10)
.
Os sistemas vivos são determinados por sua
estrutura biopsicológica e tudo que se produz no
interior desses sistemas depende dela. Isto é da
estrutura. A mudança dentro de um sistema se produz
segundo sua própria dinâmica interna ou suas
interações com o ambiente, o qual também muda
continuamente (8)

Segundo Maturana(11)
, toda entidade viva
somente pode perceber, responder, pensar, acreditar e
agir de acordo com os limites de sua estrutura única
como um ser. Este conceito salienta que a realidade
descrita por uma pessoa não existe independente dela,
pois é uma reformulação de sua experiência.
Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
142 Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7. Conseqüentemente, a realidade que o indivíduo
descreve não é uma "realidade objetiva", mas uma
realidade entre parênteses, pois é uma reformulação
de sua experiência vivida.
Com base nessa compreensão da realidade, uma
crítica às pesquisas sobre família é que em muitas delas
o pesquisador entrevista somente um familiar de cada
família. Interpretam as respostas desse familiar como
sendo a representação fiel da opinião da família. Se a
realidade de cada pessoa é uma reformulação de sua
experiência, é justo pensar que a opinião de um
elemento da família e a interpretação que o pesquisador
faz desta opinião não são, necessariamente, a
representação de todo o grupo.
Além disso, estas pesquisas sugerem inter-
venções de enfermagem junto à família fundamentadas
nas interpretações das entrevistas feitas com um
membro do grupo. Novamente, percebe-se o problema
da visão única, pois a intervenção sugerida para a
abordagem da família está fundamentada somente no
ponto de vista de um de seus membros.
A família:
A família é definida como um grupo de indivíduos
vinculados por uma ligação emotiva profunda e por
um sentimento de pertença ao grupo, isto é que se
identificam como fazendo parte daquele grupo. Esta
definição é flexível o suficiente para incluir as
diferentes configurações e composições de famílias
que estão presentes na sociedade atual(12)
.
Uma analogia útil para compreender os
conceitos da teoria de sistemas aplicados à família é
a comparação com o móbile. Observando-se um móbile
suspenso no ar vemos que ele é composto de várias
peças se movem, umas mais rapidamente do que
outras. Colocando-se a mão em uma das peças
imediatamente influenciamos os movimentos de todas
as outras e, após algum tempo, o móbile retoma seu
movimento balanceado, mas não necessariamente na
mesma direção de antes de ser tocado(7)

Assim como o móbile, a família é um todo
composta de vários elementos ou membros. Uma
mudança em um de seus membros afeta todo o grupo.
Porém, a família tem habilidades para criar um
balanceamento entre mudanças e estabilidade. Por
exemplo, a ocorrência de doença mental é reconhecida
como uma sobrecarga, um estresse para toda a família.
No início da doença ocorre uma desorganização
familiar e, posteriormente, a família consegue
reorganizar-se priorizando o cuidado de seu familiar
portador de doença mental(13)
.
A saúde familiar:
A noção de saúde familiar depende do
julgamento que o observador faz sobre a eficácia da
adaptação dó grupo frente às mudanças ligadas aos



ciclos da vida familiar, ao seu ambiente ou a uma
problemática de saúde física ou mental. O observador
pode ser um membro da família ou um profissional de
saúde( 12).

A intervenção de enfermagem
Diversos nomes têm sido utilizados para descrever
o trabalho da enfermagem, tais como: ações, atividade,
intervenção , tratamento, terapêutica. Duhamel(8)
;
Wrigth, Leahey(7)
preferem o termo intervenção,
definido-o como alguma ação ou resposta da enfermeira,
incluindo ações terapêuticas, respostas cognitivas e
afetivas que ocorrem no contexto do relacionamento
enfermeira paciente e oferecido para o indivíduo, família
ou comunidade onde a enfermeira trabalha.
É comum se afirmar que o objetivo da
intervenção de enfermagem é efetuar mudanças que
ajudem o cliente e a família darem respostas mais
efetivas aos problemas de saúde. Segundo Duhamel(8)
,
na perspectiva do conceito de determinismo
estrutural, este papel da enfermeira precisa ser
reconsiderado.
O profissional que acredita que a objetividade não
existe além dos parênteses reconhece que não pode impor a
sua própria realidade aos outros e que deve respeitar a
de seus pacientes. Reconhecendo a unidade de
realidade de cada um, a enfermeira pode contribuir com a
sua percepção, para que eles descubram uma outra
realidade. Esta contribuição poderá promover mudanças
estruturais capazes de favorecer uma melhor adaptação à
problemática em causa. Nesta perspectiva, o papel da
enfermeira muda de agente que dirige a mudança para
elemento participante deste processo, criando um
contexto favorável para a mudança(8)
.
A formulação de hipótese
Hipóteses são enunciados específicos sobre como a
dinâmica familiar influencia um problema de saúde e
sobre como o problema de saúde influencia a
dinâmica familiar num determinado momento. A
enfermeira formula hipóteses para exprimir o resultado
da análise que faz a partir das informações que obtém
na interação com o paciente/família.
Segundo Duhamel(8)
, as hipóteses permitem
fazer uma ligação entre os comportamentos, as
crenças, os sentimentos e as experiências passadas
do sistema familiar para explicar a dinâmica de uma
família frente a uma situação qualquer. Um exemplo
de hipótese para explicar a falta de aderência de um
paciente às recomendações do profissional de saúde
poderia ser uma ligação com a experiência passada do
paciente com seu pai, que mesmo aderindo às
recomendações acabou morrendo. Um raciocínio
possível deste paciente seria: meu pai atendeu às
recomendações e mesmo assim morreu, então de que
adianta seguí-las?

Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7. 143 A idéia de hipótese na abordagem sistêmica é
oposta à idéia de hipótese da pesquisa experimental.
Segundo Selvini-Palazoli(14)
, na terminologia da
ciência experimental, uma hipótese é uma suposição
não comprovada que é aceita para ensaio experimental.
Ela serve de base para uma investigação posterior que
poderá indicar se ela deve ser aceita ou refutada. Isto
é, na pesquisa experimental uma hipótese é verdadeira
ou falsa.
Dentro da ciência familiar, os fenômenos
provocados pelas questões que o terapeuta faz durante
a interação com base nas hipóteses que formulou e
que testa através de suas perguntas definem essa
atividade como experimental. Porém, os dados deste
tipo de experimentação derivam ou provém das
retroações imediatas (verbais e não verbais) que os
"sujeitos" dão às questões colocadas pelo terapeuta,
ou por suas reações retardadas resultantes das
prescrições e rituais propostos no final da sessão
(intervenções do terapeuta). Tanto as questões, como
as prescrições e rituais tem por objetivo a verificação
ulterior de uma hipótese que era tida como plausível
até aquele momento.
Para Hoffman (15)
, esta definição coloca
imediatamente um marco desconcertante em torno da
terapia, na qual cada caso será semelhante com um
experimento por si só. Uma "novela de mistério" na
vida real. Porém, muito pouco pode- se afirmar sobre
o final desta "novela" que está em constante
movimento, modificando-se de tempos em tempos.
Portanto, na abordagem sistêmica a idéia de
hipótese permanece específica à significação
fundamental do termo com relação à sua raiz
etimológica de suposição: uma hipótese é uma
suposição feita como base para o raciocínio, sem
referência a sua verdade como ponto de partida para
uma investigação. Esta definição exclui explicitamente
os critérios de veracidade ou falsidade da pesquisa
experimental (14).

Uma solução, proposta pela equipe de Milão,
para a questão dos critérios de veracidade da hipótese
foi uma metáfora de Pirandello sobre a verdade:
"existem tantas possibilidades de verdades quantos
lugares desde os quais contemplá-la" (14)
.
Assim é que Duhamel8)
salienta que a hipótese
que a enfermeira formula ao utilizar a abordagem
sistêmica se opõe ao conceito de hipótese da pesquisa
experimental, pois sabemos que ela não é uma
representação objetiva da dinâmica familiar. Ela
representa somente uma das muitas explicações.
Esta explicação pode ter utilidade para a família
no sentido de facilitar o processo de adaptação a uma
situação, seja ela uma doença, a falta de aderência ao
tratamento, os problemas relacionados ao abuso de
álcool e droga, ou relacionados às fases de desenvol-
vimento do ser humano. A família confirmará ou não

a utilidade dessa hipótese. Uma hipótese pode ser
muito útil quando enfatiza os recursos do sistema
familiar. Por exemplo, o apoio emocional que os pais
podem dar frente mudança de comportamento de um
filho.
No momento em que a hipótese pareça explicar,
justificar ou dar uma direção para o caminho atual
dos fatos a família apresentará uma configuração
distinta. Como o sistema familiar está em constante
movimento, este momento significa que a hipótese
original deve ser revisada ou, algumas vezes,
suprimida, pois esta configuração distinta tende a
mudar outras, desestabilizando o sistema familiar
novamente ou, talvez, aprofundando seu
autoconhecimento(15)
.
A hipótese é útil também para o terapeuta.
Primeiro, é útil em seu poder de organização, pois
oferece um esboço inicial sobre o qual o terapeuta
trabalha as informações reunidas na interação com a
família, dando-lhe um fio condutor para realizar suas
entrevistas. Em segundo lugar, sugere um possível
significado que o comportamento sintomático pode ter
para esta família especificamente.
Deve-se ter cautela com esta segunda utilidade,
pois dizer que o sintoma tem a função de representar
alguma desorganização familiar é uma afirmação
linear. Sabemos que os membros de uma família se
envolvem com outros tantos fatores e nenhum deles
pode se encontrar sob controle unilateral dos demais.
Selvini-Palazoli et al. (14)
salientam que, do ponto
de vista epistemológico, seria incorreto dizer que o
comportamento de uma pessoa causa o de outra.
Portanto, não se pode afirmar que um sintoma é
causado por reações da família a ele, nem tampouco o
contrário. Antes, é melhor dizer que todos estes
comportamentos estão girando em uma pauta que é
suportada mutuamente e que caracteriza o modelo de
funcionamento familiar. Há de se ter a compreensão
de que este é um processo no qual as atividades
encaixam-se umas nas outras tão ritmicamente como o
inalar e exalar o ar, a sístole e a diástole do coração.
Duhamel (8)
ressalta que dentro da abordagem
sistêmica não se busca a causa do problema, mas os
fatores que freqüentemente estão presentes e o
mantém. Freqüentemente os fatores que fazem durar o
problema são diferentes daqueles que o causam.
Assim, dentro da análise de uma problemática de
saúde, o "como" é mais importante que o "porquê".
As hipóteses tendem a dar conta do contexto dentro
do qual a problemática de saúde evolui, isto é, das
relações entre os diferentes sistemas e sub sistemas
que contribuem, por exemplo, para a manutenção de
um problema de saúde.
É aconselhável que as hipóteses sejam
construídas junto com os membros da família. A
participação do grupo familiar nesse processo favorece
Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
144 Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7. a elaboração de hipóteses compatíveis com as crenças,
valores e percepções do grupo em relação a uma dada
situação. Hipóteses muito diferentes da percepção da
família não carecem de credibilidade e são logo
descartadas. Hipóteses mais próximas ou semelhantes
às das famílias são susceptíveis de manter o
status- quo.
O princípio de circularidade
Segundo Wrigth, Leahey(7)
, os comportamentos
dos membros da família são mais bem compreendidos
a partir de uma visão de causalidade circular do que
linear. Causalidade linear é definida como um evento
(A) causando outro (B), sem que este tenha qualquer
ação sobre A. Por exemplo, quando o relógio toca às 6
horas da tarde, a família rotineiramente se reúne para o
jantar. O evento A (soar do relógio) causa o evento B
(jantar em família), enquanto que B não afeta o
evento A.
No modelo de causalidade circular, o evento B
pode afetar o evento A. Por exemplo, se o marido se
interessa pelos cuidados com a ostomia de sua esposa
(evento A) e a esposa responde explicando-lhe os
procedimentos diários (evento B), pode ser que o
marido continue se interessando e oferecendo suporte a
ela. Neste caso, temos o evento A causando B, que
reforça A novamente.
Esta compreensão da circularidade é prevista
dentro da teoria de sistemas, mas foi com a cibernética
de primeira e de segunda ordem que o conceito foi
aprofundado. A cibernética interessa-se pelos
mecanismos reguladores dos sistemas e pelos
processos de retroalimentação.
A diferença mais importante entre a cibernética
de primeira e segunda ordem é aquela relativa à
observação dos sistemas. Na cibernética de primeira
ordem o observador considera-se separado do sistema
observado, enquanto que na de segunda o observador
entra na descrição do que é observado. Na cibernética
de segunda ordem a unidade do tratamento contém
ambos: o observador e o observado(16)

Se o observador entra naquilo que é observado,
não há o que se poderia chamar de sistema observado
isolado. Finalmente, uma vez que qualquer observador
percebe o mundo através das lentes da cultura, da
família e da linguagem, o produto resultante
representa não algo privado e autônomo, mas uma
"observação comunitária"(6)
.
Nesta perspectiva da cibernética de segunda
ordem, a circularidade é definida como a capacidade
do terapeuta de conduzir sua investigação com base
nas retroações da família, em resposta às informações
que ele solicita sobre as relações, as diferenças e as
mudanças dentro das próprias relações(15)
.
O princípio de circularidade refere-se ao
fenômeno da retroação entre os membros da família e



entre esses e a enfermeira. A enfermeira questiona os
membros da família sobre suas relações e as respostas
da família a estas questões guiarão a entrevista.
Observa-se a circularidade na troca de informação
entre a enfermeira e o sistema familiar e entre os
diferentes membros da família que influenciam cada
uma das pessoas(8)

Por exemplo, logo depois que se pergunta à mãe
com filho portador de fibrose cística se os cuidados da
criança tornaram-se muito exigentes para ela. O pai,
que participa da interação, recebe a informação e reage a
ela minimizando o fardo que os cuidados com o filho
podem representar para ela. No seu entendimento, os
cuidados estão bem compartilhados entre ambos e não
considera plausível que a esposa se queixe da
sobrecarga que isto lhe causa. A mãe reage exprimindo
sua raiva, afirmando que seu marido não contribui
suficientemente nos cuidados da criança. Esta
interação que ocorre na presença da enfermeira
informa-lhe sobre a relação dos dois e guia suas
questões e hipóteses sobre o funcionamento familiar.
Desta maneira, a informação circula entre a
enfermeira e os diferentes membros da família, cada
um influenciando os outro(8)
.
Nesta perspectiva, o terapeuta não é um agente e
o cliente não é um sujeito. Ambos formam um campo
mais extenso em que terapeuta, família e um certo
número de outros elementos atuam e reagem uns sobre
os outros das mais diversas maneiras, pois cada ação e
reação mudam constantemente a natureza do campo no
qual residem os elementos deste novo sistema
terapêutico(15)
.
Hipótese sistêmica
Um dos princípios da teoria de sistemas afirma
que o todo é maior do que a soma de suas partes.
Assim, a família é um todo maior do que a soma de
seus membros. Com base neste princípio, a abordagem
sistêmica se interessa pelas relações entre os diferentes
sistemas e sub sistemas presentes no sistema familiar
para compreender melhor o funcionamento de cada
um deles. As relações entre os membros do sistema
familiar influenciam, de maneira significativa, os
comportamentos, crenças e sentimentos de cada
membro de uma família. Seguindo o princípio da
circularidade, esses comportamentos, crenças e
sentimentos influenciam, por sua vez, as relações
entre os diferentes membro(8)
.
O profissional que ajuda uma família a lidar com
uma problemática de saúde formula hipóteses sobre
as ligações entre os comportamentos, as crenças e os
sentimentos do grupo familiar de um lado e, de outro a
problemática apresentada. Este tipo de hipótese, é
chamado de hipótese circular ou hipótese sistêmica(16)

Para formular as hipóteses sistêmicas ou
circulares, é necessário estruturar a informação

Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
Rev Esc Enferm LISP 2002; 36(2): 141-7. 145 recolhida junto à família de maneira que ela possa
espelhar a coerência da organização circular dos
elementos do sistema. O exemplo a seguir ilustra uma
hipótese sistêmica com enfoque sobre as crenças.
Uma esposa que acredita que seu marido deveria
seguir as recomendações do profissional de saúde para
manter sua doença cardíaca em níveis mais
equilibrados fala freqüentemente ao marido sobre os
comportamentos que ele deve adotar para atingir os
objetivos sugeridos pelo profissional de saúde. Apesar
disso, seu marido continua negligenciando os
conselhos terapêuticos e sua saúde não para de se
deteriorar e os sintomas persistem.
Dentro deste caso, poder-se-ia formular a seguinte
hipótese circular: as crenças da esposa em relação à
saúde de seu marido e à recomendação do profissional
de saúde são mantidas pela persistência dos sintomas
cardíacos do marido ("ele não segue a recomendação,
por isso é muito doente"). Reciprocamente, é possível
que a crença da esposa seja de natureza a manter os
sintomas do marido, caso as tentativas dela de ajuda-lo
sejam percebidas por ele como implicâncias. Neste caso,
a reação do marido é recusar-se a seguir as
recomendações. Com esta hipótese sistêmica ninguém é
censurado e cada um, a sua maneira, contribui na
manutenção da problemática de saúde que é a
deterioração da saúde do marido.
Seria possível formular hipóteses lineares, porém
essas hipóteses tendem a não dar conta do fenômeno
da circularidade dentro do sistema, levando,
consequentemente, a uma postura de censura por
parte de quem a propõe. Um exemplo de hipótese linear
seria: o comportamento da esposa piora os sintomas
do marido. Esta hipótese tem um caráter de censura
em relação ao comportamento da esposa, cuja intenção
seria a de ajudar o marido
Outra hipótese linear poderia ser: o marido não
seguindo a recomendação da esposa provoca a piora
de seu estado de saúde, reforçando a idéia da mesma.
Hipóteses lineares são, freqüentemente, aquelas que
os familiares adotam para explicar sua situação. Elas
guiam seus comportamentos e influenciam suas
interações, resultando em frustrações que podem
manter a tensão dentro das relações.
As enfermeiras que buscam a causa dos
problemas estarão mais predispostas a censurar um
membro do sistema e adotar uma hipótese linear para
explicar a problemática em questão. Estes profissionais
correm o risco de comprometer a relação de confiança
estabelecida com os membros da família. Entretanto
as que procuram, desde o início, ligações circulares
entre os diferentes elementos do sistema, influenciam
mais facilmente a realidade dos membros da família,
favorecendo um contexto propício à mudança(8)
.
É importante ressaltar que, ao formular uma
hipótese, a enfermeira deve utilizar uma linguagem
que vise descrever a atitude de um membro da família.
Dizendo, por exemplo, que a pessoa demonstra
comportamentos que sugerem um estado depressivo,
indicando para a família que a pessoa não é sempre
assim.
A neutralidade
O princípio da neutralidade refere-se à
necessidade da enfermeira ser imparcial frente ao
sistema familiar, isto é, na interação com a família a
enfermeira deve ter uma atitude que reflita respeito e
interesse pela "realidade" de todos os membros do
grupo de modo que cada um possa afirmar que a
enfermeira não defende um membro em detrimento de
outro.
Segundo Duhamel(8)
, a enfermeira que acredita
que a objetividade não existe além dos parênteses terá
mais facilidade para manifestar sua neutralidade, pois
ela não considera que existe uma "verdade" ou uma
visão que seria mais correta que a outra. Por isso,
não julga que uma pessoa em particular seja
responsável por um problema. Ao contrário, considera
que é todo o sistema que o mantém.
Cechin(17)
defende que uma atitude de
neutralidade é mantida pela curiosidade, pois esta
convida a uma busca contínua de hipóteses neutras
que impedem a enfermeira de adotar uma descrição
única do sistema analisado.
As enfermeiras, freqüentemente, visam
convencer os pacientes a adotarem certos
comportamentos, acreditando que existe uma visão
correta da situação. Nessa concepção, poderá ser
difícil dar provas de neutralidade e de flexibilidade no
início da relação com a família. É impossível ser
curioso se existe a crença em uma única verdade (8).
CONCLUSÃO
Esta síntese teórica a respeito da abordagem
sistêmica da família não teve a intenção de esgotar o
assunto referente à temática, cuja literatura existente é
testemunha de sua amplitude e complexidade. O
objetivo foi, apenas oferecer uma visão dos conceitos
principais e de sua aplicabilidade na enfermagem.
A abordagem sistêmica pode ser adotada mesmo
que a entrevista seja somente com um membro da
família. Por exemplo, poder-se- ia perguntar a um
paciente: caso sua mãe estivesse aqui conosco o que
ela responderia se eu Ihe perguntasse o que ela pensa
sobre sua maneira de cuidar de sua doença? Porém, a
abordagem familiar é preferível à individual. A coleta
de percepções de cada membro da família com relação
à problemática vivida favorece a elaboração de
hipóteses sistêmicas com maior potencial de utilidade
à família do que as fundamentadas sobre a percepção
Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
146 Rev Esc Enferm USP 2002; 36(2): 141-7.
Principais conceitos da abordagem sistêmica em cuidados de enfermagem... Galera SAF, Luis MAV
de um só membro(8). É importante recolher a percepção
de cada membro quanto ao funcionamento da família,
pois são elas que influenciarão os comportamentos de
cada um e o funcionamento de todo o sistema familiar.
A saúde familiar depende dessas percepções e deste
funcionamento.
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